Simone Machado de Oliveira, 27, parada no semáforo com sua moto esperando o sinal abrir, surpreendida por um caminhão sem carroceria que a colheu por trás e a atropelou na tarde do dia 5 de agosto de 2006, morreu no dia seguinte no Hospital Evangélico. Ela foi a 16ª motociclista morta no trânsito de Dourados somente neste ano.
O motorista atropelou, além dela, outra moto parada com duas pessoas. Essas, felizmente, saíram ilesas, apesar do susto. Um quarto motoqueiro viu a cena dantesca acontecer ao seu lado.
O 2º Distrito Policial instaurou inquérito para apurar as circunstâncias. Não se sabe se faltou freio, se o caminhão estava em alta velocidade, se o motorista estava distraído. O laudo da perícia sai em até 30 dias após o ocorrido.
Esse episódio atípico pela forma como aconteceu, embora alguns acidentes sejam intrigantes e ocorram em circunstâncias inacreditáveis, serve para mostrar o contexto da questão.
O ano de 2006 é o mais perigoso e mortal dos últimos seis anos, acumulando um saldo de 32 mortes antes de se completar oito meses.
Só para se ter uma idéia, durante todo o ano de 2005 registrou-se 38 mortes no trânsito envolvendo 1.169 motocicletas com 16 mortes, a mesma quantidade registrada neste ano de janeiro a 6 de agosto.
Há também um saldo, em 2006, de 5 ciclistas mortos, 6 pedestres, 4 passageiros e 1 condutor.
Esses números são da Agência Regional do Trânsito e incluem os casos da vítima morta no local do acidente, na ambulância durante os primeiros socorros ou no hospital e acidentes que ocorreram tanto no perímetro urbano como nas estradas sob os limites do Município.
Mesmo levando em conta o aumento da frota circulante (66 mil veículos em 2006), o número de motoristas que viajam de cidades vizinhas diariamente para Dourados (cerca de 20 mil, segundo a prefeitura) e um cenário incomum de 150 mil bicicletas (contagem da Superintendência de Transporte e Trânsito da Prefeitura), as estatísticas são horripilantes e proporcionalmente injustificáveis.
A frota circulante tem crescido 11% ao ano e Dourados já é a segunda cidade do Brasil em número de motocicletas per capita, segundo o superintendente de Transporte e Trânsito da Prefeitura, Oslon Estigarribia Paes de Barros, 40.
As estatísticas mostram que veículos motorizados sobre duas rodas se envolvem mais em acidentes.
Oslon disse que existem 16 mil motos em Dourados.
Para se ter uma noção do espaço urbano ocupado, se uma moto, estacionada, ocupa 1,6 m2, 16 mil, juntas, precisariam de 25.600 m2. Hipoteticamente isso significa 3,3 campos de futebol iguais ao do estádio Douradão (110×70).
São indicadores impressionantes para 183.093 habitantes (IBGE, 2005).
Em 2001 foram 28 mortes; em 2002, 19; em 2003, 33 e em 2004, 30.
O sargento Adriano André da Silva Santos, do setor de estatísticas do Corpo de Bombeiros, informou que de janeiro a julho deste ano os bombeiros atenderam um total de 2.295 ocorrências envolvendo acidentes, uma média aproximada de 10,9 por dia.
Aqui não estão computados socorros prestados pela central de ambulâncias da prefeitura e acidentes dentro da Reserva Indígena que são atendidos pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Nesses sete meses de 2006, de acordo com os dados dos bombeiros, o maior número de acidentes envolveu colisões entre motos e carros com 439 casos; o segundo, 351, são quedas de motocicletas; o terceiro, 254, tombos de bicicletas; o quarto, 169, carros versus bicicletas; o quinto, 149, bicicletas e motos e o sexto, 112, colisões entre motos.
Há também 104 atropelamentos.
Reverter essa tragédia requer muito mais do que intervenções e ações públicas.
Para Aretino Taques, técnico em estatística da Agência Regional do Trânsito, estudioso do Código de Trânsito Brasileiro, há mais 30 anos acompanhando a variação desses números, não deveriam ocorrer tantos acidentes assim.
Na opinião dele, Dourados possui avenidas largas e bem estruturadas, canteiros centrais amplos e é bem sinalizada.
O problema, afirmou, é a alta velocidade, a imprudência, a displicência e o fato de muitos motoristas, motociclistas e ciclistas acharem que o trânsito existe só para eles.
Durante suas caminhadas pelas ruas aparentemente tranqüilas da Vila Amaral ele disse que vê motoristas passando em alta velocidade e motociclistas abusando da sorte com conversões arriscadas, colocando em risco as vidas deles e a de terceiros.
Muitos simplesmente não respeitam os limites de velocidade indicados nas placas.
“Se todos respeitassem a sinalização e andassem devagar, não aconteceriam tantos acidentes (…)”, afirmou objetivo e empírico na análise da questão.
A solução, para ele, dependeria de investimento na educação esperando-se um retorno a longo prazo. “Mas eu não sei se o Governo tem dinheiro para isso, faz-se blitz educativa durante uma semana e depois param (…)”.
No caso dos motociclistas, uma vez flagrados em velocidade perigosa, ele acha que a punição deveria ser mais rígida. A moto deveria ser apreendida e o piloto forçado a passar por pelo menos 10 horas/aula de direção defensiva.
“Precisa incomodar essa pessoa, hoje em dia a polícia multa, a pessoa paga e vai embora, não, deveria haver uma lei estadual ou municipal que exigisse esse curso, com certeza o motociclista sairia mais consciente (…)”.
Ele reclama dos ciclistas que não respeitam sequer as rampas feitas nas calçadas para facilitar o acesso de portadores de deficiência física, ou seja, os cadeirantes. “É uma coisa muito boa isso, mas os ciclistas estão se aproveitando para subir na calçada e trombar com os pedestres, deveria haver uma punição dura para esses ciclistas para que eles tenham maior disciplina (…)”.
Motoristas quando param no semáforo fechado e sinalizam a intenção de conversão à direta, costumam ser surpreendidos por ciclistas que cruzam a frente. “Isso é muito comum em Dourados (…) No caso dos motociclistas, eu já os vi convertendo à direita em alta velocidade quando o sinal está aberto e naquele mesmo momento um pedestre pode estar atravessando a rua. Aí então o piloto, ao tentar se desviar, corre o risco de perder o equilíbrio, bater no poste, na árvore ou atropelar o pedestre”.
“A média de tombos de motocicleta por causa da velocidade é muito grande (…) Se a placa indica para andar a 50 km por hora é para andar a 50 km por hora (…) Tem também muitos motoristas que não dão sinal de intenção de conversão”.
Aretino citou o caso do policial rodoviário federal que morreu recentemente na rodovia, próximo a Dourados. O acidente aconteceu porque um ciclista quis fazer a travessia da pista achando que teria tempo. O policial atropelou o ciclista, desequilibrou-se e foi se esborrachar em uma goiabeira, tendo morte instantânea.
“O ciclista não poderia esperar um momento mais seguro?”. Esse ciclista não morreu.
O geógrafo Antônio Carlos de Oliveira Barreto, coordenador de Educação para o Trânsito da Prefeitura de Dourados, relaciona a pressa como um problema grave. “As pessoas costumam fazer as coisas em cima da hora, a maior parte dos acidentes acontece quando a pessoa está com pressa (…)”.