Sargento é suspeito de integrar quadrilha, que vendia carteira para deficientes e analfabetos. Com a descoberta do esquema, 19 auto-escolas de SP foram fechadas nesta semana.
Investigações apontam que em apenas um ano mais de 200 mil habilitações podem ter sido emitidas de forma fraudulenta em São Paulo.
A investigação da máfia das habilitações começou em Campo Grande (MS). A Polícia Rodoviária Federal percebeu durante as fiscalizações nas estradas que muitos motoristas usavam habilitações emitidas em São Paulo. A maioria da região de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Os policiais acharam estranho e, com a ajuda do Ministério Público, começaram a monitorar as auto-escolas da Grande São Paulo e descobriram que as carteiras eram enviadas para lá, pelos Correios, sem que a pessoa fizesse exame algum.
Com a descoberta do esquema, 19 auto-escolas de São Paulo foram fechadas nesta semana. De acordo com as investigações, o escândalo pode ser bem maior.
Em um relatório de fevereiro deste ano há uma lista de 416 auto-escolas. Em todas, a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp) encontrou irregularidades nos exames. E, segundo os documentos, além da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) de Ferraz e Vasconcelos, há mais 37 delegacias regionais do Detran sob suspeita.
Em nota, o Departamento Estadual de Trânsito informou que a constatação da fraude provocou uma ação imediata e que providências já foram solicitadas.
Na sexta-feira (6), a Secretaria de Segurança Pública anunciou a demissão de 14 delegados de Ciretrans, suspeitos de envolvimento na fraude de emissão de carteiras de motoristas.
Dez deles atuavam na Grande São Paulo e quatro na Baixada Santista: Bertioga, Itanhaém, Santos, São Vicente, Arujá, Santos, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Itaquaquecetuba, Mairiporã, Mauá, Poá e Santo André.
“O que importava era ganhar dinheiro, enriquecer. Profissionais sem ética nenhuma, sem moral nenhuma, que pensam só em dinheiro, em lesar a sociedade”, diz o promotor Marcelo Oliveira.
Deficientes
A investigação, que durou oito meses, descobriu ainda que a quadrilha vendia habilitações para pessoas com deficiência visual e auditiva, o que representa ameaça à segurança do trânsito.
Elaine Gavazzi, dona de auto-escola, é uma das 20 pessoas que foram presas nesta semana. Ainda há uma lista com dezenas de nomes sendo investigados.
De Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, as habilitações irregulares eram enviadas para cidades do interior e de mais oito estados. Em Mato Grosso do Sul, o sargento Henrique Holland é suspeito de participar da quadrilha.
Em uma gravação, o PM se encontra com o produtor da reportagem, que se diz interessado em comprar uma carteira de motorista para a mulher dele. A negociação é em frente a um posto da Polícia Militar.
– Ela vai dar um e quinhentos. Espera chegar, vai dar mais mil. Ela recebe de carro e de moto, sem ir lá.
– Esse negocio é seguro mesmo?
– É, é a auto-escola que encaminha.
O sargento não está preocupado se a pessoa tem condições ou não de dirigir.
– O problema dela é o seguinte: ela fica nervosa na hora que pega para estacionar com instrutor, aí não consegue.
– Ela sabe andar de moto?
– Não. De moto, não sabe.
– Ela vai receber de carro e de moto.
– Ah, de moto vem junto também?
– Vem.
Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça também comprometem o sargento. Em uma das conversas, Henrique Holland fala com um funcionário de uma auto-escola de Campo Grande sobre um analfabeto que quer tirar a habilitação.
– Bom dia. É o Holland. Você não tinha falado que aquela situação do rapaz lá…
– É que o médico mandou ele ler alguma coisa e ele falou que não sabia ler, aí complicou tudo. Na verdade, na hora que começou, é que já tinha que marcar com o médico certo, né?
Segundo a Secretaria de Segurança de Mato Grosso do Sul, o sargento será convocado para prestar depoimento. A investigação revelou que Bento de Souza, o funcionário da auto-escola, também falava com freqüência com outro suspeito de fazer parte da quadrilha.
Uma conversa é sobre um cliente diabético e quase cego.
– Você sabia que ele teve deslocamento de rotina… Retina?
– Não.
– Tem um olho dele que está com silicone. O outro é 30%. Um lado dele é cego.
Mesmo assim, ele diz que é possível conseguir a habilitação.
– Se o cara der o laudo… Ele vai arrumar, mas o doutor me chamou lá, falou: é o seguinte, pode até liberar a carteira de moto, então. Ele falou se ele cair, ele fica cego. Se ele bater a cabeça, ele fica cego.
Procurado pela reportagem, o funcionário da auto-escola se defendeu.
– Você vende habilitação?
– Não, de jeito nenhum e trabalho 27 anos nesse mercado.
– Nunca deu um jeitinho?
– Não, porque isso é emitido pelo Detran.
– Essa voz que está no telefone não é sua?
– Não.
“O perfil é um só. É aquele cidadão que não tem condições físicas ou psíquicas de conduzir o seu veículo”, diz Valter Aparecido Favaro, inspetor da Polícia Rodoviária Federal. Ao ser questionado sobre qual o reflexo disso nas estradas, ele respondeu:
“Acidentes, vítimas graves , condutores, principalmente de cargas, mal preparados.”