Estudos mostram que 36% dos motoristas usam frequentemente medicamentos à base de anfetamina para não cair no sono ao volante, mas alguns motoristas dizem que a realidade das rodovias é ainda pior.
“Existem dois caminhoneiros: o que assume que usa o rebite e os outros que usam, mas negam até o fim”, diz um motorista de Ribeirão Preto ouvido pela reportagem, que quis ter seu nome preservado.
Outro ouvido diz que não utiliza mais os remédios para encarar o sono, mas que muitos conhecidos não encontram outra saída.
“Não utilizo mais. Bateu o sono encosto. Mas, tenho colegas que tomam três ou quatro rebites por viagem. O cara tem que cumprir prazo e quer mais dinheiro”, afirma o motorista, que é de Pouso Alegre-MG.
Leonardo Lima, de 36 anos, é de Duque de Caxias-RJ e é outro que já utilizou o remédio no início de carreira. Hoje, ele diz que fica de fora do grupo de usuários, mas é frequente encontrar companheiros usando rebite.
“Tem cara que está pagando o caminhão e apela para isso. O cara toma três bolinhas e vai embora. Mas, acredito que é uma minoria que faz isso ainda”, diz o motorista.
Todos são “severinos”
Para mostrar a real situação dos motoristas, Leonardo conta a história de um companheiro de estrada: Severino.
“Ele ia para o Recife, descarregava e voltava em uma semana. Eu faço em dez dias. Um dia, mesmo com o rebite, ele dormiu e bateu na BR-101. Dias depois encontro ele com os pinos na perna procurando carga lá no Rio de Janeiro. Ele me disse que, agora, além dos R$ 4 mil da parcela do caminhão, precisava pagar o conserto. Tem como parar?”, diz.
Daniel Lago Santos, de Jaguaquara-BA, também se diz do grupo que não usa remédios. Porém, o experiente motorista de 27 anos conhece bem as histórias e o efeito.
“Dizem que no primeiro dia que usa a pessoa fica ligada e ágil. Depois, com o tempo, o ‘negócio’ perde o efeito e o cara tem alucinações. Teve gente que já viu cabra e bode na pista e não tinha nada”, diz, aos risos.
3 em cada 10 usam
A anfetamina faz parte do cotidiano do motorista brasileiro. É o que revela uma pesquisa feita pela Faculdade de Farmácia da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto. 36% dos entrevistados revelaram utilizar os medicamentos para não cair no sono ao volante.
A pesquisa, coordenada pela professora Sandra Pillon, ouviu 66 motoristas. Destes, 24 afirmaram que tomavam o remédio periodicamente para conseguir trabalhar.
Outro número que chama a atenção é o índice de caminhoneiros que já usaram anfetamina pelo menos uma vez. Dos 66, 42 reconheceram que já usaram o medicamento (63% dos motoristas ouvidos).
A pesquisa ainda deixou claro qual é o remédio mais utilizado pelos caminhoneiros: o Desobesi. Dos usuários de anfetamina, 69% preferem o medicamento.
O motorista Leonardo Lima diz que o remédio é o mais fácil de achar. “Este é sempre encontrado em qualquer lugar à beira da estrada”.
O rebite, que supostamente teria sido utilizado pelo motorista Marcos Aurélio Quintino, que dirigia o caminhão que causou o acidente que matou cinco operários na Anhanguera, é utilizado por 20% dos usuários. Os outros remédios citados são o Nobesi e o Femproporex.
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