BUENOS AIRES – Numa escalada da crise entre Argentina e Uruguai, o presidente argentino Néstor Kirchner classificou, nesta quarta-feira, o colega uruguaio, Tabaré Vázquez, de “intransigente”. Os dois, segundo seus assessores, não se falam há vários dias, desde que chegaram a um impasse pela construção de uma fábrica de celulose, a finlandesa Botnia, na localidade uruguaia de Fray Bentos, às margens do rio Uruguai, que banha Argentina e Uruguai.

“Nós buscamos todos os caminhos possíveis, mas eles (uruguaios) romperam os acordos que tínhamos (de proteção) do rio Uruguai”, disse Kirchner, diante das câmeras de televisão. “Mas esse presidente aqui (ele mesmo) vai continuar, por mais forte que
sejam os interesses da Botnia e outras coisas que podem estar por trás”, afirmou.

Desenvolvimento econômico
O governo do presidente Tabaré Vázquez argumenta que a fábrica será “decisiva” para o “desenvolvimento da economia do país”, como afirmaram assessores governamentais. Num documento de oito parágrafos, a Corporação Financeira Internacional (CIF), que libera os recursos do Bird, informou que o projeto cumpre todas as exigências e não danificará o ecossistema.

No seu discurso, o presidente Kirchner fez um apelo para que os manifestantes argentinos suspendam o bloqueio na principal
rodovia – a 136 – de acesso ao Uruguai. “Não estou de acordo, porque temos que evitar provocações”, disse. O protesto – que chegou a durar mais de 90 dias seguidos no último verão – voltou a ser realizado há cerca de um mês.

Do outro lado do rio
Em Montevidéu, as palavras de Kirchner e a decisão do Bird tiveram fortes repercussões. O ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Reinaldo Gargano, disse que Tabaré Vázquez não podia ser chamado de “intransigente”, já que tinha buscado todas as formas de diálogo com a Argentina.

Quando perguntado por jornalistas uruguaios se o país poderia retirar seu embaixador de Buenos Aires, ele foi conciliador, dizendo
que tratam-se de repúblicas irmãs. O mesmo repetiu o ministro da Agricultura, José Mujica: “O que vocês querem? Guerra? Não, não. A amizade dos uruguaios e dos argentinos está acima destas coisas”, tentou minimizar, ao falar com jornalistas uruguaios.

O ministro da Economia, Danilo Astori, reconheceu que a situação é “preocupante” e disse que espera que “termine logo” o bloqueio na principal estrada que liga os dois países. “Esse bloqueio no trânsito prejudica nossa economia”, afirmou.

Nesta quarta-feira, duas das três empresas de ônibus que ligam as capitais – Montevidéu e Buenos Aires – anunciaram que suspendiam as viagens, já que registram perdas com a manifestação realizada contra a fábrica de papel e que impede a passagem do trânsito.

A queda de braço pelas “papeleras” já se arrasta há meses. E a pressão dos protestos dos moradores de Gualeguaychú levou a segunda fábrica de celulose, a espanhola ENCE, que ali seria instalada, a procurar outro endereço. A cidade de Gualeguaychú é conhecida principalmente pelo carnaval que realiza. Seus moradores argumentam que a fábrica “poluirá” o rio e afastará turistas do lugar.

A Argentina já tinha sido derrotada no Tribunal Internacional de Haia, que deu razão ao Uruguai e não viu problemas na construção das fábricas. “É hora de o governo perceber que não acertou em nenhuma das estratégias com as papeleiras”, escreveu o analista político do La Nación, Joaquín Morales Solá.