Estradas apurou que, mesmo depois de matar, CNH do caminhoneiro continua válida. Detran do RS informou que não recebeu comunicação da Justiça para pedido de cassação. Já a PRF relatou que foram lavrados cinco autos de infração para Jeferson Soares, sendo uma para a suspensão do direito de dirigir,e que esses dados ficam disponíveis no RENAINF (Registro Nacional de Infrações de Trânsito), sistema coordenado pelo Senatran (antigo Denatran).
Passado um ano da tragédia na BR-101, em Santa Catarina, envolvendo o caminhoneiro Jeferson Alves Soares, que arrastou uma motocicleta por 32 quilômetros, tentou matar o motociclista que ficou pendurado na sua porta e ainda deixou para trás morta a esposa do mesmo.
O juiz Juliano Rafael Bogo, titular da 2ª Vara Criminal da comarca de Itajaí (SC), decidiu que o caso vai a júri popular. Apesar da brutalidade do caso, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do assassino continua válida.
O acidente (sinistro) ocorreu em 6 de março de 2021, no trecho entre Penha e Itajaí, provocando a morte de Sandra Pereira, de 47 anos, e ferimentos no marido dela, Anderson Pereira, de 49 anos. Na ocasião, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), após a colisão, Jeferson não prestou socorro às vítimas. Pelo contrário, seguiu viagem. Além disso, ficou comprovado que ele estava drogado, sob efeito de cocaína.
Já, Anderson, esposo da vítima fatal, conseguiu subir na cabine da carreta e, pelo lado de fora, tentou fazer com que o caminhoneiro parasse. Foi obrigado a pular do veículo em movimento, quando a carreta reduziu a velocidade, já que o caminhoneiro tentava matá-lo. Depois de percorrer 32 quilômetros, Jeferson finalmente parou a carreta, e foi retirado à força por populares.
Dias depois, em 10 de março de 2021, a promotora Cristina Balceiro da Motta, do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), denunciou Jeferson Alves Soares por tentativa de homicídio triplamente qualificado.
Na época, Motta informou que Soares foi denunciado por homicídio com dolo eventual de Sandra Aparecida Pereira, e por tentativa de homicídio triplamente qualificado de Anderson Antônio Pereira, marido de Sandra Pereira. Jeferson Soares foi preso no Presídio do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, onde permanece.
Segundo a promotora, na denúncia o motorista do caminhão assumiu o risco (dolo eventual) “de matar qualquer das pessoas que cruzassem seu caminho” e acabou vitimando de fato a passageira da moto, Sandra Aparecida.
Vejam o vídeo que resume bem o que ocorreu.
CNH continua válida
O Estradas apurou que, mesmo depois de um ano e após ter cometido um crime de trânsito, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de Jeferson Alves Soares continua válida. Caso estivesse solto, ele poderia dirigir sem nenhuma restrição. A reportagem entrou em contato com o Detran do Rio Grande do Sul, Ministério Público de Santa Catariana, Delegacia de Polícia de Balneário Camboriú e Polícia Rodoviária Federal (PRF) para saber porque o caminhoneiro ainda não teve sua CNH cassada.
O Detran RS, por meio de sua assessoria de imprensa, informou:
“Conforme prevê o Código de Trânsito Brasileiro, uma penalidade só pode ser aplicada pela autoridade competente após o trânsito em julgado do processo administrativo. Ou seja, um condutor flagrado cometendo qualquer infração que prevê a suspensão da CNH terá instaurado contra si um Processo de Suspensão do Direito de Dirigir por Infração (PSDDI) e lhe será dado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Existem prazos legais que precisam ser respeitados – de notificação, de apresentação de defesa/recurso, de apreciação dessas contestações pelo órgão de trânsito, caso elas sejam apresentadas – até o esgotamento de todas as fases administrativas e a efetiva aplicação da penalidade, quando confirmada a conduta irregular de fato. A partir da imposição da penalidade é que poderá ser lançado em sistema o bloqueio da CNH do condutor.
Caso haja um processo judicial em que ocorre a determinação para suspensão, a autoridade oficia o órgão de trânsito da decisão do juiz para que seja dado início imediato ao impedimento, independente de processo administrativo.”
Como aparentemente o motorista não entrou com recurso, até porque está preso há 1 ano, o fato concreto é que caso conseguisse uma decisão para responder em liberdade poderia assumir o volante de outra carreta e voltar para a pista normalmente.
O Detran-RS ainda justificou essa situação absurda:
“Quando há infração confirmada (e a PRF disse que sim, há), é aberto um processo de suspensão para cada infração. Como ainda não houve o trânsito em julgado de nenhum dos processos relativos a nenhuma dessas infrações autuadas pela PRF, a CNH fica como “normal”, até o encerramento de todas as fases administrativas e a efetiva inclusão do bloqueio da CNH. Se não for apresentada defesa e/ou recurso pelo condutor, ou se ele apresentar, mas o Detran-RS indeferir, haverá a suspensão da CNH. Cada infração prevê um período em que a CNH ficará suspensa. Havendo vários processos, os períodos de suspensão serão somados.”
Delpol de Balneário de Camboriú
De acordo com a Central de Plantão de Polícia de Balneário Camboriú, “a ocorrência gerou o procedimento AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE n.º 549.2021.261 que consta nos autos do processo nº 50039191920218240005 que se encontra em competência do Juízo da 2ª Vara Criminal de Itajaí, qualquer informação poderá ser consultada nos autos do processo ou solicitações após denúncia deverão ser encaminhadas diretamente ao Juízo.”
PRF lavrou cinco autos de infração
De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), por meio de sua assessoria de imprensa, informou que:
“Foram lavrados no total cinco autos de infração para o motorista envolvido nesta ocorrência. Duas destas infrações preveem como penalidade, além da multa, a suspensão do direito de dirigir:
– Deixar o condutor de prestar socorro à vítima de acidente
– Dirigir sob influência de substância psicoativa
Estes autos de infração são inseridos automaticamente no RENAINF (Registro Nacional de Infrações de Trânsito), sistema coordenado pelo Denatran.
Com esta informação no RENAINF, o Detran da unidade da federação onde foi emitida a CNH do envolvido já pode abrir o processo administrativo para aplicação da medida de suspensão ou cassação da carteira.”
Já o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) não se manifestou até a publicação desta matéria.
Para o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, o caso em questão revela o grau de impunidade no trânsito brasileiro. “Estamos tratando de um caminhoneiro que foi flagrado sob efeito de cocaína, matou uma mulher, arrastrou um moto por 32 quilômetros com o motociclista desmaiado. Quando este desperta, ainda fica pendurado na cabine, enquanto o motorista tenta derrubá-lo do caminhão. Com tudo isso, cinco multas da PRF, passado mais de ano sequer a habilitação é suspensa. Isto mostra o que vai acontecer com motoristas que forem abordados pela PRF que recusarem fazer o teste do “drogômetro” ou derem positivo. Terão um longo percurso de impunidade.”
Multas
Na ocasião do sinistro, o Estradas apurou que o veículo, aparentemente dirigido pelo mesmo, Jeferson Soares, naquele período, já tinha sido multado duas vezes no mesmo dia por excesso de velocidade, em Avaré (SP), além de outras duas infrações.
Vídeos com crimes de trânsito também ficam impunes
O caminhoneiro havia postado nas suas mídias sociais, o vídeo em que ficava nítido que estava totalmente alterado, dirigindo de forma perigosa e sequer com cinto de segurança. Esse tipo de vídeo, com condutores em alta velocidade, fazendo ultrapassagens em locais proibidos, participando de rachas, realizando manobras perigosas com motos, são veiculados diariamente na internet.
Muitos desses “influencers” têm centenas de milhares de seguidores, alguns chegam a bilhões de visualizações, no somatório dos vídeos. Milhares desses potenciais assassinos do trânsito ainda recebem via publicidade, direta ou indiretamente, das plataformas (Google/YouTube” , Facebook/Instagram, etc…). Chegam a ganhar dezenas de milhares de reais por mês.
Para combater essa barbaridade, foi aprovado na Câmara e no Senado, o PL130/20 da deputada federal Chyrstiane Yared, cujo objetivo era punir esses condutores utilizando as imagens que eles mesmo divulgassem. Além de multar as plataformas digitais, quando elas, após serem notificadas, retirassem do ar o conteúdo.
Apesar do apoio quase unânime do Congresso, o Projeto de Lei foi vetado em praticamente todo seu conteúdo pelo presidente Jair Bolsonaro. Com isso, condutores como esse caminhoneiro que postava vídeos com suas infrações regulares, poderão continuar a ser divulgados com a garantia da impunidade. Somente haverá possibilidade de evitar que isso ocorra caso o Congresso derrube os vetos do presidente, cujas justificativas não têm a menor consistência.
“É mais uma prova da impunidade no trânsito brasileiro. Potenciais assassinos, alguns que acabam se tornando de fato, postam crimes de trânsito e ficam impunes com apoio do presidente da República. É um estímulo inacreditável para mais infrações e crimes de trânsito. Nem mesmo usar as imagens dos próprios criminosos foram, no entender do presidente, suficientes para puni-los, ” acrescenta Rodolfo Rizzotto, do SOS Estradas.