SUSTO NA BR: Um pedaço de pneu quase matou um caminhoneiro e sua esposa na BR-116 na Bahia. Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Manutenção precária, excesso de peso e busca por preços mais baixos para reparos nos pneus são alguns dos fatores que contribuem para a presença de ‘jacarés’ (como são conhecidas as carcaças) nas estradas brasileiras

Vai pegar a estrada? Então fique bem atento, pois é comum se deparar com carcaças de pneus que se soltam de veículos, na maioria das vezes, caminhões, e podem colocar em risco a segurança. Quem já não passou por um susto desses? Infelizmente, há diversos casos envolvendo vítimas fatais, feridos graves e muitos prejuízos materiais.

Pois bem, o Estradas ouviu vítimas, motoristas profissionais, especialistas de trânsito, concessionárias e empresas que fabricam e reformam pneus para veículos de carga, além do diretor-executivo da Associação Brasileira de Concessionária de Rodovias (ABCR).

Apesar de procurada várias vezes, a ANIP – Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos decidiu não prestar nenhum esclarecimento sobre o tema. Já a ABR – Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus sequer respondeu ao nosso contato. Dos fabricantes de pneus procurados, apenas a Continental atendeu à solicitação da reportagem. A empresa também atua no setor de recapagem.

Caminhoneiro tombou sobre carro matando grávida e mais duas pessoas ao desviar pedaço de pneu na SP-463

No fim do mês de junho um grave acidente (sinistro) teve um saldo trágico. Um motorista conduzia seu caminhão pela SP-463, no interior paulista, quando se deparou com um pedaço de pneu na pista. Ele desviou do objeto, mas perdeu o controle do caminhão, e tombou sobre um carro de passeio, provocando a morte de três pessoas que estavam no veículo, entre elas a jovem grávida Márcia Gomes, que esperava seu primeiro filho.

O Estradas entrou em contato com o delegado Felipe de Alburquerque Carneiro Santana, da Delegacia de General Salgado, e soube que o caso não foi concluído porque a perícia técnica ainda não entregou o relatório conclusivo do acidente. 

TRAGÉDIA: Márcia estava no carro junto com o namorado e a sogra; os três morreram após acidente na SP-463, em Auriflama. Foto: César Felipe Costa/Diário Noroeste

Motociclista quase morre após atingir pedaço de pneu na rodovia

Mais recentemente, no dia 10 de julho, o motociclista Ivan Morais foi até Sorocaba, no interior paulista, para um evento de motos. Na volta, eles resolveram pegar o Rodoanel Mário Covas (SP-021). Num trecho da rodovia, a surpresa: a carcaça de um pneu de caminhão sobre a faixa da esquerda.

Ele estava acompanhado pelo amigo Rafael Latorre, que estava mais à frente, e passou raspando pelo objeto. Mas Ivan não conseguiu desviar e atingiu o pneu. Na sequência, caiu na pista e, por pouco não foi atropelado pelo carro – que seguia logo atrás –que também passou por cima do pneu e ficou danificado, sem condições de seguir viagem. Rafael viu pelo retrovisor a queda do amigo, parou e voltou.

Veja o relato impressionante: 

No sábado, 10 de julho, eu e meu amigo fomos até Sorocaba num evento de motos. Chegamos lá por volta das 14h. A gente chegou, almoçou para depois ir ao evento. Estava bem bacana. Logo após um bate-papo com os amigos, pegamos a estrada de volta pra casa. 

Na volta, resolvemos ir pelo Rodoanel e alguns quilômetros após um pedágio, na altura de Itapecerica da Serra, entramos num trecho muito escuro. Logo após uma curva para a esquerda, vi que meu amigo caiu.

POR POUCO: Moto ficou danificada depois que Ivan Morais passou por cima de uma carcaça de pneu no Rodoanel.

Só para que fique bem claro, estávamos descansados, completamente sóbrios, e as motos em perfeitas condições mecânicas. A gente trafegava entre 100 km/h e 110km/h e ele foi pro chão. Eu estava logo à frente dele e vi pelo retrovisor o momento em que ele caiu. Nessa hora só havia um carro na pista direita. 

No susto, eu fui para o acostamento e quase fui pego por esse carro também, que vinha em alta velocidade. Parei uns 50 metros à frente, larguei a moto e sai sinalizando a estrada com a lanterna do meu celular. Não dava pra ver nada. 

Eu sabia que meu amigo tinha sofrido uma queda na pista [faixa] esquerda, logo depois de uma curva num trecho sem iluminação, não sabia se estava consciente, e sabia que os carros estavam vindo em alta velocidade. Eu gritava o nome dele mas não o via, e muito menos ouvia resposta. Foi quando um carro bateu na moto dele. 

Eu achei que tinha passado por cima dele. Logo depois disso, eu atravessei a pista e consegui encontrar meu amigo. Estava no canteiro esquerdo, deitado de barriga pra baixo, consciente e com muita dor. Vi que ele estava com uma fratura exposta na perna esquerda, na altura da canela.

PERIGO CONSTANTE: Carcaça de pneu de caminhão em trecho do Rodoanel Mário Covas causou acidente com o motociclista Ivan Morais, que ficou ferido gravemente, no último dia 10 de julho.

Em poucos minutos, chegou a viatura da concessionária e depois uma ambulância. Só horas depois eu fui entender o que aconteceu. Ele viu o pneu em cima da hora e não conseguiu desviar. A moto dele passou por cima, pulou e jogou ele longe. Ele ainda rastejou até o canteiro para se salvar. Fui até a base do km 68 para fazer o boletim [Boletim de Ocorrência]. Ele foi levado para o hospital de São Bernardo do Campo (SP). O motorista do carro que bateu na moto foi levado também. O carro dele não andou depois, quebrou o eixo. Ele foi muito solicito com a gente”. 

Recuperação

Segundo Latorre, depois de duas cirurgias, o amigo Ivan foi para casa. Está bem e se recuperando apesar do susto todo. “Foi desesperador. Não desejo pra ninguém. Para ser honesto eu estou sentindo como se tivesse perdido o prazer que eu tinha pela estrada. Sempre fui cauteloso e, mesmo assim, passei por essa. Em meus 18 anos de experiência nas estradas e eu só tinha ouvido falar de um caso ou outro sabe, mas nunca presenciado um acidente assim na estrada”.

RECUPERAÇÃO: Depois do susto e de duas cirurgias, o motociclista Ivan Morais se recupera em sua casa.

Latorre aproveita para fazer um alerta: “A gente não pode usar lâmpadas de led, que ajudaria na iluminação, e muito menos faróis auxiliares. Nós, motociclistas temos muitas dificuldades em trechos sem iluminação da pista. Um farol de milha, uma lâmpada mais clara poderia fazer a gente enxergar aquilo [pneu] há uns 3 metros”.

Outro motociclista que já passou por situação parecida é Euller Heringer, que estava no passeio com os amigos Ivan e Rafael, mas decidiu fazer outro caminho na volta para São Paulo.

Sobre o susto que levou no começo do ano, ele diz que não caiu por pouco. “Eu estava voltando de moto, com a namorada na garupa, de Itupeva pela Rodovia dos Bandeirantes, e perto do Pico do Jaraguá, por volta das 22h, bati em uma carcaça de recapagem. Creio que pelo fato de a moto ser pesada e estarmos em dois, passou por cima e não caímos. Mas chegou a entortar o mata-cachorro“, lembra.

Atenção especial

Segundo o diretor-executivo da ABCR, José Carlos Cassaniga, o assunto requer uma atenção especial. “É um tema preocupante. É um desafio para as concessionárias porque a incidência oscila e tem muito a ver com a manutenção dos veículos, responsabilidade dos condutores e transportadoras com a manutenção, calibragem, condições dos pneus, excesso de peso.”

Cassaniga explica que as concessionárias realizam regularmente as inspeções nas rodovias mas é impraticável limpar tão rápido. O diretor lembra a importância de respeitar os limites de velocidade e atenção à sinalização.

Ele diz que já passou por uma situação de risco envolvendo pneus e enfatiza que quem respeita os limites de velocidade tem mais condições de evitar um sinistro nessas horas.

Precisamos estimular a cultura de manutenção preventiva. Inclusive com aumento da fiscalização e controle, através de inspeção veicular, das condições , em particular dos veículos pesados“.

EXERCÍCIO DE CIDADANIA: Para Cassaniga, transitar em rodovias é um exercício de cidadania. “Você tem que se preocupar com sua segurança e dos demais“.

Na avaliação do diretor, a tolerância com excesso de peso vai na direção contrária da segurança. “O excesso de peso por eixo era de 5%, passou para 7,5% e hoje estamos em 12,5%. Isso agrava as condições de segurança do veículo , suspensão,  frenagem, pneus e afetam o pavimento.”

Por fim, Cassaniga lembra: “Transitar em rodovias é um exercício de cidadania. Você tem que se preocupar com sua segurança e dos demais!”

Toneladas de pneus

Segundo a concessionária NovaDutra, responsável pela Via Dutra (BR-116), sempre que uma ressolagem é localizada pelas equipes de inspeção ou de conservação, é retirada da rodovia e levada ao depósito temporário para que, posteriormente, seja destinado a empresas especializadas em reciclagem de compostos de borracha.

Ainda de acordo com a concessionária, os restos de pneus passam por um processo de trituração até se transformar em um pó, que é utilizado como matéria-prima de produtos. Entre eles, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), pisos e passadeiras de borracha.

De acordo com dados da empresa, só em 2020, foram recolhidas 208 toneladas de restos de pneus no trecho sob concessão. Entre janeiro e julho deste ano, já somam 96,91 toneladas.

Se o usuário avistar restos de pneus na rodovia, pode ligar no 0800 017 35 36 e avisar a concessionária, que encaminhará uma equipe para retirar o objeto da pista. O condutor que compromete a segurança na estrada pela má conservação do veículo comete uma infração grave e pode ser autuado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). A multa é de R$ 127,69.

Flagrante na BR-116

Outro caso envolvendo carcaça de pneu – felizmente sem vítimas graves, mas só danos materiais – foi registrado na BR-116, no Distrito de Formosa, em Macururé, na Bahia. A mulher, que acompanhava o motorista de uma carreta Volvo, gravava a viagem e registrou o exato momento em que o pneu de uma carreta – no sentido contrário – estourou e a carcaça atingiu em cheio o para-brisa do cavalo onde eles estavam. Segundo o caminhoneiro, o veículo que perdeu o recape não parou para ajudar. Apenas a passageira ficou levemente ferida nos braços e no rosto devido aos estilhaços do vidro. Veja o vídeo abaixo:

Pelo que se vê, o risco está em toda parte. Seja em rodovias consideradas excelentes, seja em estradas de mão dupla no interior do nordeste brasileiro. O problema existe há anos.

A reportagem conversou com alguns caminhoneiros que confirmaram que é muito comum encontrar os ‘jacarés’ pelas estradas do País.

Comum, mas muito perigoso

O pernambucano de Serra Talhada, Cícero Luiz de Lima Silva, de 47 anos, viaja pelo Brasil, com foco nas regiões Sudeste, Nordeste e Norte, desde 2006. Ele disse que nunca se envolveu com nada nesse sentido. “Já vi muitos pedaços de pneus nas estradas, mas eu sempre consegui desviar. Não tive problema nenhum, mas aqui na empresa, o caminhão que eu trabalho já soltou a ressolagem e eu fui embora, ficou pra trás, porque não dá pra gente parar. Nunca me envolvi com nenhum tipo de acidente. Mas, sei que é muito perigoso”.

Silva explica que é comum acontecer porque as empresas colocam pneu novo só no cavalo, e nas carretas eles colocam pneu recapado. “Então, a tendência é que num determinado tempo a recapagem saia. Isso pode acontecer devido à velocidade, a pista, o sol muito quente e outros fatores. Não dá pra gente parar a carreta e tirar da pista. Isso é bem normal. Às vezes, quando solta a recapagem, dependendo da posição, quebra tudo lá trás, lanterna, para-lama, o que tiver por perto, porque bate com muita força”.

Fernão Dias, em Lavras (MG)

Outro profissional que vê ‘jacaré’ com frequência é o paranaense Valdecir Barboni. Ele já teve um incidente com a carreta que trabalha.

Eu já sofri um incidente aqui na empresa que trabalho. Eles usam pneus recapados. Numa ocasião, em fevereiro do ano passado, eu estava indo para o Nordeste, e aconteceu na Fernão Dias, perto de Lavras. Estourou o pneu recapado do truck e causou vários danos. Quebrou lanterna, destruiu a placa, foi uma destruição só. Graças a Deus, não atingiu nenhum outro veículo na pista. Quando estourou, voou carcaça pra todo lado. A minha sorte que não passava nenhum carro do lado”.

O papel das concessionárias

Diante de tantos casos, e cientes do problema, as concessionárias de rodovias tentam minimizar o risco à segurança dos usuários fazendo campanhas de conscientização e recolhendo o lixo que se espalha pelas pistas, incluindo pedaços de pneus. O que não ocorre com a mesma eficiência nas rodovias administradas pelo poder público.

Via Rondon

De acordo com levantamento da concessionária Via Rondon, responsável pela administração de mais de 416 quilômetros do Corredor Marechal Rondon Oeste no Estado de São Paulo, entre 2009 e 2020, foram retirados 25.619 ‘jacarés‘ das pistas sob administração da empresa. Até junho deste ano, o número já está perto de 1.800 ressolagens.

PERIGO CONSTANTE: Condutor deve ficar sempre atento nas estradas. A qualquer momento, um ‘jacaré’ pode surgir. Foto: Divulgação

Para o diretor-presidente da concessionária Via Rondon, Fábio Abritta Filho o problema dos pneus ressolados sem controle de qualidade é muito sério. “A quantidade que as concessionárias removem essas ressolagens, que a gente chama de ‘jacaré‘, é impressionante. Esse é um assunto que precisa ser analisado, investigado, pelo risco que repreenta. Se você pegar uma banda de ressolagem enrolada na pista, realmente pode causar acidentes graves e até morte. É um assunto da área de trânsito que precisa ser avaliado“, disse.

Já a concessionária SPMar, responsável pelos trechos Sul e Leste do Rodoanel Mário Covas (SP-021), retirou em 2021, por mês, 26 toneladas de carcaças de pneus, quase 870 kg por dia.

No caso das concessionárias do Grupo CCR, ViaOeste e Rodoanel Mário Covas (SP-021), trecho Oeste, foram recolhidos 1.600 toneladas de resíduos, incluindo os ‘jacarés‘, ao longo das malhas viárias sob concessão das duas empresas.

Para sensibilizar os motoristas a não jogarem lixo nas rodovias, estão sendo veiculadas frases nos painéis eletrônicos das concessionárias alertando a todos sobre a importância da destinação adequada dos materiais.

Já a AutoBAn, responsável pelo Sistema Anhanguera-Bandeirantes (SAB), retirou no mesmo ano, 635 toneladas de resíduos das pistas.

Para Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas, é importante entender que o proprietário do veículo é responsável pelo risco que causa aos demais usuários das estradas. “Esse problema ocorre nas rodovias concedidas mas também nas municipais, estaduais e federais, onde não necessariamente os “restos mortais desses pneus” são recolhidos regularmente. Já as concessionárias recolhem milhares de “jacarés” nas rodovias mensalmente. Agora, elas não são responsáveis pelas más condições dos pneus, pela negligência dos proprietários. Inclusive é bom lembrar que muitos caminhoneiros deixam esses pedaços e sequer param para recolher. Portanto, lavam as mãos da sua responsabilidade, colocando inclusive outros colegas em risco.”

O coordenador do SOS Estradas, autor de livro sobre Recall, recorda ainda que é preciso investigar a qualidade dos pneus e da reforma dos mesmos. “São raros na nossa história os casos de recall de pneus e desconheço algum de pneus reformados”, enfatiza Rizzotto.

Redes sociais

Com o objetivo de ampliar a reflexão sobre o tema, o Estradas convidou os seguidores de sua página no Facebook a darem depoimentos sobre o tema. Veja alguns deles:

Cleo Cruz dos Santos, escreveu: “Quando ando de carro ou moto, às vezes de caminhão também, e vejo algum objeto que possa causar um acidente, eu paro, sinalizo e retiro o objeto da pista ou aviso no primeiro pedágio“.

Da mesma forma, Robério Lima disse que sempre que está na estrada e vê alguma recapagem, ele para com segurança e retira o objeto da pista. “É muito perigoso para automóveis e motos”.

O motociclista Cosme Lima, do Tocantins, relatou: “Tive uma experiência desagradável em minha moto, ao cruzar com uma carreta, em uma rodovia estadual aqui do Tocantins, pista simples. Um pedaço de capa de pneu voou em minha direção, me abaixei mas parte pegou em meu braço, causando um descontrole da moto, onde quase caí! Foi muito rápido, e não esqueço nunca desse apuro que passei, foi um livramento que recebi, pois vinha um caminhão logo atrás em velocidade excessiva“.

Outro caso envolvendo pedaço de pneu na pista foi contado pelo motorista Mailson Caldeira Silva Caldeira, que disse que há dois meses, ele estava na Fernão Dias, perto de Três Corações (MG), e passou por cima de uma ressolagem, que acabou danificando a frente do carro dele.

Já o motorista Cícero Romão faz um alerta: “Jamais faça um desvio brusco de direção quando perceber algo muito próximo no caso uma carcaça de pneu. A tendência é usar mais o instinto do que a razão. A razão faria o motorista agir passando por cima. Porque um desvio brusco de direção, faz o caminhão com o centro de gravidade alto tombar, como foi o que aconteceu infelizmente”.

Outro alerta vem de Kleber Brito: Enfrento isso todos os dias nas rodovias paulistas, rodo cerca de 80 quilômetros por dia e já passei muito apuro. Quando posso, procuro sinalizar via Waze, que tem uma ferramenta pra isso, mas é complicado”.

O motorista Fernando Henrique conta que estava voltando do sul de Minas sentido São Paulo, e quando estava próximo à cidade de Cambuí (MG) passou com seu veículo sobre uma lasca de pneus, que acabou danificando o filtro de combustível do carro. “Por sorte, eu consegui ir para o acostamento, pois estava na pista esquerda”.

Triciclo

O motociclista Vicente Paulo MV relatou que já foi atingido por um pedaço de pneu, que se soltou de um caminhão. “Tive um gasto de R$5000 para consertar meu triciclo”.

Para o motorista Jamir Pires, “o problema não é a recapagem, é o excesso de peso que faz os pneus usados não aguentarem. Já Eder Luiz relata que nas rodovias de Minas Gerais o que mais se vê são pedaços desses pneus. É risco de vida pra todos e deveria ser proibido imediatamente”.

O caminhoneiro Leandroanapaula Miotto fez o seguinte comentário: ”Todo caminhoneiro sabe que é arriscado, mas às vezes os preços de pneus novos é um absurdo, e daí parte para o mais barato”.

Segundo Miotto, já passou por um incidente porque usava pneus recapados. “Caminhão não deve usar pneus recapados. Sou caminhoneiro e já aconteceu comigo por causa de usar pneus recapados. Saí fora da rodovia, mas graças a Deus nada me aconteceu“.

Muitos motoristas são contra a recuperação de pneus. Ferreira Wilson diz que os pneus novos deveriam ser mais baratos, para não precisar recapar. “Acho que recapagem não é uma boa, ainda mais com o calor que faz nos pneus, acho que não funciona muito bem”.

O mesmo pensamento vem Antonio Bueno, que fala que o Brasil é o ‘País do jeitinho’. “Jamais deveria recapar ou remoldar de pneus, o governo poderia tirar todos os impostos de pneus para ficar acessível ”.

Fabricantes de pneus

O Estradas entrou em contato com a fabricante de pneus Continental – que atua desde 2015 no segmento de recapagem no mercado brasileiro – para saber qual o processo de fabricação, bem como a forma adequada de recuperação de um pneu.

Segundo o Rafael Figueiredo, especialista de produto da Continental, a recapagem de pneus é legalizada no Brasil e tem muitos benefícios. “Se realizada de acordo com as orientações do fabricante, a recapagem preserva o expressivo investimento realizado na compra dos pneus, entregando uma nova vida útil com todas as características técnicas do modelo original”.

Ainda de acordo com Figueiredo, a economia é superior a 50% do investimento necessário para a compra de um pneu novo e também representa uma importante contribuição para a preservação do meio ambiente.

Economia para caminhoneiros e frotistas?

De acordo com Figueiredo, não é somente o bolso da empresa frotista ou do caminhoneiro que agradece. Ele explica que a reforma adia o descarte da carcaça, contribuído assim para a preservação do meio ambiente. “Em termos financeiros, a ampliação do ciclo de vida útil de um pneu pode representar uma economia superior a 50% em comparação ao investimento necessário para a aquisição de um pneu novo”.

Mas Figueiredo faz um alerta: a fórmula perfeita tem que ser aplicada com responsabilidade. “Não basta simplesmente decidir pela recapagem do pneu ao final de sua primeira vida útil. É necessário realizar manutenção periódica no veículo e nos pneus novos ao longo da vida e, na hora de fazer a recapagem, optar uma empresa certificada que ofereça um processo de qualidade”.

Segundo Figueiredo, na prática, a realidade é outra. “O que vemos muitas vezes é a opção pela economia sem responsabilidade, com o emprego de matérias-primas não certificadas e processos improvisados, cujo resultado final é visível no pneu recapado, desde o acabamento até falhas que podem ocasionar em soltura da banda de rodagem nas estradas, comprometendo a segurança do caminhoneiro e dos demais motoristas”, alerta.

Cuidados para vida útil

De acordo com o especialista, para usufruir de todos estes benefícios de uma segunda vida útil é necessário a atenção constante com os cuidados básicos da manutenção de um pneu:

  • Manter a calibragem sempre em dia
  • Realizar o rodízio e o alinhamento evitando o desgaste irregular
  • Sempre respeitar a capacidade de carga do veículo.

Diferenças de processos

A recapagem, a recauchutagem e a remoldagem são as três principais práticas de reforma oferecidas no mercado brasileiro e aplicadas em pneus que chegaram ao final de sua vida, sejam eles de carga, de passeio ou de motocicletas.

De acordo com o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO): ”Entende-se por pneu recapado aquele que tem sua banda de rodagem (parte do pneu que entra em contato com o solo) substituída. O recauchutado, além da banda de rodagem, substitui os seus ombros (parte externa entre a banda de rodagem e seu flanco, parte lateral do pneu) e o remoldado, que além de substituir a banda de rodagem e seus ombros, substitui também toda a superfície de seus flancos”. 

O que diz a lei

De acordo com o INMETRO, pneu reformado, por definição, trata-se de um pneu usado que, após chegar ao fim da sua vida útil, é submetido a um processo que provê extensão dessa vida útil, através da reutilização da carcaça do pneu, sobre a qual são inseridos novos elementos de borracha nas faces externas à sua carcaça.

Por meio da Portaria 554 de 29 de outubro de 2015, o Inmetro passou a regulamentar as reformas em pneus. A nova lei, vigente desde outubro de 2017, estabelece parâmetros mínimos para que pneus recauchutados, recapados ou remodelados sejam liberados para uso nas vias públicas. Vale ressaltar que a lei passa a proibir o uso pneus reformados em motocicletas a partir dessa data.

Agora, os pneus reformados terão Selo de Identificação de Conformidade do Inmetro, constando qual o tipo de serviço feito (recapagem, remodelagem ou recauchutagem), data de conserto e número de reformas já efetuadas na unidade. Para ser habilitado para reparo, o pneu não pode ter mais de sete anos de uso, além disso, há determinação para o número máximo de reutilizações que cada tipo de pneu pode sofrer:

– Diagonal para automóveis e comerciais leves: três reformas
– Radial para automóveis com índice de velocidade até 190 km/h: duas reformas
– Radial para automóveis com índice de velocidade acima de 190 km/h: uma reforma
– Diagonal para picapes, comerciais leves e rebocados (carretas, trailers e afins): quatro reformas
– Diagonal e radial para caminhões, ônibus e rebocados (carretas, trailers e afins): seis reformas

Para ser aprovado pelo Inmetro para o uso em veículos de passeio, o pneu reformado deve contar com um mínimo de 6 mm de sulco na banda de rodagem, enquanto para comerciais a profundidade mínima é de 8 mm. O indicador de desgaste (T.W.I.) também deve estar presente e ter ao menos 1,6 mm de altura para ambas as categorias, com tolerância de até 0,6 mm para mais.

De acordo com o estatuto do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito):

  • É vedada a circulação de veículos equipados com pneus que tenham um desgaste da banda de rodagem inferior a 1,6 mm;
  • O diâmetro externo do conjunto de rodas e pneus sobressalentes deve ser igual ao conjunto de rodas e pneus rodantes;
  • No momento da entrega do veículo, a empresa responsável precisa informar ao comprador todas as observações e restrições do conjunto de rodas e pneus sobressalentes, assim como o funcionamento do sistema alternativo;
  • A roda e o pneu que fazem parte do conjunto de sobressalentes de uso temporário devem atender todas as regulamentações impostas pelo INMETRO;
  • Os veículos equipados com um conjunto de rodas e pneus capazes de trafegar “sem ar” devem possuir produto selante para pneus em quantidade suficiente para um reparo de última hora, assim como deve ser acompanhado por um dispositivo que permita insuflar o pneu, à pressão prescrita para o uso temporário, em um período máximo de 10 minutos.