A Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) organizou o 3º Seminário Internacional de Segurança do Trânsito para debater segurança viária. O evento contou com a participação de especialistas qualificados e bem-intencionados. Outros, no entanto, mais interessados em captar recursos públicos para promover seus interesses.
Ao que consta, foram 54 palestrantes em dois dias. Entretanto, como de costume, nenhuma vítima de trânsito ou representante de entidades que as defendem teve espaço para falar sobre as consequências reais da perda de um ente querido ou da luta diária de quem convive com a invalidez permanente.
Embora o objetivo declarado do evento fosse evitar novas vítimas, ironicamente, as que já existem não tiveram voz. É importante lembrar que os familiares das vítimas não aparecem nas estatísticas, mas também são vítimas.
A impressão é de que as autoridades evitam convidar vítimas por temerem o que elas possam expor sobre a inoperância ou incompetência dos responsáveis por minimizar essa tragédia diária.
Porém, as mesmas autoridades não perdem a oportunidade de aparecer nas fotografias, conceder entrevistas, postar mensagens nas redes sociais e capitalizar o tema em benefício próprio.
Nos dias que antecederam o “Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito” foi feito um levantamento nas páginas de praticamente todos os órgãos de trânsito, no qual se constatou o que já é habitual: quase nenhuma menção à data ou à organização de eventos em memória das vítimas. Salvo algumas postagens oportunistas nas redes sociais, a negligência e o esquecimento prevaleceram.
No Brasil, temos o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS), rebatizado e atualizado diversas vezes desde os anos 1990. A atual versão, como as anteriores, inclui propostas e ideias valiosas que, se implementadas, poderiam produzir resultados positivos.
No entanto, desde a criação do PNATRANS, na versão mais recente, os indicadores apontam para o aumento no número de mortes, o que escancara a distância entre as intenções e a realidade.
Medidas concretas, não seminários
Nossa sugestão para obter resultados efetivos é substituir seminários que garantem visibilidade para governantes e oportunidades de negócios para alguns por ações práticas e urgentes.
Por exemplo: por que a Senatran, através de seu secretário, não revoga a Resolução 798/20, que dificulta a fiscalização por radares móveis, praticamente inviabilizando sua utilização? A resolução contém absurdos como:
• Art. 3º, Inciso II: determina que o medidor de velocidade com registro de imagem, instalado em viatura estacionada, tripé, suporte fixo ou manual, seja usado “ostensivamente como controlador”, com limite mínimo de 60 km/h.
• Art. 7º, Parágrafo 2º: obriga os órgãos competentes a mapear e publicar em seus sites a relação de trechos aptos a fiscalização com equipamentos portáteis.
Contrariando o que é feito em todos os países que combatem com seriedade o abuso da velocidade, onde a fiscalização não é visível. Apenas o limite de velocidade do trecho. Na França, para citar um caso, veículos não identificados circulam pelas vias e rodovias registrando as infrações para as autoridades de trânsito.
Essa Resolução 798/20, que entrou em vigor no feriado de Finados de 2020, é uma afronta à sociedade e uma licença para o desrespeito às leis de trânsito. A Senatran tem pleno conhecimento do tema, mas permanece inerte.
Quando sugerimos aos coordenadores do PNATRANS, durante sua elaboração, a revogação da Resolução 798/20, ouvimos que o então presidente da República não permitiria. Infelizmente, o atual governo mantém a mesma postura, uma vez que seus representantes na área de segurança viária também nada fizeram a respeito.
A ausência das vítimas é inaceitável
Eventos como este seminário, que ignoram o protagonismo das vítimas, são inaceitáveis. Não se trata apenas de ouvir entidades representativas, mas de dar espaço a quem realmente vivenciou o drama da perda e as consequências da violência no trânsito.
Essas vozes precisam ser ouvidas, pois carregam a verdade nua e crua sobre o impacto humano dessa tragédia diária. Enquanto as vítimas forem silenciadas, continuaremos a perpetuar um ciclo de discursos vazios.
Rodolfo Rizzotto – Editor do Estradas
Triste realidade, infelizmente o Brasil esta na contra-mão dos direitos das vítimas de trânsito, começando pelo atendimento do socorro, que por muitas vezes as vítimas ficam agonizando a espera do resgate, feito o resgate, tem que contar com a sorte de ser atendido em uma unidade hospitalar que esteja com maquina de raio-x ou ressonância funcionando, o que raramente acontece, fazendo com que a vítima ocupe leito hospitalar por mais de 45 dias.
Brasil virou uma arena automotiva, salve-se quem puder, são milhares de mortos, amputados, e sequelados com limitações funcionais totais e parciais, gerando um alto custo para toda sociedade, e esta mesma sociedade que paga a conta do causador do acidente. Corroborando com esta matéria, recentemente pedimos a criação da “Frente Parlamentar em Defesa das Vítimas de Acidentes de Trânsito”, com objetivo de dar VOZ as vítimas no Congresso Nacional, esperamos ter apoio e participação dos atores que militam na defesa das vítimas de trânsito.
Sim, as vítimas de trânsito não têm voz! Suas realidades, marcadas por dor e superação, permanecem restritas ao círculo familiar e aos mais próximos. Há uma necessidade urgente de trazer esse tema para o centro das discussões, ampliando o entendimento sobre o conceito de “vítimas de trânsito” e alcançando não apenas os diretamente afetados, mas também os profissionais que atuam no socorro, acolhimento e prevenção.
O silêncio que envolve essas histórias é ensurdecedor, evidenciando a omissão da sociedade, a inércia do poder público e a ausência de ações concretas no legislativo e nas políticas de saúde. É preciso romper essa barreira e dar voz a quem, até agora, foi silenciado. Nós, que temos esse olhar e entendemos a relevância de dar voz as vítimas de trânsito precisamos construir essa pauta e dar visibilidade a essa realidade negada e negligenciada. A invisibilidade que envolve o pós-sinistros de trânsito é tão cruel quanto o próprio evento.
Muito bem definido, Janaina!