O barulho é ensurdecedor e a velocidade é assustadoramente alta. Esbanjando a potência de suas cilindradas, motos se arriscam nos finais de semana “voando” pelas rodovias que cortam Bauru. O mais incrível é que a imprudência, que não é de hoje, é exposta com orgulho na internet. Ao longo dos anos, a prática criminosa dos “pegas” na Bauru-Jaú (João Baptista Cabral Rennó, SP-225) e na Bauru-Marília (Comandante João Ribeiro de Barros, SP-294) não encontrou solução

Na filmagem mais recente, postada no dia 23 do mês passado em um conhecido site que armazena vídeos, dez motos passam em alta velocidade. Pela descrição, o grupo se dirigia até Marília. No vídeo, além do barulho semelhante a uma turbina de aeronave, as motocicletas, de tão rápidas, somem em frações de segundo da lente da câmera.

A pedido do Jornal da Cidade, o professor de física Paulo Roberto Pires Maciel Filho analisou o vídeo para indicar a que velocidade os veículos estavam. Avaliando o tempo e o espaço percorrido pelas motos, o professor chegou a números impressionantes.

“Entrei no site de uma empresa de engenharia que trabalha com estradas e peguei o tamanho padrão das faixas pintadas na pista. Assim, utilizei o tempo do próprio vídeo e calculei velocidades aproximadas para as duas primeiras motos, que, respectivamente, são de 255 e 230 quilômetros por hora”, explica o professor.

A própria descrição do vídeo confirma tais velocidades e que a prática não é incomum na Bauru-Marília. O autor da postagem explica que esse é “mais um passeio de fim de semana” e convida mais motociclistas, desde que “andem a pelo menos 180 quilômetros por hora”.

Em outro vídeo, agora na Bauru-Jaú no ano passado, um outro motociclista filma e dirige ao mesmo tempo. Dessa vez, a moto nem é tão potente, uma Honda Biz. Porém, conforme ele aponta no velocímetro do veículo, chega aos 140 quilômetros por hora, velocidade máxima do pequeno veículo.

Outro motociclista, ao lado do que está filmando, também acelera e ainda faz “graça” para a câmera, fazendo sinais obscenos e até ameaçando se levantar da moto

Na mesma rodovia, próximo a um viaduto, cinco outras potentes motocicletas passam em altíssimas velocidades. De acordo com o que o professor de física Paulo Maciel atestou, alguma delas se aproxima dos 300 quilômetros por hora. No vídeo, também postado na internet, o responsável pela filmagem brinca, de forma irônica, apontando que os motociclistas acharam que ele seria um radar.

Em outro vídeo na Bauru-Jaú, este de 2009, o título também aponta a ironia dos praticantes. O vídeo, intitulado “Moto GP na Bauru/Jaú”, faz uma alusão à mais famosa competição de motociclismo do mundo e é filmado de cima de um viaduto. A descrição aponta que as motocicletas chegaram a 300 quilômetros por hora.

Nos comentários do vídeo, também disponíveis no site, alguns parabenizam a “façanha” e outros questionam. Mas o questionamento não é recriminando a prática. São, na verdade, desafios, tentativas de provocações para mais “pegas” entre os motociclistas.

No local, não são só registros de imagens que comprovam os “rachas”. Pessoas que utilizam a Bauru-Jaú com frequência confirmam o problema. Segundo um bauruense, que preferiu ter a identidade preservada, a prática é frequente.

“Passo sempre ali. Todo sábado, durante a tarde e a manhã existem os rachas. No final de semana passado, estava passando com meu carro e passou quatro motos ‘voando’. Eu estava a pouco mais de 100 quilômetros por hora. Nem vi eles direito. Para você ter uma ideia da velocidade em que estavam”, completa.


Acessos

(http://www.youtube.com/watch?v=o6u1YjFhUCg&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=vsK8qUAL9Lc&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=iaP-qB5oa00

http://www.youtube.com/watch?v=AUq72loapaU&feature=related


‘Chance de morte supera 80%’

E quando a imprudência se transforma em tragédia? Segundo o diretor do Departamento de Urgência e Emergência (DUE) da Secretaria Municipal de Saúde, Luiz Antônio Bertozo Sabbag, um acidente de moto a essas velocidades é praticamente morte certa.

“Caso ocorra um acidente, a chance de morte nessas altas velocidades supera 80%. Mesmo que a pessoa esteja usando equipamentos de segurança, ela dificilmente conseguirá sair com vida”, aponta o médico.

Ele exemplifica com o uso do capacete. Segundo ele, dependendo do impacto, a proteção pode se romper ou, mesmo que resista, transferir a força da batida para a cabeça da vítima. “Assim, a pessoa tem um traumatismo cranioencefálico e pode morrer. Algo que também leva à morte é a quebra do pescoço, que não tem proteção”.

Sabbag conta o caso de um motociclista que estava em alta velocidade na pista e sofreu um acidente. Na ocasião, considerada um “milagre” pelo médico, ele caiu fora da pista e conseguiu sobreviver. Porém, com muitos ferimentos.

“Ele teve 12 fraturas, inclusive cranioencefálica. Por sorte, ele não caiu no asfalto. Foi a queda na terra que amenizou o impacto”, explica.

Além do risco que representa a si, um motociclista pode matar inocentes. O diretor Sabbag afirma que a colisão de uma moto a essa velocidade com um veículo também causaria um acidente de grandes proporções. “Uma pessoa, que nada tem a ver com essa imprudência, pode pagar. Além de se matar, ela mata inocentes”, alerta o médico.


Rodoviária: rachas migram

O comandante da 1ª Cia da Polícia Rodoviária (PR), capitão Ordival Affonso Júnior, responsável pelo policiamento da região de Bauru, Agudos, Jaú, Lins e Pirajuí confirmou a ocorrências das disputas, mas disse que os eventos deixam de acontecer sempre que a PR desenvolve operações específicas.

“Como é pontual, logo que começamos a efetuar as operações, o problema migra para outras regiões. O simples fato de fazermos a abordagem de motocicletas, com uma fiscalização mais rígida dos equipamentos de segurança já coíbe e o problema cessa”, garantiu.

Identificar os locais e os horários em que ocorrem as disputas é o suficiente para as operações feitas pela polícia. A última, segundo o capitão, foi há cerca de um ano e coibia “rachas” na rodovia Comandante João Ribeiro de Barros, próximo a Bauru. “A gente tem notícia, sim, mas no passado. Eu sei que o problema frequentemente reaparece, aí fazemos o planejamento e combatemos. A presença (da PR) é suficiente”, afirmou.

Em razão da informação de novos ocorrências, com registro na internet, o capitão Affonso disse que já pediu levantamento sobre a ocorrência de “rachas” na região. “O setor de inteligência está levantando mais dados”, concluiu.