Foto: Caminhoneiros gastam com frequência mais de R$ 10 mil para levantar a traseira e circulavam impunes

O portal Estradas teve acesso a uma declaração do ministro Tarcísio de Freitas, na qual ele diz que irá providenciar a revogação de várias normas e “dar um tempo na fiscalização”, referindo-se aos caminhões arqueados e faixas refletivas

Segundo Freitas, a ideia é fazer um “revogaço de normas“, que foi combinado com o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), além de “dar um tempo” na fiscalização de caminhões com suspensão alteradas, conhecidos como ‘caminhões arqueados’ e das faixas refletivas. Por outro lado, admite que a PRF não é sua responsabilidade e que está invadindo competência do ministro da Justiça.

Tarcísio não apresenta dados, muito menos estudos que fundamentem sua tese. Essa proposta ocorre, por casualidade, justamente quando o ministro está para deixar a pasta para assumir sua candidatura ao governo de São Paulo. O que talvez explique sua pressa.

O caminhoneiro Jorge Matoso, que faz a rota São Paulo – Rio Grande do Norte, demonstra claramente que pensa diferente do Ministro Tarcísio de Freitas. Inclusive afirma nunca ter problema com a PRF.

ESPECIALISTA DIZ QUE MINISTRO PODE DECAPITAR PESSOAS

Diante das declarações, o Estradas foi ouvir um especialista no assunto, o engenheiro Antônio Celso Fonseca Arruda, mestre e doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que atua junto ao INMETRO na avaliação de dispositivos de retenção para crianças em veículos automotores, de berços infantis, de andadores, de carrinhos para bebês e de cadeiras de alimentação.

Segundo ele, a declaração do ministro Tarcísio de Freitas é insana. “Não fiscalizar a altura dos para-choques traseiros é uma medida ilegal. Trata-se de crime doloso, intenção de decapitar pessoas.”

Arruda também declarou: “Não discuto política, religião nem futebol, mas nas questões de trânsito estamos regredindo mais de duas décadas”.

O engenheiro é coordenador do Projeto Impacto, criado no início dos anos 2000, pelo engenheiro de Segurança, Luís Faber Otto Schmutzler (já falecido) com os seguintes objetivos:

  • projetar e testar para-choques laterais para caminhões
  • projetar e testar para-choques traseiros para ônibus; criar um campo de provas próprio, com o uso também de outros sistemas de testar impacto, baseado no princípio do pêndulo de grande massa.
  • divulgar constante e permanentemente o problema, suas implicações e dificuldades, participando de congressos nacionais e internacionais.
  • criar um canal de comunicações com a comunidade nacional e internacional, pela internet.

Arruda ressaltou que o projeto Impacto ganhou o prêmio Volvo de Segurança Veicular. “Nós fomos citados em artigos publicados em noves países. Nunca pensei que isso pudesse voltar para trás. Estou absolutamente chocado. Vou tomar as providências legais imediatamente.”

Filho morre com esposa embaixo do caminhão do pai

No dia 13 de janeiro, um filho colidiu na traseira do caminhão arqueado do pai, na BR-376 na região Metropolitana de Curitiba (PR). O rapaz, que também gostava dos caminhões levantados na traseira, morreu juntamente com a esposa.

Dias antes, o pai havia postado no Instagram um vídeo em que ficava evidente, ao contrário do alegou em entrevista na TV Record, que seu caminhão estava completamente fora do que determina a legislação. No vídeo, a situação real da traseira do caminhão, que é bem diferente da versão do caminhoneiro nas entrevistas.

 

A Polícia Rodoviária Federal, não somente neste caso como em vários outros confirmou os riscos desse tipo de caminhão e do efeito guilhotina, conforme apresentado por vários especialistas.

PERITO CONFIRMA OS RISCOS DOS CAMINHÕES ARQUEADOS

Rodrigo Kleinubing, perito engenheiro, que colaborou com normas do Contran que envolvem colisões de veículos pesados, também ficou surpreso com a interferência do ministro no tema. “O problema tinha sido controlado, com essas medidas estão criando o problema novamente e a negligência com relação as faixas refletivas ainda vai aumentar as colisões traseiras. “, explica Kleinubung que trabalho anos no Instituto de Criminalística do Rio Grande do Sul , focado no estudo de acidentes, em particular de veículos pesados. Em artigo publicado no nosso portal ele explica o que acontece quando o veículo entra embaixo de caminhão com traseira arqueada.

“Este fenômeno  é conhecido com underride (entrar por baixo) e ocorre pela maior altura da traseira dos caminhões em relação aos automóveis que trafegam em maiores velocidades e que em situação de frenagem tendem a baixar ainda mais a dianteira, desencadeando um efeito de cunha, de elevada gravidade, e resultando, muitas vezes, no efeito guilhotina, responsável por um considerável número de óbitos no trânsito. Soma-se a esses fatores a menor área de iluminação dos caminhões em relação aos automóveis, havendo maior incidência desta modalidade de colisão no período noturno.”

Notícias sobre caminhões arqueados “desaparecem” do site da PRF

No dia 14 de fevereiro, o Estradas postou matéria veiculada no site da Polícia Rodoviária Federal do Ceará. A superintendência produziu vídeo sobre os perigos dos caminhões arqueados.  De forma surpreendente, a matéria sumiu do site da PRF que foi nossa fonte. Embora menção a mesma notícia apareça em outro veículo, conforme link.

Na pesquisa que realizamos no site da PRF ao consultar a palavra arqueado não aparecem mais notícias sobre o tema. Ocorre que a PRF foi ouvida em numerosas matérias veiculadas sobre o tema no país e em todas elas condenou esse comportamento e alertou para os riscos. Há quem diga que, a cada caminhão que é levado para uma oficina para regularizar a traseira “some” uma notícia de caminhão arqueado no site da PRF.

PRF não desmentiu ministro

O Estradas entrou em contato com o Ministério da Justiça e da Infraestrutura, além da Direção-Geral da Polícia Rodoviária Federal e perguntou se os ministros e o diretor-geral se responsabilizariam por mortes que possam ocorrer em decorrência de alteração das normas ou relaxamento da fiscalização.

A resposta do Ministério da Infraestrutura, por meio de sua assessoria foi:

“A discussão sobre quais normas serão analisadas e possivelmente revogadas ocorrerá dentro do grupo de trabalho citado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que ainda será formado.Ressaltamos que o diálogo com transportadores de carga está no escopo de atuação do Ministério da Infraestrutura e que o ministro preside o Conselho Nacional de Trânsito (Contran).”

Por meio da assessoria de Comunicação, a PRF respondeu aos questionamentos da reportagem. Veja a posição da Corporação:

Ratificamos que a PRF cumpre a legislação em vigor e tem a função precípua, em suas fiscalizações, de preservar vidas. Ademais, informamos que a PRF e o Ministério da Infraestrutura estão juntos na defesa a vida e na promoção da segurança viária. Os dois órgãos em questão integram juntos um grupo de trabalho que visa a atualização e modernização das normas de trânsito vigentes, com o objetivo de identificar, avaliar e simplificar normativos adequando-os à atualidade.

Nota da redação

A PRF não desmentiu as declarações do ministro Tarcísio de Freitas, nas quais ele diz que iria acertar com o diretor-geral da PRF um relaxamento da fiscalização dos caminhões.

Entretanto, o ministro Tarcísio de Freitas diz textualmente, em entrevista de rádio, que combinou com o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (vídeo abaixo) o relaxamento da fiscalização dos caminhões com traseira alta. Mas admite que PRF não é responsabilidade do seu ministério, e sim do Ministro da Justiça, apesar de sua interferência evidente no caso. Mencionou ainda as faixas refletivas, outro item de segurança que pretende relaxar na fiscalização, ou melhor, “dar um tempo”.

Em 2017, o SOS Estradas realizou pesquisa sobre as faixas. Foram avaliados 506 veículos entre caminhões e ônibus, que estavam em pontos de parada de sete estados brasileiros. Todos os motoristas entrevistados foram a favor da utilização das faixas.

No caso dos ônibus, 90% estavam com as faixas em dia; já nos caminhões, a média caiu para 52%. Dos motoristas entrevistados, apenas 31% reconheceram que foram fiscalizados em algum momento pelas polícias rodoviárias federal e estaduais. Além da pesquisa, o SOS Estradas apresentou várias sugestões importantes para ampliar a utilização das faixas, intensificar a fiscalização e aprimorar a legislação.

No mesmo ano, o Observatório Nacional de Segurança Viária, que auxilia o Ministério da Infraestrutura em vários temas, fez campanha sobre a importância das faixas refletivas que agora o ministro pretende negligenciar.

Por meio de ilustrações, o material alertava para a necessidade de ser visto nas rodovias, lembrando que desrespeitar o uso da faixa é desrespeitar a vida. O folheto ressalta, ainda, que a visibilidade durante a noite é 95% menor que durante o dia, e que, sem o uso da faixa, é possível ver um caminhão a apenas 20 metros de distância, quando com a faixa é possível visualizá-lo a 200 metros. O material explica, ainda, que colisões traseiras e laterais representam 58% dos acidentes com veículos pesados nas rodovias brasileiras.

SOS Estradas condena mais essa medida absurda

O coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, afirma que essa é mais uma demonstração clara de que o governo não tem compromisso com a segurança viária. “Relançaram o PNATRANS, do qual participamos, para supostamente atender à Década de Segurança Viária. Na prática, em 2019, pela primeira vez desde 2011, tivemos aumento das mortes nas rodovias federais. O que continuou nos dois anos seguintes apesar da redução do tráfego pela pandemia do coronavírus. Agora, preocupado com sua candidatura e querendo agradar maus profissionais que falam muito com ele, o ministro vem com medida populista que desagrada a maioria dos caminhoneiros. Os profissionais da estrada sabem os riscos que representam os caminhões arqueados e a importância das faixas refletivas. Portanto, o ministro deve ter batido com a cabeça na traseira de caminhão arqueado e deixou de raciocinar politicamente ou é um completo irresponsável.”

Rizzotto espera que o diretor-geral da PRF não caia nessa armadilha, assim como demais membros do Contran. Inclusive porque poderão ser responsabilizados por mortes decorrentes de mudanças de normas ou negligência na fiscalização desses itens quando, em decorrência dessas medidas, ocorrerem óbitos e lesões graves.

“A violência no trânsito não pode ser politizada, pois não escolhe as vítimas por partido político, ela mata indistintamente. Mas o fato concreto é que esse governo não tem legitimidade para levar adiante um Plano Nacional de Redução de Acidentes. Aliás, é uma sucessão de governos ruins na gestão do trânsito. Além do mais, caso realmente desejasse atender os caminhoneiros o ministro deveria estar preocupado com as condições de trabalho desses profissionais e justa remuneração do frete”, acrescenta Rizzotto.

Na avaliação do SOS Estradas o ministro não está criando um grupo de trabalho e sim grupo da morte no trânsito!