O risco de morte no trânsito brasileiro é até 12 vezes maior do que nas ruas e rodovias de países ricos. O perigo diário que cerca os motoristas do país veio à tona com a divulgação de uma pesquisa inédita do Departamento de Transportes da Escola de En­­ge­­nharia de São Carlos, da Uni­­versidade de São Paulo (USP). Por meio de uma metodologia própria, pesquisadores levantaram o índice de mortes por bilhão de quilômetros percorridos no Brasil e estados, indicador que já é usado por países desenvolvidos e é considerado o mais apropriado para avaliar o risco de morte no trânsito.

O estudo, que levou em consideração o período entre 2004 e 2008, escancara a relação entre desenvolvimento econômico e mortalidade nas ruas e rodovias. Em 2008, o Brasil apresentou um índice de 55,9 mortes por bilhão de quilômetros, enquanto em países como Suécia, Alemanha e Estados Unidos a mesma taxa foi de 4,4, 6,0 e 7,1, respectivamente. A disparidade se repete dentro do próprio território brasileiro. Nesse caso, a fórmula é clara: quanto maior o PIB per capita do estado, menor é o risco real de morte no trânsito.
Ações práticas

Especialistas apontam cinco medidas para diminuir o número de acidentes de trânsito com mortes:

Aumento da fiscalização

Apesar de o país ter um Código de Trânsito considerado completo e eficaz, a deficiência de efetivo nos órgãos de fiscalização impede que as leis sejam efetivamente colocadas em prática. Um incremento de agentes nas ruas e rodovias poderia apertar o cerco contra motoristas imprudentes. “A legislação tem poder para atuar sobre os comportamentos. É o caso da Lei Seca. O problema é que, inegavelmente, o cumprimento dessa lei hoje é menor do que no início de sua implantação”, avalia a coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da UFPR, Iara Thielen.

Reciclagem dos motoristas

O coordenador de Educação para o Trânsito do Detran-PR, Juan Ramon Franco, defende que os cursos de reciclagem, obrigatórios para quem atinge 20 pontos na carteira de habilitação (CNH), deveriam ser também ministrados quando o condutor precisa renovar o documento. Outra alternativa seria oferecer o mesmo curso em ações educativas junto às comunidades, onde os motoristas poderiam receber as orientações num espaço de tempo maior, não precisando passar pela formação novamente caso atingissem a pontuação máxima na carteira.

Educação desde a infância

É preciso que a educação no trânsito seja tema de aulas e palestras desde o ensino fundamental, para que o processo de formação seja contínuo e abrangente, e não se limite somente aos momentos em que os futuros condutores buscam os centros de formação para retirar a carteira de habilitação.

Melhoria no sistema viário

O inspetor da Polícia Rodoviária Federal, Fabiano Moreno, garante que há uma relação direta entre a estrutura viária disponível e o número de acidentes com mortes. No Paraná, por exemplo, a maior parte das mortes nas rodovias surge de colisões frontais, justamente o tipo de acidente evitado com a duplicação de estradas. “Se você agregar à conscientização dos motoristas obras que diminuam o número de cruzamentos em nível, como viadutos, e proporcionem uma estrutura de segurança para pedestres e ciclistas, como passarelas e ciclovias, certamente conseguirá uma redução no número de mortes”, afirma.

Campanhas educativas frequentes

Tratar o tema da educação no trânsito dentro das escolas não exime órgãos e entidades de buscarem sensibilizar o público adulto, que já recebeu formação e dirige nas ruas diariamente. “Campanhas pontuais são necessárias. É preciso um movimento contínuo para lembrar às pessoas no trânsito que esse é um espaço de muito perigo”, defende Iara.

São Paulo, por exemplo, que fechou 2008 com um PIB per capita de R$ 24.458,88, registrou um índice de 35,8 mortes por bilhão de quilômetros percorridos – bem abaixo da média nacional. Já no Piauí, onde o PIB per capita foi de R$ 5.372,56, o índice de mortes por bilhão de quilômetro percorrido foi de 146,0.

“Isso mostra que a mortalidade no trânsito é reflexo não só de reforços financeiros diretos em prevenção, mas também de investimentos em educação, saúde, cultura e várias outras áreas que contribuem para uma formação global do cidadão”, avalia o engenheiro civil Jorge Tiabo Bastos, mestre em Engenharia de Transportes e autor da pesquisa.

Educação

Segundo o estudo Mapa da Violência, do Ministério da Justiça, o Brasil é o 10.º no ranking de mortes por número de acidentes. Em primeiro, vem a Venezuela, seguida de El Salvador, Rússia, Cazaquistão, San Marino, Belize, Bahamas, Bermudas e Ucrânia.

“Países mais desenvolvidos têm um conjunto de ações mais amplo voltado para o trânsito, com legislação mais ferrenha e programas específicos. Além disso, aliada ao desenvolvimento econômico, surge uma educação melhor, em sentido amplo”, analisa a coordenadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Uni­­versidade Federal do Pa­­raná (UFPR), Iara Thielen. “Nos Estados Unidos, se o pedestre coloca o pé na via, os carros param imediatamente. E isso ocorre há 30, 40 anos”, completa.

Fiscalização

Conforme o estudo da USP, entre 2004 e 2008 o Paraná contabilizou uma média de 75,27 mortes por bilhão de quilômetros percorridos, ficando em 14.º lugar no ranking de estados que mais tiveram vítimas fatais. O inspetor da Polícia Rodoviária Federal Fabiano Moreno defende que, antes de uma fiscalização mais acirrada, é preciso buscar alternativas que priorizem a conscientização do motorista. “Educação de trânsito começa quando o pai dá exemplo para o filho. A fiscalização só entra em cena quando outras etapas, como essa educação e a conscientização, falham”, afirma.

Além das vidas perdidas, os acidentes também custam aos cofres públicos do país aproximadamente R$ 187 milhões por ano. Em 2010, 145,9 mil pessoas, vítimas do trânsito, foram internadas e tiveram tratamento coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS).