Desde o fim dos radares, em agosto, motoristas não são mais multados pela PRF por conta de excesso de velocidade nas rodovias federais. Ilustração: SOS Estradas

No primeiro trimestre de 2019 foi registrada queda de 7% de mortos e 4,3% dos feridos nas rodovias federais. A partir de abril, o Governo iniciou o desligamento dos radares, e, a partir de 15 de agosto, a suspensão da fiscalização da velocidade pela PRF.

O SOS Estradas , utilizando dados da própria PRF, comprovou que, mantida a política do primeiro trimestre, poderíamos poupar 288 vidas e provavelmente evitar 4.800 feridos entre abril e outubro deste ano. Números ainda mais significativos considerando que a PRF admitiu no seu Balanço de 2018 que ano passado de 743 pessoas morreram em acidentes onde a principal causa foi o excesso de velocidade.

Mas o Governo fez justamente o contrário – com a retirada da fiscalização nas BRs- e o erro está sacrificando vidas e, pela primeira vez desde 2011, os dados indicam aumento do número de mortos e feridos.

No dia 15 de agosto, o presidente da República, Jair Bolsonaro, determinou aos ministros da Justiça e da Infraestrutura que a Polícia Rodoviária Federal recolhesse todos os radares usados pela corporação para fiscalização de velocidade, enquanto aguardava estudos para avaliar como deveria ser feita a fiscalização.

Alegou o presidente em despacho publicado no Diário Oficial da União (DOU), de 15 de agosto de 2019 “…para evitar o desvirtuamento do caráter pedagógico e a utilização meramente arrecadatória dos instrumentos e equipamentos medidores de velocidade, proceda à revisão dos atos normativos internos que dispõem sobre a atividade de fiscalização eletrônica de velocidade em rodovias e estradas federais pela Polícia Rodoviária Federal e suspenda o uso de equipamentos medidores de velocidade estáticos, móveis e portáteis até que o Ministério da Infraestrutura conclua a reavaliação da regulamentação dos procedimentos de fiscalização eletrônica de velocidade em vias públicas determinada pelo Despacho do presidente da República de 14 de agosto de 2019.”

A medida foi tomada sem nenhum estudo que a justificasse, e foi baseada apenas nas reiteradas insinuações do presidente de que policiais rodoviários federais ficavam escondidos, tentando flagrar motoristas em excesso de velocidade e multá-los sem critério. Mais uma vez o famoso discurso da “Indústria da Multa” da qual fariam parte os policiais rodoviários. Ainda que a receita das multas vá para o caixa do Governo e não há como o policial ter acesso aos recursos.

Curiosamente, no Balanço da Polícia Rodoviária Federal sobre o ano de 2018, apresentado em 28 de janeiro deste ano, a PRF informava: “…A velocidade incompatível foi a causa de quase 7 mil acidentes com 743 pessoas mortas….”

Passados mais de 100 dias  do despacho presidencial, os Ministérios da Infraestrutura e da Justiça não apresentaram nenhuma nova regulamentação e os equipamentos continuam desligados. Os resultados apurados pelo SOS Estradas e divulgados parcialmente pelo jornal O Globo, do dia 1º de dezembro, fruto do excelente trabalho do repórter Marlen Couto, demonstram claramente que o país se tornou pista livre para o excesso de velocidade.

Não há mais controle em nenhuma rodovia federal exercido pela PRF. As multas que são aplicadas são as dos radares fixos, mantidos por decisão judicial ou instalados pelas concessionárias de rodovias. Em 16 estados brasileiros não foi aplicada nenhuma multa por excesso de velocidade no mês de setembro deste ano, comparado com setembro de 2018.

Os dados do quadro abaixo, registram a soma das multas aplicadas pela PRF nas rodovias federais em setembro de 2018, juntamente com as registradas pelos radares fixos que são mantidos por decisão judicial ou estão em operação em trechos de concessionárias de rodovias federais. No mesmo quadro estão os dados de 2019, com a evidente consequência do fim da fiscalização de velocidade.

Na região Norte, onde o único sistema de controle de velocidade existente eram os radares portáteis e estáticos utilizados pela PRF, nenhuma multa foi aplicada no mês de setembro deste ano em relação ao ano passado.

Na região Sul, onde foram aplicadas 54.811 multas em setembro de 2018, o total apurado em setembro de 2019 foi de apenas 768 infrações autuadas. Nenhuma dessas efetuada pela PRF. As que foram registradas são apenas dos radares fixos. Na região Sudeste a redução foi de 109.670 multas, justamente a região que concentra quase 50% da frota do país.

Nos estados da região Sudeste, com exceção dos radares fixos, que podem ser identificados por qualquer condutor, seja pela sinalização, seja por aplicativos de geolocalização como waze, os 48 milhões de veículos podem circular nas rodovias federais com a certeza de que não serão jamais multados por um policial rodoviário federal.

Os demais 50 milhões de veículos, com seus respectivos condutores, poderão também imprimir qualquer velocidade sem nenhuma fiscalização dos PRFs. É a certeza absoluta da impunidade para todos os condutores do país.

Mortos e feridos

Os números comprovam ainda as consequências em termos de mortos e feridos. Conforme o SOS Estradas demonstrou em matéria de agosto deste ano, o Brasil apresentava no primeiro trimestre de 2019, quando os radares estavam operando normalmente (fixos e os da PRF), tendência de queda nos acidentes de 21% nas rodovias federais. Conforme comprovam os dados de janeiro até março, quando os acidentes em 2019 caíram de 19.813 registrados em 2018 para 15.661 divulgados pela PRF.

A curva mudou imediatamente entre abril e julho de 2019, quando os acidentes passaram para 22.152 este ano, contra os 21.328 registrados em 2018. Portanto, passamos de queda de 21% dos acidentes no primeiro trimestre para aumento de praticamente 4% entre abril e julho. Não apenas uma reversão de tendência como indício de aumento total de 25%, caso fosse mantido o mesmo padrão de queda de 21%. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde 2011.

O quadro a seguir confirma as consequências em termos de mortos e feridos. Passamos de queda de 7% no total de mortos, nos três primeiros meses de 2019, em relação a igual período de 2018, para aumento de 2,7% de abril a julho e de 2% de agosto a outubro. Os números comparativos nos permitem estimar que, mantida a queda de 7% dos mortos registrada entre janeiro e março, no período que foi de abril até outubro, ao invés de termos 3073 mortos registrados entre abril e outubro de 2018, teríamos 2.857 mortos em 2019.

Entretanto, como exatamente neste período de 2019 foram implementadas as medidas de desligamento de radares e proibição da PRF fiscalizar velocidade com seus equipamentos, registramos 3.145 mortos no período (abril-outubro). Isto nos permite estimar que foram 288 mortos a mais, do que seriam caso fosse mantida a tendência de redução de 7% dos mortos detectada no primeiro trimestre de 2019.

Já entre os feridos a situação é ainda mais grave. Afinal, no primeiro trimestre deste ano, a redução de feridos foi de 4,3% em relação a 2018, baixando de 19.442 para 18.608. Ou seja, 834 feridos a menos. Notícia para comemorar e estimular a aplicação de mais rigor na fiscalização. Todavia, a decisão do presidente da República foi na contramão do bom senso e dos dados, impondo a redução de fiscalização de velocidade. O resultado foi o aumento de feridos em 5,1% entre abril e julho e mais 9,1% entre agosto e outubro.

Da mesma forma, mantida a tendência de queda de 4,3% do primeiro trimestre de 2019 em relação a 2018, deveríamos ter registrado nos sete meses posteriores, abril até outubro,  queda no número de feridos dos 43.109 no período em 2018 para 41.255 em 2019. Na prática o número de feridos aumentou para 46.055. Isto significa um incremento de 4.800 vítimas em relação ao que deveríamos registrar, se mantida a tendência de queda de 4,3% nos feridos registrada nas rodovias federais no primeiro trimestre deste ano.

Portanto, o aumento de vítimas é assustador. Caso fossem mantidas as tendências de queda de 7% de mortos, no primeiro trimestre, e de 4,3% dos feridos, teríamos redução no total de vítimas de 5.088 pessoas. Sendo 288 mortos e 4.800 feridos a menos, somente entre abril e outubro. A mudança na curva fica ainda mais evidente quando analisamos a média mensal de mortos e feridos nas rodovias federais nos anos de 2017 e 2018, bem como nos três diferentes períodos de 2019. A média mensal de mortos e feridos em 2019 aumenta significativamente após março quando começa o desmonte da fiscalização da velocidade nas rodovias federais.

Podemos afirmar que a situação é ainda mais delicada já que o aumento de feridos significa também o aumento de mortos posteriores , em função dos feridos graves que vêm a falecer até 30 dias após o acidente

As consequências do excesso de velocidade e sua relação com as mortes são mencionadas pela Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS). Sobre a velocidade a OPAS esclarece:

Um aumento na velocidade média está diretamente relacionado tanto à probabilidade de ocorrência de um acidente quanto à gravidade das suas consequências. Cada aumento de 1% na velocidade média produz, por exemplo, um aumento de 4% no risco de acidente fatal e um aumento de 3% no risco de acidente grave. O risco de morte para pedestres atingidos frontalmente por automóveis aumenta consideravelmente (4,5 vezes de 50 km/h para 65 km/h).

Por outro lado, embora o jornal O Globo tenha identificado em sua matéria acima citada que o Governo deixou de arrecadar R$ 30 milhões em multas, que poderiam ser utilizados em campanhas educativas, os dados do estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) em 2015 sobre o custo dos acidentes nas rodovias federais, revelam que o prejuízo é muito maior. Ensinava o IPEA“Os acidentes nas rodovias federais em 2014 representaram para a sociedade perda de R$ 12,8 bilhões, sendo que 62% desses custos estavam associados às vitimas dos acidentes, como cuidados com a saúde e perda de produção devido às lesões ou morte, e 37,4% associados aos veículos, como danos materiais e perda de cargas, além dos procedimentos de remoção dos veículos acidentados.”

Cabe ainda mencionar estudo Estatística da Dor e da Perda do Futuro do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro (CPES), com base nos indicadores do Seguro DPVAT, que revelou que os acidentes graves ocorridos no trânsito brasileiro em 2017 provocaram um impacto econômico de R$ 199 bilhões, ou seja, 3,04% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse valor equivale ao que seria gerado pela força produtiva das vítimas, caso os acidentes não tivessem ocorrido.

Mudança urgente na política de controle de velocidade

Todos esses dados e informações deixam claro de que o governo não pode continuar mantendo essa política de total impunidade para os motoristas que não respeitam o limite de velocidade nas rodovias federais. Atualmente, não há risco de punição para milhões de condutores que circulam diariamente, nos 65 mil quilômetros de rodovias federais em excesso de velocidade. Basta que fiquem atentos aos radares fixos que estão indicados, seja por sinalização, ou por qualquer bom aplicativo tipo Waze, que o infrator contumaz jamais será flagrado.

A PRF não pode mais usar os radares para multar por isso os infratores fazem a festa

As consequências negativas não são apenas pelo número de vítimas envolvidas, mas também, pelo custo econômico para a sociedade e um drama sem paralelo para os familiares das vítimas e seus amigos, em particular das que morrem ou ficam com lesões permanentes. A situação é ainda mais grave porque, pela primeira vez desde 2011, os acidentes e as vítimas aumentaram nas rodovias federais, conforme atestam dados da PRF e CNT.

As mortes e os feridos nas rodovias federais são em parte responsabilidade das autoridades. Em primeiro lugar do presidente da República , que determinou a suspensão da fiscalização da PRF e, como consequência dos seus prepostos. Neste caso, o Ministro da Justiça Sérgio Moro, responsável pela PRF, que atendeu rapidamente á ordem da presidência mas passados mais de 100 dias a corporação não apresentou nenhuma solução.

Na mesma situação encontra-se o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas , pois o despacho presidencial determinava:”…Ministério da Infraestrutura conclua a reavaliação da regulamentação dos procedimentos de fiscalização eletrônica de velocidade em vias públicas..”, o que até agora também não foi feito.

Enquanto protelam as decisões e abrem as portas para a impunidade, os representantes do governo assumem parte da responsabilidade pelas consequências. Estamos falando de prejuízos econômicos mas acima de tudo de vidas humanas.

Embora o ministro Sérgio Moro mereça todo respeito e admiração pelo excelente trabalho que está realizando na redução da criminalidade e combate ao crime organizado, do ponto de vista da sua atuação na redução de acidentes nas rodovias federais, sua gestão está sendo catastrófica.

O mesmo ocorre com o ministro Tarcísio Freitas, de reconhecida competência na gestão da infraestrutura, mas que não a demonstra no combate à violência no trânsito. Os dados impõem, aos ministros citados, levar urgentemente ao presidente essas informações para que ele reconheça seu erro e reveja suas ordens. Até porque o governo estava acertando ao manter a política anterior, tanto que registrava queda nos acidentes, mortos e feridos.

Cada dia que passa são mais vítimas com a conivência e omissão das mais altas autoridades do país, que não podem alegar desconhecimento dos fatos pois todos os dados utilizados neste trabalho são oficiais.

O SOS Estradas continua na sua determinação de preservar vidas de fato e não apenas no discurso, como tantas vezes fazem as autoridades. Como apoiadores de entidade de vítima de trânsito, esperamos que esse trabalho contribua para a preservação do bem maior. Cabe ressaltar que a redução de acidentes não é uma questão ideológica mas sim uma meta da sociedade e obrigação dos governantes.

Dados complementares sobre os estados e regiões

Seguem outros gráficos que permitirão aos usuários e interessados entender melhor a situação no seu estado, particularmente quanto às multas aplicadas nas suas diferentes graduações e, agora, não aplicadas, em pelos menos 16 estados brasileiros.

Região Norte

O Acre se destaca como a terra onde ninguém é multado. Já o Pará que teve mais de 1.000 infratores punidos pelo excesso de velocidade agora não tem mais nenhum. Nos demais estados ocorre exatamente o mesmo.

Região Nordeste

O Nordeste impressiona porque deixa evidente que onde não tem radar de concessionária, como é o caso da Bahia, não existe controle de velocidade nas rodovias federais em nenhum estado da região. Portanto, ninguém pode falar em indústria da multa nas rodovias federais.

Região Sudeste

Em setembro de 2018 foram identificados 483 motoristas dirigindo a mais de 50% do limite de velocidade da rodovia. No mesmo mês deste ano apenas 20. Os infratores estão desfrutando a liberdade de andar sem controle. Já descobriram essa falha e foram 114 mil multas a menos.

Região Sul

A queda de multas no Sul é impressionante e revela que os estados da região devem registrar muito mais acidentes, mortos e feridos. Basta ver o caso do Paraná, que flagrou em setembro de 2018 , nada menos que 648 motoristas acima de 50% do limite da via e este ano apenas 1.

Região Centro-Oeste

Na região Centro-Oeste cabe destacar que o aumento de multas aplicadas no Mato Grosso do Sul é decorrente dos 38 radares fixos instalados pela concessionária MS Via na BR-163.

Mais informações sobre esse trabalho pelo telefone: (21) 4042-6069

5 COMENTÁRIOS

  1. Se velocidade matasse, a Alemanha seria líder em porcentagem de acidentes, afinal, 2/3 da Autobahn não tem limite de velocidade!

  2. Um festival de manipulações e mentiras. Uma simples análise visual dos dados permite constatar que essas variações estão dentro da flutuação média dos dados. Seria preciso comparar um período maior de tempo e isolar outros fatores que poderiam explicar as variações. Isso é claramente uma campanha ideológica contra o governo. Nunca vi ninguém realmente preocupado com a vida de ninguém. O que o cidadão comum quer é respeito, liberdade, ser dono do próprio nariz. Se tem algum louco e irresponsável à solta, não será o radar que irá detê-lo. Assim como acontece com o desarmamento, que proíbe o direito de auto defesa de pessoas de bem enquanto bandidos não dão a mínima e continuam fortemente armados.

  3. Na minha opinião exstem vários fatores que antecedem o excesso de velocidade associado aos acidentes.
    As condições das estradas esburacadas ou mal projetadas(daí o governo coloca limitadores para não consertar,é mais barato).
    As péssimas condições que alguns veículos trafegam e não há fiscalização.
    As condições físicas e psicológicas dos motoristas que igualmente não são fiscalizadas Pode dirigir usando Diazepam, fumando maconha, cheirando cocaína que não dá em nada. Somente o uso do alcool é fiscalizado e, ainda assim, muito mal.
    Eu gosto de velocidade e, sempre que possível, cometo os chamados excessos (120 a 160Km/h) e nunca sofri ou provoquei acidente.
    Mas tenho autocrítica e confiro o meu próprio estado de saúde, a condição da estrada e do automóvel.
    Existem alguns radares posicionados de forma inteligente e que realmente previnem acidentes. Mas a grande maioria pode ser chamado de caça níquel.

  4. Os números falam por si. Não se pode fazer experiências quando vidas estão em jogo, para que esta violência não passe porta adentro das casas. O alerta foi dado!!!!

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