AUMENTO DO RISCO: Pesagem do DNIT na BR-274, no Amazonas. Fotos: Divulgação

Câmara dos Deputados aprova aumento do peso no transporte rodoviário. Especialistas alertam que vão aumentar os acidentes e custo de manutenção das estradas

A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (1º/9) a Medida Provisória 1050/21, que aumenta de 10% para 12,5% a tolerância para o excesso de peso por eixo de ônibus de passageiros e de caminhões de carga sem aplicação de penalidades. A matéria será enviada ao Senado.

De acordo com o substitutivo do relator, deputado Vicentinho Júnior, os veículos ou combinações de veículos (carretas com reboques, por exemplo) de peso bruto total regulamentar igual ou inferior a 50 toneladas deverão ser fiscalizados apenas quanto aos limites de peso bruto total (PBT) ou de peso bruto total combinado (PBTC), que seria o caminhão mais o reboque, cuja tolerância fixada pela lei é de 5%. As mudanças são feitas na Lei 7.408/85.

“Geralmente a carga é disposta de maneira uniforme, mas acaba se deslocando durante o trajeto. Ao ser parado pela fiscalização, o caminhoneiro muitas vezes é surpreendido e multado. Não se pode fechar os olhos para o problema, e a MP traz importante avanço para o transporte de cargas, pondera o relator.”

O líder do partido Novo, deputado Paulo Ganime criticou a proposta. Segundo ele, embora no curto prazo possa ocorrer a redução no custo dos fretes, amplia-se os riscos à segurança devido aos eventuais danos nas estradas causados pelo excesso de peso dos caminhões. “Essa MP não é uma solução adequada”, disse.

Já os deputados Carlos Zaratini e Fernanda Melchionna defenderam a aprovação. Ambos disseram que o relator incorporou demandas dos caminhoneiros, que hoje enfrentam dificuldades na atividade devido aos recentes aumentos no preço do óleo diesel.

José Carlos Cassaniga, diretor-executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) também foi contra a MP e justifica: “A nova flexibilização de critérios de controle de peso, que resulta da MP, contribui para a redução das condições de segurança dos caminhoneiros e demais usuários. O sobrepeso acarretará desgaste prematuro da suspensão, pneus e freios dos caminhões, além de impactar diretamente situações de manobra e frenagem desses veículos.  Isso contribuirá para o aumento de riscos de acidentes.”

Para Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas, é mais uma medida sem sustentação técnica que coloca vidas em risco: “Infelizmente, essas propostas são muito mais fruto da demagogia política do que estudos sérios. Naturalmente são apoiadas por grupos econômicos que buscam o lucro imediato, sem preocupação com as consequências na perda de vidas. Os caminhoneiros são usados como cortina de fumaça para os verdadeiros lobistas desses projetos. E curiosamente, políticos do ideologias distintas se unem, mostrando que o lobby atua com os dois braços, direito e esquerdo.”

No texto original da MP, era permitido ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamentar o tema desde a edição da MP. Mas, o relatório de Vicentinho Júnior prevê que o excesso de peso dos veículos será regulado somente a partir do encerramento do prazo de vigência da lei, limitado a 30 de setembro de 2022. A MP original fixava a data em 30 de abril de 2022.

De acordo com a proposta, a regulamentação do Contran deverá considerar a diversidade da frota do transporte rodoviário de cargas em operação, contemplando os casos de dimensão de tolerância e de isenção na pesagem por eixo.

Segundo o governo, a mudança nos limites é uma reivindicação do setor de transporte rodoviário porque cerca de 43% das multas ocorrem nesse intervalo de tolerância entre 10% e 12,5%.

Riscos de acidentes

Enquanto o governo diz que a alteração nos limites de excesso de peso é uma reivindicação do setor de transporte rodoviário, especialistas em trânsito fazem um alerta: com a medida, certamente, haverá aumento no número de acidentes com feridos e mortes.

Segundo o perito criminal, especialista em acidentes (sinistros) de trânsito, Rodrigo Kleinübing, com essa nova medida, o pavimento das estradas vai ter uma deterioração muito maior, trará uma série de problemas com relação à vida útil da malha, que já é deteriorada e passa a sofrer uma carga maior.

“Essa tolerância maior vai resultar em estradas mais precárias e mais acidentes, porque alguns desses defeitos que aparecem tem nexo causal com os acidentes. Sem falar que sobrecarrega o veículo, porque passa a ter uma condição mais severa de utilização, que, por consequência, aumenta o custo de manutenção”, explica.

Ainda de acordo com Kleinübing, os motoristas que não tem cuidado com a manutenção passam a ter um veículo com condições de segurança mais precárias, e isso pode causar acidentes também. “Essa medida interfere tanto na condição do asfalto quanto na do veículo, porque um veículo com mais peso tem uma maior inércia, precisa de mais distância para poder parar; outro fator que aumenta também o risco de acidente”, pontua.

Na opinião do engenheiro Fábio Abritta Filho, CEO da Via Randon, essas liberações de tolerância sempre são feitas sem apresentar um estudo técnico que justifique. “O pavimento é dimensionado para uma carga. Por exemplo, um equipamento de pesagem – depois de aferido pelo Inmetro – tem uma tolerância máxima inferior a 2%, ou seja, quando se dá 12,5% de tolerância, libera-se ainda mais 10,5% de excesso, e isso reduz a vida do pavimento em até 25%. Quem vai pagar essa conta?”, questiona Abritta Filho.

Segundo ele, outro fator que precisa ser considerado é que com essa liberação de tolerância, todo mundo vai se ajustar para transportar esse acréscimo. “Há diversos exemplos que mostram que essa medida vai trazer prejuízo para os veículos, que não estão dimensionados para levar todo o limite da tolerância. Além disso, quando você dá tolerância, imediatamente reduz-se a quantidade de frete. O caminhoneiro vai ter menos frete porque, com essa medida, será permitido mais excesso de peso. E volto a frisar: isso coloca em risco toda toda a situação da mecânica do veículo, que  e não foi projetado pra isso.”

Ainda segundo Abritta, a não retenção do veículo irregular – que fica no critério e no bom senso de um agente de trânsito – é bem complicado. Isso vai depender do critério e do conceito de cada um. Então, se o veículo não se encontra em condições de transitar, como pode ser liberado esse veículo? Essa medida coloca em risco toda a segurança, e fica no critério de cada um. Isso é muito perigoso. Com certeza, essa é uma medida mais política do que técnica”, frisou.

CNT é contra

De acordo com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), o fato de os envolvidos no segmento (empresas e caminhoneiros) terem conhecimento da ineficiência na fiscalização rodoviária, acabou tornando-se cada vez mais comum, o sobrepeso, que traz consequências ao pavimento, ao caminhão e à sociedade.

Ainda de acordo com a CNT, o setor divulgou, em 2019, um informativo sobre as vantagens de não transportar com sobrepeso, que são: diminuição dos danos aos caminhões; redução do consumo de combustível; não gera danos ao pavimento; diminui o risco de acidentes; não gera multas; e ajusta melhor o mercado.

Outra consequência do excesso de peso seria a imposta aos veículos. Conforme citado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT), o excesso no peso bruto total (PBT), danifica eixo, freios, molas; há um aumento do risco de acidentes causados pelos danos aos equipamentos e componentes do veículo; prejudica o escoamento normal da via, por conta da menor velocidade de tráfego; e um dano as obras-de-arte, por serem dimensionadas para suportar um trem-tipo.

No estudo “Avaliação de impactos do excesso de peso no transporte rodoviário de cargas“, com a participação de vários especialistas, inclusive do Dnit, a conclusão é de que: “O excesso de peso por eixo aumenta a produtividade e os lucros da indústria do
transporte, mas por outro lado gera ônus para a sociedade, como a rápida deterioração dos
pavimentos, aumento de gastos na manutenção viária, além da insegurança nas viagens, causada pelo aumento no índice de acidentes.”

FISCALIZAÇÃO FALHA: Nas nossas precárias rodovias impera a falta de fiscalização e manutenção, criando condições para mais tragédias.

Segundo a CNT, os efeitos desse aumento do PBT e o transporte de carga com sobrepeso, sem o preparo ideal do pavimento, vão provocar sérios transtornos aos usuários. Por exemplo, veículos que transitam com 5% de sobrepeso nos eixos, danificam em mais de 20% o pavimento, isso significa que, para pavimentos dimensionados para ter uma vida útil de 10 anos, com tal sobrepeso, esse tempo cai para 7 anos.

Ainda segundo a Confederação, é de conhecimento de todos que as rodovias brasileiras ainda têm uma defasagem muito grande quanto à fiscalização de balança. Por isso, até que sejam resolvidos os problemas de infraestrutura e a aplicação de penalidades mais severas aos infratores, o país vai conviver com os mesmos problemas, arriscando casa vez mais, a vida dos usuários.

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