Cocaína é a droga predominante nos exames toxicológicos dos motoristas
FLAGRANTES: Polícia Rodoviária Federal com frequência flagra motoristas sob efeito de drogas. Foto: Divulgação/PRF

Faltam nove dias para que os motoristas das categorias C, D e E, que estejam com o exame toxicológico periódico vencido, regularizem a situação, e o Estradas.com.br confirmou que a cocaína ainda é a droga mais utilizada pelos motoristas

Os resultados dos exames toxicológicos realizados com motoristas das classes C, D e E revelam que a cocaína é a droga predominante em cerca de 73% de todos os resultados positivos, seguida de opiáceos, principalmente codeína (12%), THC, encontrado na maconha (10%), e as anfetaminas e metanfetaminas, conhecidas popularmente como rebite, que aparecem em 5% dos exames como droga predominante.

Estes são os resultados registrados até o início de dezembro deste ano, segundo dra. Ana Carolina Gimenez, responsável pelo laboratório Toxicologia Pardini e Grupo Fleury. Os resultados são consistentes ao longo dos mais de sete anos de exigência do exame toxicológico de larga janela para condutores das categorias C, D e E.

Dra. Ana Carolina Gimenez do Grupo Fleury
Dra. Ana Carolina Gimenez, responsável pela Toxicologia dos laboratórios Pardini e Fleury. Foto: arquivo pessoal

Especialistas explicam as consequências do uso de drogas 

Para entender melhor o que está por trás do uso das drogas, o Estradas.com.br conversou com a dra. Gimenez, mestre em Ciências Farmacêuticas e responsável pela área de toxicologia da Toxicologia Pardini e do Grupo Fleury.

Ouvimos ainda o dr. Álvaro Pulchinelli Júnior, que recentemente foi eleito presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML). Ele é médico patologista clínico e toxicologista, além de assessor médico do Laboratório Fleury, um dos mais importantes do mundo.

Efeitos das drogas para quem dirige

Ao questionarmos sobre de que maneira o uso de drogas afeta o comportamento do condutor, os especialistas nos esclareceram vários pontos.

De acordo com a dra. Gimenez, o uso dessas substâncias impacta diretamente nas habilidades motoras, trazendo um risco muito alto nas nossas ruas e estradas. Os estimulantes, como rebites e cocaína, provocam estados de euforia, alerta e insônia.

Contudo, podem causar um efeito rebote, levando a um “apagão” após passarem os efeitos da droga. Os opiáceos causam um risco muito grande devido ao estado de sonolência. E o THC, presente na maconha, é uma droga alucinógena que pode alterar a coordenação motora e causar alucinações.

Na mesma linha, o dr. Pulchinelli afirma que, ao usar drogas estimulantes para ficar acordado e suportar a jornada, o motorista não percebe o cansaço e que está na hora de parar. Ele alerta que qualquer substância altera a capacidade de dirigir o veículo e aumenta o risco de sinistros (acidentes) para quem está ao volante.

Algumas substâncias estimulantes, como a cocaína, fazem o condutor ser mais agressivo e correr mais riscos ao dirigir, enquanto outras causam efeitos depressivos. Pulchinelli enfatiza a necessidade de lembrar dos riscos do uso de substâncias legais, como o álcool, que não combinam jamais com a direção.

Consequências para a saúde a longo prazo do uso de drogas

O relato dos dois especialistas revela a gravidade que o usuário de drogas muitas vezes não percebe.

Diz a dra. Gimenez: “O consumo de uma substância entorpecente causa danos imediatos à saúde pela alteração motora que provoca nos usuários. Além disso, existem graves alterações de longo prazo, como câncer, problemas no fígado, pulmões, rins e danos cerebrais irreversíveis, entre outros graves problemas para a saúde.

Além de lembrar efeitos semelhantes, inclusive alterações cardiológicas, aumento de pressão, até mesmo risco de infertilidade, no caso do consumo de maconha, o dr. Pulchinelli destaca que “o uso de substâncias a longo prazo prejudica o rol de relacionamentos no trabalho, em casa, com o cônjuge, filhos, degenerando a vida pessoal e psicológica.”

Ele ainda acrescenta que o indivíduo que faz uso de substância pode se envolver em sinistros, com custo maior para a sociedade, sem contar o drama humano decorrente.

Quando afastado do trabalho por doença, em função do uso de drogas, passa a ser um custo financeiro para a sociedade porque tem que entrar nos programas de auxílio da previdência social.

“É preciso entender as consequências para o indivíduo, extrapolando para os custos sociais do uso da substância”, diz o médico.

Alvaro Pulchinelli Junior Assessor Médico do Grupo Fleury
Dr. Alvaro Pulchinelli Junior, eleito presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial

A dra. Gimenez aborda ainda outras questões, começando pelos problemas financeiros para manter o vício, na maioria das vezes acompanhados de violência doméstica. “No fim das contas, o usuário acaba perdendo seu emprego, sua família e passa a viver para se drogar.”

Comportamento de risco dos motoristas sob efeito da abstinência

Ambos destacam como sintomas mais comuns da abstinência, que podem variar dependendo da classe de drogas, os fortes tremores, agressividade, dores musculares agudas, náuseas e vômitos, alucinações e depressão.

O dr. Pulchinelli recorda que esses dependentes químicos devem ser acompanhados por um profissional de saúde mental, inclusive para receber a medicação adequada para suportar a abstinência.

O uso de várias substâncias simultaneamente é outro grave problema, como observa a dra. Gimenez.

“Infelizmente, encontramos vários casos impressionantes na rotina laboratorial. Por vezes encontramos em uma única amostra evidência de consumo de várias substâncias pelo motorista, em altas concentrações, cocaína, maconha e anfetaminas. Essa combinação pode ser fatal para o usuário e também para todos que circulam nas ruas e rodovias.”

O dr. Pulchinelli também já encontrou casos assim, inclusive com maconha, cocaína, anfetamina e benzodiazepínicos, substância utilizada para modular os efeitos das drogas estimulantes que às vezes está presente na cocaína vendida nas ruas. “O indivíduo diz que não usa calmantes (benzodiazepínicos), mas a substância está na droga e ele sequer tem ciência.”

O que fica evidente é que o consumidor de drogas pensa muitas vezes que está consumindo um determinado tipo de substância, mas os traficantes adulteram até isso, podendo causar efeitos que o usuário jamais imaginaria enfrentar.

Importância do exame para outras atividades profissionais

O exame toxicológico de larga janela de detecção é extremamente importante para o monitoramento do padrão de consumo de drogas dos indivíduos e pode ser uma poderosa ferramenta para proteger a sociedade. O fato de identificar o uso frequente de drogas nos últimos 90 dias, contribui para entender o comportamento do indivíduo.

Este tipo de exame pode ser aplicado, por exemplo, em outras categorias de motoristas e não somente nas categorias C, D e E. Assim como para o porte e posse de armas, bem como atividades de forças de segurança, como aprovado recentemente pelo Congresso. (Leia: Depois dos motoristas, lei aprova exame toxicológico para todas forças de segurança

Na avaliação dos especialistas, qualquer atividade que envolva risco a terceiros deve passar por este controle, seja no uso de arma, máquinas pesadas, transporte aéreo, marítimo e ferroviário.

Profissionais da saúde que usam drogas também representam risco e podem cometer erros médicos. O dr. Pulchinelli afirma: “Temos que nos despir desse tipo de preconceito, quando o indivíduo toma a decisão do uso de substância tem que pensar nas consequências para os outros.”

Ele cita como bom exemplo os profissionais da aviação civil no Brasil, onde todos envolvidos com a segurança do voo devem fazer exame toxicológico de larga janela na admissão.

Embora, como já destacamos no Estradas.com.br no passado, desde 2019 o Sindicato dos Aeronautas conseguiu proibir o exame randômico de cabelo na aviação para quem já trabalha nas empresas, sob a alegação de que o uso fora do ambiente de trabalho não afetaria a segurança. Não é seguramente a opinião dos passageiros e especialistas em tratamento de dependentes químicos.

Dr. Pulchinelli diz ainda que “independente da discussão do uso de drogas, é fundamental que tenhamos política de testagem em atividades que coloquem em risco outras pessoas e de orientação sobre os efeitos das drogas.”

Uso científico dos dados gerados pelos exames realizados no Brasil

A dra. Gimenez observa a importância do uso científico do extraordinário banco de dados que possuem os laboratórios brasileiros com relação ao uso de drogas, principalmente com relação aos condutores de veículos de carga e passageiros.

“Considerando a qualidade de material gerado pelo histórico de realização dos exames toxicológicos e seu impacto significativo para proteção da sociedade, entendo que essas informações poderiam ser melhor aproveitadas pelos especialistas e também pelo próprio governo para criação de políticas públicas. Através de estudos de consumo x concentração de drogas, entendendo cada vez melhor o perfil de consumo dessa classe de brasileiros.”

Opinião compartilhada pelo dr. Pulchinelli: “É um dos maiores bancos de dados sobre uso de drogas do mundo e deve ser explorado respeitando os princípios científicos e éticos, além de bioéticos, para mostrar os resultados desse esforço enorme que por quem propôs a legislação, para os laboratórios envolvidos e principalmente os motoristas que são submetidos a esse controle. Todos dão sua cota de contribuição. Esse grande banco de dados deve ser observado com atenção por todos que se debruçam sobre esse tema das drogas no país.”

2 COMENTÁRIOS

  1. Quantos tempo demora para o organismo voltar ao normal quando para de usar drogas

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