Consórcio brasileiro e peruano é obrigado a contratar localmente 75% da mão-de-obra. Um ritual para a “Madre Tierra” deu início à construção da rodovia que vai ligar o Brasil aos portos do Oceano Pacífico, no Peru. Pedindo proteção e permissão para entrar nas terras peruanas – de pouca infra-estrutura e muita religiosidade -, o consórcio construtor Conirsa, formado pela brasileira Norberto Odebrecht e pelas peruana JJC e Graña y Monteiro começou as obras dos trechos 2, entre Urcos a Puente Inambari, trecho de serra com altitude média de 3 mil metros, e o trecho 3, de Iñapari, na fronteira com o Brasil, a Puerto Maldonado, cidade construída em meio a floresta amazônica.
Em toda a extensão da carretera, como é chamada a Interoceânica pelos peruanos, há trânsito de veículos leves e pesados. Em pontos, como no trecho 2, a concessionária teve que abrir a montanha para alargar a via, pois existia somente um estrada por onde passava os camponeses transportando sua produção em lombos de burros. Nesta região, o projeto prevê uma rodovia com 7,5 metros de largura em pista simples. O trecho é sinuoso e, durante a construção, todo o tráfego de caminhões é liberado somente à noite. Ao todo serão construídos 1,1 mil quilômetros de estrada atravessando o Peru, passando por cidade inóspitas, onde qualquer intervenção causa grandes mudanças.
Em Urcos, por exemplo, município perto de Cuzco, na região serrana do país, o prefeito, Lizardo Angeles, organizou uma expedição ao governo central para reivindicar que a carretera passasse pelo local. Na região, com 12 cidades e 95 mil habitantes, segundo ele, estão concentradas as províncias mais pobres de todo o Peru. “Pela primeira vez organizamos uma comissão e dizemos ao presidente que não queríamos dinheiro, queríamos apenas a oportunidade de crescimento e progresso que a rodovia vai proporcionar para o país”, afirmou Angeles. “A resposta foi que o governo central não teria recursos para modificar todo projeto. Então nos comprometemos a fornecer a mão-de-obra e insumos necessários na construção da rodovia. Hoje, cerca de 30 mil pessoas trabalham nas obras”, acrescentou. Segundo o prefeito, com a construção da rodovia na região ocorreu uma valorização imobiliária. Há dois anos, um terreno de 50 metros quadrados custava em média 500 soles (R$ 335). “Hoje, a mesma área vale 4,5 vezes mais, ou 2,25 mil soles” [R$ 1,5 mil], ressaltou Angeles. Ele, no entanto, admite que a região ainda não está preparada para receber a enorme quantidade de pessoas que chegarão com a rodovia em plena operação.
Na praça de Urcos, onde se concentra os negócios da cidade, um “camelódromo” ao estilo peruano, a ambulante, Nelva Castilho, de 39 anos, de rosto sofrido, vende chincha, suco típico da região, e sonha com os “soles” que chegarão quando a rodovia estiver em plena operação. Um relatório do Banco Mundial (Bird) apontou uma queda brusca nos investimentos públicos em infra-estrutura na América Latina e Caribe durante a última década. Nesse sentido, a Interoceânica pode contribuir para mudar o cenário, já que, por meio de uma parceria público-privada (PPP), há a expectativa de se gerar 72 mil postos de trabalho e de que o PIB peruano cresça 1,5%. O Peru é justamente um dos países da América Latina com maior carência de aportes em infra-estrutura. Tem um déficit de US$ 23 bilhões, sendo US$ 7,684 bilhões na área de transportes. Segundo o Bird, na década de 90 menos de 2% do PIB foi revertido para a infra-estrutura. Isso causou impacto negativo no crescimento econômico e no potencial de inserção internacional da região em comparação, por exemplo, com a China e a Coréia, que investiram de 4% a 6% do PIB no setor. Devido à inadequada estrutura de transportes na região, os custos logísticos chegam a 34% do valor dos produtos circulantes no Peru, contra aproximadamente 10% em países industrializados. Uma das causas desse cenário é que a diminuição dos investimentos públicos não foi compensada pelos aportes privados, reduzindo a produtividade e competitividade das empresas latino-americanas.
No outro extremo da obra, na região da selva amazônica, perto da fronteira com o Brasil, os moradores também acreditam na bonança que a rodovia trará. Para Gerônica Pizango, de 32 anos e quatro filhos, a oportunidade de melhorar de vida já é um fato. Ela é uma das moradoras da região recrutadas para trabalhar nas obras da estrada. Pelo contrato com o governo peruano, 75% da mão-de-obra deve ser das cidades por onde a estrada passará. Gerônica trabalha no controle do tráfego no trecho 3 da rodovia, entre Ibéria e Iñapari, na fronteira com o Brasil. Por uma jornada de 10 horas por dia, ganha 1,5 mil soles por mês [R$ 1 mil]. “Antes vendia comida em minha casa e conseguia juntar por mês uns 600 soles” [R$ 402].
Durante as obras da estrada deverão ser criados 72 mil empregos. Com a rodovia, o comércio entre os países vai aumentar. O Peru prevê exportar para as regiões fronteiriças brasileiras do Acre, Rondônia e Mato Grosso madeira, aspargo, verduras, frutas, pimentão, batata, cereais e leite, enquanto os produtos brasileiros devem, em sua maioria, ser vendidos para a Ásia.