Mesmo com o Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit) afirmando que a BR- 356 (Itaperuna-Campos) não foi construída com a finalidade de servir de dique para proteger áreas habitadas das cheias do Rio Muriaé, isso acontece há décadas. Segundo autoridades de Campos e Cardoso Moreira, parte do traçado da rodovia no Norte Fluminense assumiu o papel de um antigo dique que existia no local antes que a estrada fosse construída. Na quinta-feira, um trecho da BR-356 cedeu na altura do bairro de Três Vendas, distrito de Campos, deixando quatro mil imóveis debaixo de dois metros de água. Esta foi a terceira fez que a BR-356 cedeu no Km 102 desde 2007. Para o secretário de Defesa Civil de Campos, Henrique Oliveira, o problema só pode ser explicado por falhas nos trabalhos de recuperação da via, a cargo do Dnit.

Além do Km 102, as cheias do Rio Muriaé invadiram as pistas na altura dos kms 96, 99, 110, 111, 112, 120, 121 e 125, mas até à noite de ontem não havia informações sobre novos rompimentos da via.

– De Campos a Itaperuna, a BR-356 tem a função de dique. Por baixo do trecho que se rompeu havia um sistema de comportas, executado pelo Dnit, para regular a passagem da água. O objetivo era justamente evitar o que aconteceu. Quando o Rio Muriaé subiu, esse sistema foi destruído. As águas chegaram rapidamente a Três Vendas – disse Henrique, ressaltando a precariedade da recuperação da via.

Dnit ainda não avaliou danos

Em Brasília, o Dnit não conseguiu confirmar a informação de que sob a estrada havia um antigo dique. E nem que a rodovia tivesse um sistema de comportas. De acordo com o Dnit, enquanto as águas não baixarem, também não será possível avaliar quanto precisará ser investido na recuperação da BR- 356. No ano passado, o trecho carioca da via recebeu uma boa avaliação da pesquisa anual da Confederação Nacional de Transportes (CNT) sobre as condições das estradas brasileiras. O estado geral da pista, sinalização e geometria foram avaliados como bons. Já o pavimento recebeu a avaliação máxima: ótimo.

Com a ressalva que não conhece o projeto da via, o engenheiro aposentado do DER Paulo Roberto Araújo explica que a construção de comportas ao longo de rodovias é uma boa solução para evitar enchentes em áreas habitadas:

– Para evitar isso, implanta-se um sistema grande de comportas em vários trechos. Se esse projeto for malfeito, a estrada pode não resistir.

Já Henrique Oliveira acrescentou que a prefeitura de Campos não considera o bairro de Três Vendas, situado abaixo do nível do rio, uma área de risco:

– A cidade tem 2.100 famílias em área de risco, mas não é o caso de Três Vendas. Se fosse assim, Campos inteira teria que ser reassentada, mas as cheias na cidade foram controladas com obras feitas já decadas. O sistema de comporta da estrada dava segurança a Três Vendas.

Ao contrário de outras cidades da região, Campos preferiu não decretar estado de emergência. A prefeita Rosinha Garotinho criticou a União:

– Mobilizamos nossa infraestrutura para tentar minimizar os efeitos dessa enchente que se repete em Três Vendas. Podemos fazer obras, mas a responsabilidade pelo aconteceu é do governo federal.

Inicialmente, o alagamento de Três Vendas foi atribuído ao rompimento do dique de Santa Bárbara, no município de Cardoso Moreira. No mês passado, vistorias constatavam que o dique estava com parte de sua estrutura comprometida, e foram iniciadas obras de recuperação. Na sexta-feira, o prefeito Gilson Nunes Siqueira esclareceu que o dique vazou em alguns determinados pontos. Segundo ele, as águas invadiram apenas Cardoso Moreira, não chegando a Campos. Autoridades desta cidade confirmam a versão de Gilson.

O secretário de Obras de Cardoso Moreira, Reginaldo dos Santos Moraes, calcula que pelo menos 40% do município foram atingidoa pelas águas que escaparam com o vazamento do dique.

– As águas também destruíram parte de uma estrada de terra que liga as regiões rurais de São Joaquim e Outeiro. Felizmente existem saídas alternativas e com isso as comunidades não ficarem isoladas. Agora, vamos esperar as águas baixarem para avaliar prejuízos e recuperar a estrada – disse o prefeito de Cardoso Moreira.

Emergência em seis cidades

Seis municípios da região estão em estado de emergência: Santo Antônio de Pádua, Itaperuna, Miracema, Laje do Muriaé, Italva e Cardoso Moreira. Os moradores das cidades tentam retomar a rotina, mas temem que a água volte a subir, já que existe previsão de chuva forte nos próximos dias em toda a Região Sudeste.

Em Santo Antônio de Pádua, que teve toda a área urbana invadida pelo Rio Pomba, a situação começou a voltar à normalidade na sexta-feira. Após três dias fechado, o comércio voltou a abrir. Mas, como temem que o rio volte a transbordar, moradores estão atentos. Moradora de um bairro de classe média, Irinéia Rodrigues diz não conseguir relaxar:

– Num piscar de olhos, a cidade é invadida pelas águas. Estamos em vigília. Muita gente foi dormir tranquila e acordou com a casa inundada.