Um movimento comandado pelo Deputado Nelson Marchezelli do PTB/SP e Valdir Colatto  do PMDB/SC(no momento sem mandato) tenta revogar a Lei 12.619/12, a chamada Lei do Descanso dos motoristas profissionais que estabeleceu limites de tempo de direção contínua e descanso mínimo entre jornadas. Ambos deputados representam os interesses do agronegócio e dos grandes embarcadores.

Caminhões-nos-EUA

O deputado Marquezelli, por exemplo, defendeu em entrevista a TV Câmara que um motorista poderia descansar 6 h que já seria o suficiente, ouse seja, dormir de 6h até no máximo 8h,  conforme pode ser visto no trecho da entrevista. E ainda acrescentou, “no final de semana que fala em 36 h parado nós vamos reduzir isso para uma parada de no máximo, no máximo, 10h”. Já o relator da Comissão Especial criada pelo agronegócio, presidida por Marquezelli, o então deputado Valdir Colatto, afirmou em entrevista no seu próprio site que o motorista poderá dirigir até 6 h sem parar e defendia 8h de descanso entre jornadas como suficiente. Na Europa, por exemplo, onde as condições das rodovias permitem que um motorista dirija sem stress, diferente das brasileiras, a jornada máxima tolerada é de 90h a cada duas semanas, não importa se o motorista é empregado ou autônomo. O objetivo é garantir a segurança de todos os usuários das rodovias. A proposta dos parlamentares permite que um autônomo, nas precárias rodovias brasileiras, dirija mais de 90 h numa única semana.

Os deputados também não levam em conta o tamanho e condições das cabines dos caminhões no Brasil. As maiores, disponíveis apenas nos modelos mais novos, são a metade da cabine americana, que tem um tamanho mínimo estabelecido por lei, sendo a primeira legislação de 1957.  As imagens da cabine padrão nos EUA podem ser vistas na foto de capa, quando vários caminhões estão num ponto de parada na Califórnia e  as imagens internas são como aparece abaixo. A primeira é uma cabine padrão mínimo nos EUA e a segunda uma cabine padrão no Brasil.

 

Cabine padrão de caminhão nos EUA

Cabine média do caminhoneiro brasileiro

Pelo texto atual da Lei, que está em vigor há quase dois anos, um motorista profissional deve descansar 30 minutos, a cada período de 4 horas de direção. Isto significa que ele pode, por exemplo, fazer uma parada de 15 min a cada 2h de direção, conforme recomendam várias associações especializadas em Medicina do Sono e Medicina de Tráfego no Brasil e no exterior. A cada hora dirigida o motorista vai diminuindo os reflexos e depois de 4 h de direção contínua é como se estivesse sob efeito de álcool. A recomendação é válida para todos os motoristas, não apenas os profissionais. Há modelos de automóvel a venda inclusive no Brasil que soam um alerta para o motorista a cada 2 h de direção.

Para Rodolfo Rizzotto, Coordenador do SOS Estradas e autor do livro “Acidentes Não Acontecem”, os caminhoneiros brasileiros vivem em condição análoga a de escravo.” Quem trabalha 90h/semana, dorme como um bicho e  passa meses sem ver a família, é um escravo. Esses parlamentares descansam em luxuosos hotéis, enquanto os motoristas dormem em cabines precárias, com medo de serem assaltados.

Quando aos motoristas de ônibus, Rizzotto lembra que nas viagens de turismo é comum encontrar o 2º motorista dormindo no bagageiro. “Além do mais, um motorista de ônibus não pode parar o veículo e anunciar aos passageiros que está cansado e vai tirar um cochilo de 30 minutos.” esclarece Rizzotto.

E acrescenta, “…os deputados que defendem a mudança na lei, em momento algum se preocuparam com a segurança dos demais usuários das rodovias, afinal, devido a fadiga dos motoristas profissionais é comum cochilarem , invadirem a pista contrária e matarem várias pessoas. Também não pensaram nos passageiros de ônibus. Numa viagem de 6h sem parar, como eles admitem,  como ficam os idosos, deficientes físicos, gestantes, que na maioria das vezes não tem a menor condição de usar o toilete num veículo em movimento? E ninguém pode achar que as empresas não vão fazer a viagem direta, pois já fizeram isso, mesmo sem autorização, imagine com o apoio de uma nova lei desses parlamentares.”

As mudanças na lei contam com a resistência do Forum Nacional em Defesa da Lei 12.619/12, que reúnem federação de caminhoneiros, a confederação, entidades dos autônomos, ministério público do trabalho, entidades de vítimas de trânsito. Marquezelli e os demais parlamentares que defendem mudanças na lei estão sendo qualificados pelos trabalhadores como “Bancada da Morte”. Já em defesa da Lei estão alguns parlamentares de correntes políticas distintas mas que tem como característica a defesa da segurança no trânsito. Dentre eles Hugo Leal do PROS/RJ, que é presidente da Frente Parlamentar do Trânsito Seguro e autor da Lei Seca, Jô Moraes do PCB/MG, Vanderlei Macris do PSDB/SP.

Ficou determinado pelo Presidente da Câmara, Deputado Henrique Alves, que será votado o regime de urgência na terça-feira após a Páscoa e colocado em votação no mesmo dia o substitutivo dos deputados Marquezelli e Colatto. O deputado Marquezelli conta com apoio da CUT e do deputado Vicentinho do PT, que segundo representantes dos motoristas reconheceu que a aliança insólita é uma questão eleitoral.

Rizzotto alerta para um precedente perigoso nessa votação. “Caso aprovem as mudanças na lei, que atendem aos interesses de poderosos grupos econõmicos, com o aval do Governo, justamente quando os trabalhadores buscam redução de jornada, teremos um aumento da jornada. Isso significa que nenhuma categoria profissional estará a salvo e poderá ter um aumento da jornada, basta que encontre deputados para defender essa causa.”