FLAGRANTE: MPF proíbe tráfego de carretas de empresa que teve um dos veículos envolvido em acidente com 7 mortes. Foto: Divulgação/Ilustrativa

Segundo investigação, o mesmo veículo foi flagrado 141 vezes transportando carga acima dos limites permitidos pela legislação

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública contra a usina Vale do Tijuco Açúcar e Álcool S.A., para impedir que caminhões a serviço dessa empresa trafeguem por rodovias transportando carga com peso acima do limite máximo previsto na legislação. A ação ainda pede a condenação da usina por danos materiais e morais coletivos causados por esse tipo de conduta.

Também são réus na ação o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), órgãos responsáveis pela emissão de documentos chamados Autorizações de Transporte, os quais permitem a circulação de veículos com nove eixos ou mais (carretas combinadas, como as do tipo bitrem, por exemplo) no período noturno e em pista simples. O fato, segundo o MPF, é determinante para a ocorrência de inúmeros acidentes fatais em Minas Gerais e em todo o país.

Conduta frequente

A Vale do Tijuco é uma usina produtora de açúcar e álcool que pertence ao grupo da Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA), empresa de capital aberto sediada em Uberaba (MG).

A ação relata que, no dia 15 de maio de 2015, um veículo que estava a serviço da usina Vale do Tijuco ocasionou um grave acidente, com sete vítimas fatais e seis feridos, em trecho da BR-497 próximo a Uberlândia. A carreta bitrem, carregada com cana-de-açúcar, entrou na rodovia sem respeitar a preferência da pista e passou por cima de uma perua que levava 11 pessoas. Outro veículo também acabou envolvido no acidente.

Diante da suspeita de que o veículo estivesse trafegando com excesso de peso, o MPF instaurou inquérito civil para apurar os fatos e responsabilidades.

Com as investigações, descobriu-se que, no período de apenas quatro meses (de 23 de abril a 30 de agosto de 2015), o mesmo caminhão trator placa OQL-0843 que causou o acidente em maio realizou 141 viagens de transporte de carga de cana-de-açúcar com excesso de peso, conforme relatórios de autuações feitas pela Polícia Rodoviária Federal.

“Ou seja, mesmo após ter causado a morte de sete pessoas e ferimentos graves em outras seis, possivelmente por trafegar com excesso de peso, a usina Vale do Tijuco nada mudou em sua rotina e continuou abastecendo a carreta com carga acima dos limites autorizados pela legislação”, indigna-se o procurador da República Cléber Eustáquio Neves, autor da ação civil pública. “O lucro obtido com a sobrecarga é tamanho, que as autuações fiscalizatórias são simplesmente ignoradas. Basta ver que em apenas quatro meses, o mesmo veículo foi autuado mais de cem vezes”.

O procurador da República afirma que “o excesso de carga traz, indiscutivelmente, uma maximização da produtividade e dos lucros de quem se beneficia por tal conduta ilegal, que, geralmente, é o chamado embarcador ou expedidor, ou seja, o dono da carga transportada”.

Essa questão, informa o MPF, chegou a ser amplamente debatida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em outubro de 2017, culminando com o entendimento unânime dos cinco ministros da 2ª Turma, para os quais não resta dúvida de que as empresas abusam no excesso de carga para maximizar os lucros, uma vez que, se forem multadas, os lucros alcançados cobririam seguramente a punição administrativa.

Na decisão, o Ministro relator do RE 1.574.350-SC, Herman Benjamin, assinalou que “a ganância das transportadoras, in casu, espelha e semeia uma cultura de licenciosidade infracional, dela se alimentando em círculo vicioso, algo que, por certo, precisa ensejar imediata e robusta repulsa judicial”.

Danos e riscos

Para o MPF, se por um lado o transporte de carga com excesso de peso maximiza os lucros da iniciativa privada, por outro causa danos e impõe riscos a toda a coletividade.

Um dos efeitos não desejáveis é a deterioração acelerada e prematura da camada de revestimentos e da estrutura dos pavimentos asfálticos, que, além de acarretar prejuízo ao patrimônio público, também constitui causa de aumento do risco à segurança e à vida dos usuários das rodovias. O excesso de peso também afeta o desempenho do veículo, ensejando o desgaste acentuado dos pneus e afetando diretamente a eficiência da suspensão e dos freios, o que aumenta potencialmente as chances de ocorrência de acidentes.

Em pesquisa realizada pela Coordenação Geral de Operações Rodoviárias (CGOR), órgão vinculado ao DNIT, concluiu-se que “77% dos caminhões trafegam com excesso de peso por eixo”.
Igualmente, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) apurou que “um excesso médio de 10% de peso por eixo reduz em até 40% a vida útil projetada para o pavimento”.

Outro levantamento, desta vez feito pelo Atlas da Acidentalidade do Transporte, do Programa Volvo de Segurança no Trânsito (PVST) em parceria com a Polícia Rodoviária Federal e a TecnoMetrica, apurou que, só no ano de 2017 foram registrados 24.547 acidentes envolvendo caminhões, com 2.707 mortes. Em média, portanto, foram 67,25 acidentes diários, com 7,41 mortes por dia, sem considerar o total de feridos.

O MPF afirma que, “na maior parte dos acidentes ocorridos em rodovias federais, constatou-se o envolvimento de veículos de carga, a maioria deles com excesso de peso, o que dificulta a frenagem, principalmente quando o motorista solta o caminhão ‘na banguela’, tornando tal manobra impossível”.

Autorizações especiais

O MPF ainda chama atenção para o fato de que, embora boa parte dessas combinações de veículos, devido a seu tamanho, não possam transitar em horário noturno e em desacordo com trajetos preestabelecidos, sendo restritos inclusive a determinados tipos de rodovia, seus proprietários acabam obtendo do Dnit e do DER-MG as chamadas autorizações especiais de trânsito, que os permitem circular livremente.

“É evidente que a emissão de tais autorizações não encontram respaldo legal”, afirma o procurador da República. “O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 99, estabelece que somente poderá transitar pelas vias terrestres o veículo cujo peso e dimensões atenderem aos limites previamente estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito, que, por sua vez, expediu as Resoluções 210, 211 e 258, em 2006, justamente para fixar os limites de peso e as respectivas tolerâncias a serem admitidos na circulação de veículos na via terrestre”.

Por isso, um dos pedidos da ação é para que a Justiça Federal declare a nulidade de todas as AETs emitidas pelo DNIT e DER em prol da Vale do Tijuco autorizando-a a promover o transporte, saída e entrada de mercadorias em seus estabelecimentos, de veículos combinados com nove eixos ou mais, em período noturno, como também as AETs que autorizam o tráfego dessas combinações em rodovias de pista simples.
Outros pedidos – A ação também faz uma série de pedidos que possam auxiliar os órgãos de fiscalização no controle das cargas transportadas pela empresa ré, de forma a coibir o transporte acima dos limites de peso máximo permitidos pela legislação.

Entre eles, está o de que a Justiça Federal determine à Vale do Tijuco que, na hipótese de regime especial de transporte concedido pela Receita Estadual ou Federal, autorizando o trânsito do veículo sem cobertura de documento fiscal, que sejam feitos registros físico e eletrônico do recebimento da mercadoria, nos quais constarão os dados do veículo (placas do cavalo, reboque e semirreboque), o peso bruto total com a carga e o peso do veículo descarregado, os que deverão ser mantidos em arquivo pelo prazo de cinco anos.

Também foi pedido a concessão de ordem judicial que obrigue a ré, em caso de recebimento de combinações de veículos com nove eixos ou mais, a manter em arquivo a respectiva AET, com lançamento em registro eletrônico próprio que ateste em tempo real o horário em que foi recebido o veículo no estabelecimento.

Por fim, o MPF pediu a condenação da empresa ao pagamento de indenização, a título de reparação do dano material causado ao pavimento das rodovias federais, cujo montante deverá ser arbitrado por este juízo, levando-se em conta o valor de R$ 5 mil para cada operação de saída e/ou recebimento de mercadoria feita nos últimos cinco anos, em que, deliberadamente, omitiu as placas do veículo transportador ou os pesos brutos e líquidos nos respectivos documentos, com o intuito de enganar os agentes de trânsito, incluindo também as ocorrências em que foi constatado o transporte, de carga com excesso de peso ou em que o tráfego ocorreu em desacordo com AETs até então emitidas.

Além do dano material a ser arbitrado pelo Juízo Federal, a ação também pede a condenação da Usina Vale do Tijuco por dano moral coletivo.

Clique aqui para ter acesso à íntegra da inicial.
(ACP nº 1009344-59.2020.4.01.3803-PJe)

Fonte: Assessoria de Comunicação do MPF

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