
O Diretor do órgão, Adriano Furtado, justificou dizendo que multa de balcão pode prejudicar quem mora no exterior ou está doente
Detran do Paraná decidiu suspender a aplicação de multa automática por não realização de exame toxicológico periódico . A decisão está amparada na Resolução nº 89 do Conselho Estadual de Trânsito do Paraná (Cetran-PR). A medida foi anunciada no dia 17 mas até esta segunda-feira (20) não foi publicada no Diário Oficial do estado, embora divulgada pelo órgão.
A situação é muito grave porque, em média, 2 em cada 10 condutores do Paraná obrigados a fazer o exame periódico não cumpriram a lei. E o Paraná é o segundo estado com mais acidentes (sinistros) de caminhões, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, cuja direção já esteve sob responsabilidade de Adriano Furtado.
Segundo a Senatran, no Paraná existem 264.448 condutores com o exame toxicológico periódico pendente, de um universo de 1.214.070 condutores. O exame é exigido a cada 30 meses para condutores das categorias C, D e E. Necessárias para dirigir caminhão, ônibus e carreta.
Praticamente 22% dos condutores habilitados nas categorias C, D e E, que deveriam realizar o exame toxicológico periódico e estão cientes dessa obrigação, não o fizeram. A divulgação foi ampla, inclusive os motoristas eram alertados através da CNH Digital pela Senatran e Detrans.
Isso significa que quase 80% cumpriram a lei, enquanto os demais são beneficiados sem a multa administrativa (multa de balcão), prevista na Lei 14.599/23. O exame detecta o uso frequente de drogas nos últimos 90 dias. Segundo os dados obtidos pelo SOS Estradas, a droga predominante nos laudos positivos é cocaína, com 70% dos casos.
Veja o que prevê a Lei 14.599/23
Art. 165-D. Deixar de realizar o exame toxicológico previsto no § 2º do art. 148-A deste Código, após 30 (trinta) dias do vencimento do prazo estabelecido: Infração – gravíssima; Penalidade – multa (cinco vezes). Parágrafo único. A competência para aplicação da penalidade de que trata este artigo será do órgão ou entidade executivos de trânsito de registro da Carteira Nacional de Habilitação do infrator.
Rodolfo Rizzotto, Coordenador do SOS Estradas, lembra que somente a União pode legislar sobre trânsito e que a medida é inconstitucional. “O Detran do Paraná está deixando de cumprir sua obrigação legal, conforme determina a Lei 14.599/23 e a regulamentação do Contran com a Resolução 1009 de 2024.”
O comunicado oficial do órgão, veiculado pelo Detran e pela Agência de Notícias Oficial do Estado, informa:
“O Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) informa aos condutores que possuem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) das categorias C, D e E, que incluem motoristas de caminhão, ônibus e vans, que neste momento não aplicará a multa administrativa automática, prevista no Artigo 165-D do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), referente à não realização do exame toxicológico. A decisão está referendada na Resolução nº 89 do Conselho Estadual de Trânsito do Paraná (Cetran-PR), órgão máximo normativo do trânsito no Estado.”
Por razões desconhecidas, o Detran não disponibilizou no seu comunicado oficial a mencionada Resolução nº 89, que permitiria avaliar qual a fundamentação jurídica do órgão e seu Conselho para contrariar a recomendação da Lei aprovada pelo Congresso e regulamentada pelo Contran. A decisão foi divulgada no dia 17 de maio e existe a promessa que a mesma será publicada no Diário Oficial nesta terça-feira(21).
No mesmo comunicado, o atual Diretor-Presidente do Detran-PR, ex-Diretor da Polícia Rodoviária Federal no governo anterior, Adriano Furtado, justifica a medida: “A multa administrativa pode gerar injustiça, como punir motoristas que estejam morando fora do país ou enfermos. Para os motoristas em atividade, vale a regra básica: o exame toxicológico tem validade de dois anos e meio, e deve obedecer o prazo para renovação.”
A decisão do Detran do Paraná e seu Conselho foi tomada em pleno Maio Amarelo, mês em que o objetivo é estimular a cultura de segurança viária.
Para o Coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, é uma aberração jurídica que contraria a lei e beneficia quem usa drogas. “A maioria dos que não fazem o exame sabe que o laudo será positivo, portanto são usuários de drogas. Este é o fato. A impressão que causa é que a Resolução foi feita sob encomenda para não punir, ainda que sejam usuários de drogas. Com isso, todos que compartilham as estradas e ruas com esses condutores correm risco.”
Rizzotto lembra ainda que, no caso de uma tragédia envolvendo veículos pesados nas rodovias ou áreas urbanas, com motoristas do Paraná que deveriam ter realizado o exame e conduzem sob efeito de drogas, parte da responsabilidade será do Diretor e seu Conselho.
Caminhoneiro com exame vencido matou professora e seu filho no Paraná
Em abril do ano passado, uma professora e seu filho morreram no Paraná quando um caminhoneiro colidiu com vários veículos e esmagou o carro onde ela e o menino estavam. O condutor estava com exame toxicológico vencido, dentre outras irregularidades. Veja a matéria: Caminhoneiro que matou professora e filho estava com exame toxicológico vencido há 2 anos.
Para Fernando Diniz, presidente da entidade de vítimas TrânsitoAmigo, a decisão é absurda: “É impressionante como no Brasil autoridades que deveriam preservar a vida e combater o uso de drogas tomam medidas como essa. Os membros do Conselho e o Diretor-Presidente do Detran serão em parte responsáveis pelas mortes causadas por motoristas com exame vencido e habilitação do Paraná. O Diretor demonstra mais preocupação com quem vive no exterior ou está enfermo do que com a segurança de todos que circulam nas ruas e rodovias. Sem contar que os que cumprem a lei são desrespeitados.”
Opinião compartilhada por Ava Gambel, do Movimento Não Foi Acidente, que reúne mais de 1 milhão de seguidores no Facebook com histórias dramáticas das vítimas: “Hoje temos pessoas assumindo cargos de ‘autoridades’, mas indo contra ações que deveriam salvar vidas. A partir do momento que o diretor de um órgão, que traz como uma das ‘missões’ a segurança viária, encontra brechas para afrouxar as leis, ele deixa de pensar nas vidas que poderiam ser salvas no trânsito e coloca outros interesses à frente. O exame toxicológico não tem que ser visto como ação de punição aos trabalhadores; pelo contrário, tem que ser visto como ação para salvar vidas e tirar os infratores das estradas e áreas urbanas.”

Entidade de caminhoneiros critica a medida e médicos também
A ABCAM, entidade que reúne centenas de milhares de caminhoneiros autônomos, justamente uma das categorias que mais precisa estar com o exame em dia, discorda frontalmente da medida. Em seu comunicado, informa:
“Abcam – Associação Brasileira Dos Caminhoneiros se posiciona contra a Resolução nº 89 do Cetran do Estado do PR, que cancelou a multa automática para o condutor que não atendeu e realizou o exame toxicológico dentro dos prazos estabelecidos em lei. Difícil acreditar que tal Resolução tenha como embasamento técnico somente proteger enfermos e pessoas que estão fora do país. Enquanto todos os Estados atendem e respeitam as regras impostas pela Senatran, vem o Estado do Paraná se contrapondo a todo um trabalho e estudo de muito tempo, mostrando a importância e o impacto dos motoristas profissionais terem seus exames em dia. Mais uma vez a ‘Lei de Gerson’ sendo aplicada em nosso país!!! Enquanto isso, os acidentes aumentam, aumentam pessoas acidentadas em leitos hospitalares tirando o lugar de pessoas com doenças muito mais graves e o número de mortes cada vez mais subindo nas estatísticas!!! Essa é a contribuição do Estado do Paraná para a Campanha mais importante contra os acidentes no país, que é o: ‘Maio Amarelo’… não respeitar a esfera federal e desta forma contribuir para que as ocorrências e mortes no trânsito aumentem!”
Na mesma linha de pensamento da ABCAM e entidades de vítimas, Alysson Coimbra, Médico do Tráfego e Diretor Científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (AMMETRA), também é contra a decisão do Detran do Paraná. Dr. Coimbra explica:
“Há algum tempo temos políticas públicas que se distanciam do objetivo de salvar vidas e reconhecidamente assumem posições incoerentes e inexplicáveis. Passamos mais de 15 meses em processos ineficazes de discussões e intervenções na única política pública para o controle de uso de drogas por motoristas nas estradas e rodovias do país. Não nos surpreende que os casos de sinistros relacionados à alteração psicomotora, seja por álcool ou drogas, cresceram exponencialmente. Assim como se prestigiou condutores de veículos de grande porte em flexibilizações recentes na lei, mais uma vez essa medida isolada e questionável promove uma desnecessária fragmentação de um tema que deveria ser consensual. Todos tiveram tempo excedente para cumprir o que a lei determina, mas, mesmo assim, chegamos a mais de 3 milhões de condutores sem comprovação de negatividade ao exame. Paralelamente, o Estado penaliza a maioria dos motoristas que cumpriram a lei, prestigiando condutores que provavelmente possuem algum conflito de interesse com o tema. Administrativamente, a reclassificação da CNH é uma possibilidade real com a posterior retomada de categoria, e não fica de bom tom para um órgão público priorizar brasileiros que residem no exterior em ações que claramente penalizam os que moram aqui. Precisamos frear esse ímpeto de legislar pela exceção e por interesses avessos ao bem comum.”
Na gestão de Adriano Furtado, as mortes nas rodovias federais aumentaram 15%
Adriano Furtado, quando Diretor-Geral da PRF em 2019, foi responsável pelo recolhimento de todos os radares portáteis nas rodovias federais, conforme orientava despacho do então presidente da República.
O recolhimento foi feito imediatamente, sem a ordem do ministro da Justiça. Não foi apresentado nenhum estudo que justificasse a ordem, mas Furtado apressou-se em cumprir para agradar o presidente.
O recolhimento foi feito em 15 de agosto de 2019, e os radares portáteis só retornaram por decisão judicial em 23 de dezembro de 2019. Nesse período, houve um aumento de 15% da média mensal de mortos, conforme comprovou o Estradas.com.br. Foi também em 2019 que pela primeira vez tivemos aumento de mortes nas rodovias federais, desde 2011.
No período em que os radares estiveram recolhidos nenhum motorista foi autuado por excesso de velocidade pela Polícia Rodoviária Federal, durante mais de quatro meses,em todo o território nacional.
O Coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, lembra que a medida foi criminosa e sem precedentes em nenhum país sério. O então Diretor da PRF, Adriano Furtado (atual DetranPR), não teve cerimônia em recolher os radares e aparentemente criou dificuldades quando foi determinada pela Justiça a volta dos equipamentos, o que fez com que o juiz estabelecesse multa de R$ 50.000,00 por dia caso a decisão não fosse respeitada.
“A decisão do Detran do Paraná não me surpreende quando analisamos a atuação de Furtado à frente da PRF”, acrescenta Rizzotto.
Ele destaca ainda que a questão não é ideológica. “A morte no trânsito não escolhe as vítimas por partido político. Nós, como estudiosos do tema e ligados às entidades de vítimas, não aceitamos vidas perdidas em vão, não importa quem está no poder. Infelizmente, governos de todas as ideologias têm demonstrado que não têm compromisso com a segurança viária. Essa é a realidade do nosso país.”
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