Evasão de pedágio flagrado pelo DER-SP de empresa que tem motorista autuado por falta do exame toxicológico. Foto: Reprodução/Site DER-SP

No fim de semana que passou, dois episódios demonstraram a importância de punir com o máximo rigor quem não cumpre a exigência do exame toxicológico ou simplesmente é flagrado sob efeito dessas substâncias.

Um caminhoneiro da empresa Bendo Transportes foi preso pela Polícia Rodoviária Federal, em Joinville (SC) na BR-101, quando foi identificado pelos policiais dirigindo de forma perigosa e totalmente suspeita.

Antes de ser preso, o caminhoneiro dirigiu cerca de 20 quilômetros fugindo da viatura, não obedecendo à ordem de parada, o que só ocorreu quando colidiu com a traseira de outro caminhão. Visivelmente alterado, o motorista admitiu na delegacia ter feito uso de cocaína e ‘rebite’.

No dia seguinte, sábado (25), outro caminhoneiro drogado dirigindo em alta velocidade, com adesivo afixado em parte da carreta que estimula o uso de drogas, foi preso pela PRF na BR-163/MS, próximo a Rio Brilhante (MS).

Na traseira do semirreboque o adesivo “Toma dois e vem comigo” . Além de risadas em torno do limite de velocidade. Foto: Divulgação

Em Santa Catarina, ficou famoso o caso do caminhoneiro drogado que matou a esposa de um motociclista e arrastou a moto por aproximadamente 30 quilômetros com o marido pendurado no caminhão, que tentava convencê-lo a parar.

Outro episódio dramático ocorreu na BR-101, no Espírito Santo, quando outro caminhoneiro sob efeito de drogas morreu e matou 22 pessoas. E, há poucas semanas, outro caminhoneiro – que admitiu ter usado cocaína e ‘rebite’ – dirigiu mais de 100 quilômetros colidindo com vários veículos até ser preso em Curitiba (PR).

Motoristas multados pela falta do exame toxicológico

O Estradas apurou outros casos recentes, não necessariamente com vítimas, mas que revelam a importância de punir esses potenciais assassinos.

Numa investigação simples sobre regularidade do cronotacógrafo, fomos surpreendidos com vários casos de caminhoneiros que tinham multas por não realizar o exame toxicológico no valor de R$1.467,35. Apesar disso, as empresas entregam a carga ou permitem transportar passageiros a condutores nessa condição. O que revela negligência dessas empresas ou exploração dos motoristas.

Em alguns casos, motoristas de empresas de alimentos, com frota de mais de 100 veículos e que têm dezenas de multas; inclusive, com condutores autuados por dirigirem mais horas do que a legislação permite. Este abaixo é um desses casos e a multa ainda não foi paga e consta do site da Polícia Rodoviária Federal.

Nº do AIT571913318
Valor do Boleto1467,35
Placa/UFPVA0B22-MG
Renavam:01025646611
Local da infraçãoBR – 153 KM – 56 UF – MG
Código da Infração76410
Descrição da InfraçãoCond veíc exig hab C, D ou E sem realizar ex toxic prev no § 2º do art 148-A, ap
Data da Infração21/04/2022
Hora da Infração11:00
Amparo Legal165 B
NIT/NAP72933568
Pontos7

 

Em outro caso na rodovia Presidente Dutra (BR-116), o condutor foi flagrado com exame vencido, dentre outras irregularidades no caminhão VW Modelo 9.170 DRC 4X2, ano 2022. O fato ocorreu no dia 24 de agosto de 2022, às 10h27, no km 78 da rodovia, em Aparecida (SP).

A PRF aplicou a multa, que ainda não foi paga e consta no sistema da corporação. Curiosamente, a empresa do caminhão, que possui vários veículos, tem como slogan: “Sua carga segura”. Mas a empresa permite que motoristas com exame toxicológico vencido dirijam pelas nossas estradas.

Caminhoneiro alcoolizado e com exame vencido

No dia 13 de julho de 2022, outro caminhoneiro foi flagrado pela PRF no km 414 da BR-386, em Rio Grande do Sul, às 22h19, dirigindo alcoolizado e com o exame toxicológico vencido. Naturalmente, foi autuado em R$2.934,70 por dirigir sob efeito de álcool e R$1.467,35 pela falta do exame.

O mesmo veículo, com placas de Santa Catarina, VW/24.280 CRM 6X2, continua circulando e com motorista que comete infrações. Ele foi flagrado fugindo da balança no dia 22 de março deste ano, às 17h28, em Paraibuna (SP), no km 46 da SP-099, conhecida como Rodovia dos Tamoios, conforme encontramos registro no site do DER-SP.

Como se não bastasse, o caminhão está com a certificação do cronotacógrafo, a caixa preta do setor de transportes rodoviário, vencida, o que não permite sua circulação enquanto não regularizar o equipamento.

Empresa com mais de 800 caminhões e festival de multas

Um grande grupo de logística, sediado em Ribeirão Preto (SP), que está no mercado desde 1977, informa no seu site ter frota de 874 veículos, renovados com idade média de 3 anos, 2.258 colaboradores diretos. Orgulha-se de atender a grandes empresas nacionais e multinacionais, o que é verdade.

Curiosamente, apoia o ‘Mão Certa’, movimento social de combate à prostituição infantil. Agora, controlar uso de drogas parece não ser o foco da empresa, porque no dia 27 de agosto de 2022, um de seus motoristas foi flagrado pela PRF, no km 345 da BR-153/SP, com exame toxicológico vencido, além de outras infrações no mesmo dia.

No dia 28 de fevereiro de 2023, na SP-340, no km 150+900, com a mesma carreta Volvo/FH 460 6X2T, ano 2018, que identificamos multa por falta de exame toxicológico, a empresa foi autuada por excesso de peso. No documento consta, como dono da carga, uma multinacional da indústria da bebida.

Portanto, renova a frota, atende a grandes corporações, mas não controla se os seus motoristas estão com a CNH em dia.

Motoristas de ônibus também foram autuados

Para quem imagina que o problema está restrito aos caminhoneiros, identificamos vários casos envolvendo empresas de ônibus. Um deles, cujo motorista tombou o veículo na Régis Bittencourt (BR-116), em São Paulo, no dia 14 de novembro de 2022.

Poucos dias depois, mais precisamente no dia 20 de novembro, entrou no sistema da PRF a autuação de condutor da mesma empresa e veículo, por estar com exame toxicológico vencido. Tudo indica que seja o mesmo caso.

Como se não bastasse, encontramos um caso assustador. Uma empresa de turismo, credenciada na ANTT para realizar viagens de turismo, está apta a viajar pelo país absolutamente irregular. O cronotacógrafo está vencido de 19 de abril de 2020, portanto, a ANTT não poderia autorizar nenhuma viagem enquanto o equipamento obrigatório não for regularizado, mas a empresa transporta normalmente nessas condições.

Já quanto ao motorista, consta no sistema da PRF, no dia 7 de fevereiro de 2023, autuação por falta do exame toxicológico. Data compatível com autorização de viagem da ANTT para o mesmo veículo e empresa, considerando que a PRF-SP parece demorar alguns dias para colocar as autuações no sistema.

No dia 5 de fevereiro de 2023, o ônibus da empresa, modelo Volvo /Marcopolo Paradiso, LDR, ano 2005, foi autuado na SP-055 por evasão de pedágio. Inclusive na imagem registrada pelo DER-SP, aparece uma mulher, ao lado do motorista no momento exato em que está prestes a colidir com a cancela do pedágio.

Para o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, esta sucessão de situações absurdas é apenas uma minúscula amostra da realidade que precisa ser combatida. “A exigência do exame toxicológico foi uma conquista da sociedade, em prol da segurança viária e da preservação de vidas. Por isso, não pode haver tolerância com quem não cumpre a lei. Inclusive com as empresas que permitem motoristas sem exame colocarem vidas em risco.”

Importância do exame toxicológico

Desde de março de 2016, quando entrou em vigor a exigência do exame toxicológico de larga janela, o Brasil descobriu a ponta de um iceberg. Ao contrário do que imaginavam inclusive as autoridades, a droga mais utilizada pelos condutores das categorias C, D e E, em praticamente, 70% dos casos era e ainda é a cocaína.

Centenas de milhares de laudos positivos, emitidos pelos laboratórios, comprovaram a prevalência da cocaína nos motoristas habilitados para dirigir caminhão, vans, ônibus e carretas. Para sermos precisos, a droga predominante foi cocaína em 70,4%, seguida por opiáceos, com 18,3%. A anfetamina, o popular ‘rebite’, representa 6,5% da droga predominante e a maconha 4,8%.

Além de detectar o uso regular de drogas nos últimos 90 dias, o exame toxicológico permitiu impedir mais de 47 mil condutores de obterem pela primeira vez a habilitação nas categorias C, D e E (veja quadro).

Embora já habilitados para dirigirem motocicleta e/ou automóvel, esses usuários de drogas foram barrados exatamente pelo laudo positivo, o que impediu o acesso à CNH dessas categorias; revelando o papel preventivo dessa política pública.

No dia 30 de dezembro do ano passado, apesar da previsão de multa para quem não estivesse com o exame toxicológico em dia, foi editada a Medida Provisória 1153 pelo governo, adiando as multas para 2025.

Iniciativa absolutamente contraditória para um governo que sempre se posicionou contra o uso de drogas; quanto mais quando várias entidades de caminhoneiros defendiam e defendem o exame e manifestaram isso publicamente em audiência pública, reunião com as autoridades e entrevistas.

Conforme o Estradas já demonstrou, além do risco de acidentes (sinistros) causados por condutores sob efeito de substâncias psicoativas, ainda existe a concorrência desleal; porque o motorista que não usa drogas perde serviço para quem usa. Estes usuários ainda baixam o valor do frete, quando não passam a fazer parte da logística do crime organizado.

Foram apresentadas várias emendas para aperfeiçoamento da MP 1153 que devem ser analisadas pelo Congresso nos próximos 60 dias. A expectativa é do aperfeiçoamento da legislação. “Tenho certeza de que os parlamentares entendem a importância dessa política pública e não só iremos corrigir o equívoco da MP original como tornar a lei mais efetiva. Não é uma questão ideológica, o motorista drogado não escolhe vítimas por partido político.” acrescenta Rizzotto.