Veja a entrevista com o Juiz da Comarca de Cururupu, no Maranhão, Dr. Celso Serafim Junior, que determinou fiscalização rigorosa do Código de Trânsito para reduzir os acidentes, principalmente de motocicletas, e suas consequências. Ciente de que vai enfrentar resistência de parcela da população, o magistrado não abre mão de defender a vida e respeito ao CTB. Por incrível que pareça, essa é a realidade do Brasil, um juiz corre, em várias situações, risco de vida, apenas porque determina que se cumpram leis simples.
(Veja matéria anterior e a portaria: https://estradas.com.br/juiz-de-cidade-do-interior-do-maranhao-toma-decisao-inedita-em-relacao-as-motocicletas/ )

São esses brasileiros que mudam o país com atos. Não ficam no discurso fácil, não se omitem, enfrentam o problema com o objetivo maior que é salvar e preservar vidas.

Dr. Celso em palestra recente para jovens - Foto extraída do blog: ofolheto10.blogspot.com.br/
Dr. Celso em palestra recente para jovens – Foto extraída do blog: ofolheto10.blogspot.com.br/

1) O que motivou o senhor a publicar a portaria e determinar que as autoridades realizem blitz educativas de motociclistas e punam os infratores após 90 dias?

 
R. O dever de consciência oriundo da necessidade de se fazer algo para o bem-estar dos meus semelhantes diante da inércia de todos os demais legitimados, me sentiria envergonhado, como de fato me sinto, em constatar a situação omissiva e fazer coro, vistas grossas, perpetuando a cadeia de omissões como se nada ocorresse. Impele-me à ação saber no que desemboca o resultado da omissão dolosamente levada a efeito pelos órgãos instituídos quanto a observância das regras de trânsito: Qualidade de vida, pois há comprometimento da saúde, aumento da violência e dispêndio indevido de recursos públicos entre outros.
Exemplo frisante do descaso, por exemplo, se tem quando se constata que em época de eleição nos interiores se emporcalha uma cidade inteira com propaganda eleitoral irregular, pichando-se muros com cal, contendo nome de candidatos, mas nenhum legitimado tem coragem de pintar uma faixa de pedestres em frente a uma escola para a travessia segura das crianças.
Veja o seguinte vídeo e conclua por si, tal em verdade é a expressão do trânsito no interior do Maranhão em geral:
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/02/cidade-do-interior-do-maranhao-proibe-fiscalizacao-de-motociclistas.html
Assim, em podendo fazer algo, por menor que seja não posso dar continuidade a essa prática omissiva, uma vez que creio cegamente que um dia serei chamado a prestar contas e quero estar tranqüilo com minha consciência quando chegar este momento.

 
2) Após o prazo de 90 (noventa) dias quais as penalidades que infratores e autoridades poderão sofrer?

 
R. Dependerá da infração em concreto, se administrativa ou penal constante do Código Nacional de Trânsito, sendo certo que ocorrerão as blits. Quanto às autoridades administrativas difícil imputar uma prática delitiva concreta. Aqui na Comarca tramita uma ação civil pública recém distribuída em que o Ministério Público requer seja procedida a sinalização vertical e horizontal do município.

 
3) Na sua avaliação, qual o papel do Poder Judiciário na redução de acidentes de trânsito?

 
R. Em sua função clássica o judiciário teria atuação apenas repressiva, após a ocorrência dos ilícitos, o que contribui para a redução de acidentes devido o poder intimidatório, de prevenção geral, imposto aos demais cidadãos com a decisão judicial repressiva. Fora isso quando se tratar de adoção de políticas públicas através de ações coletivas ajuizadas pelos legitimados, notadamente o Ministério Público, cresce muito o papel do judiciário na medida em que pode determinar a adoção de práticas benéficas no trânsito, tais como ações para se exigir fiscalização ou sinalização.
Nas comarcas em que passei, quanto as ações de DPVAT, sempre perquiro ao autor, em seu depoimento pessoal, se o mesmo é habilitado, e, em não sendo quem lhe deu as chaves do veículo automotor, ao final, muito embora conceda o benefício, determino ao Sr. Delegado que proceda a inquérito para apurar crime deste sujeito que deu as chaves ao acidentado (art. 310, do CTB).

 
4) Qual a responsabilidade dos órgãos de trânsito e agentes fiscalizadores?

 
R. Enquanto integrantes do poder executivo é relevantíssima a atuação dos referidos órgãos e agentes para a ocorrência de um trânsito seguro, mesmo porque incumbe ao poder executivo o implemento das políticas públicas voltadas ao trânsito seguro, e, a atuação dos referidos órgãos e agentes é precipuamente preventiva. No entanto, como é corrente neste país, se vive uma crise não de legislação, mas, sim, de seu implemento, da realização em concreto da vontade geral e abstrata da lei, pois não há investimento voltado à concretização das atribuições dos órgãos ou da atuação dos agentes. Veja-se que até hoje não se implementou, na maioria dos municípios, a criação dos órgãos executivos de trânsito municipais, previstos no artigo 8º do Código de Trânsito, órgão com atribuições de fiscalizar as infrações de estacionamento, parada e circulação de veículos e que integrariam em tese o Sistema Nacional de Trânsito.
Em verdade não há interesse em se investir na atuação dos referidos órgãos e agentes, se tiver curiosidade, por exemplo, faça uma enquete dentro dos 217 (duzentos e dezessete) municípios maranhenses quantos dispõe de bafômetros, decibelímetros e radares, por exemplo. Indo além, observe afora a péssima qualidade das vias de tráfego, a sinalização das rodovias maranhenses, quase são inexistentes placas para orientar os motoristas.

 
5) O senhor mencionou que o comportamento no trânsito é um reflexo do nosso comportamento em sociedade. Poderia aprofundar essa colocação?

 
R. O trânsito é um ambiente por excelência democrático, pois ali se encontram no mesmo espaço de convivência ricos e pobres, cultos e iletrados, montéquios e capuletos, palmeirenses e corinthianos, afinal o ser humano é um ser eminentemente social e para a existência harmoniosa necessário se torna que haja respeito aos direitos e deveres individuais e coletivos, buscando-se a convivência harmônica. No âmbito individual nosso comportamento é o espelho de valores amealhados (sociais, morais, éticos, religiosos, etc) traduzindo-se esses valores nos preceitos legais de observância obrigatória por todos nós por expressarem a opinio comum da sociedade. Sendo a via pública um espaço de convivência uma vez não observados os padrões de conduta esperados e exigíveis só pode resultar em um trânsito violento e propenso a acidentes. De outro turno, o respeito às normas de trânsito implica em reconhecimento de um cidadão educado, ordeiro, socializado, e, em decorrência de uma sociedade estruturada.

 
6) Por que é tão difícil aplicar o Código de Trânsito no Brasil?

 
R. O primeiro fator, em municípios pobres e de cidadãos pouco instruídos creio que seja “eleitoreiro” pois em regra medidas de segurança no trânsito são medidas tidas por antipáticas vez que implicam diretamente em cerceio, de alguma forma, do cidadão, seja do seu livre arbítrio (como usar capacete, cinto de segurança, assento para criança, etc) ou mesmo econômico (dispêndio para tirar C.N.H, vistoria de veículo) gerando receio de perda de voto. É normal, por exemplo, no interior do Maranhão vereadores incorporarem as suas funções a liberação de veículos apreendidos junto às delegacias ou mesmo CIRETRANS, como se tal conduta não fosse verdadeiro ato de improbidade administrativa. Assim creio que essencialmente seja falta de interesse, o administrador público ainda não se conscientizou que é mais barato “prevenir do que remediar”, atuar preventivamente do que agir depois. Em Cururupu muitas vezes há a necessidade de se transportar via aérea acidentados de trânsito para hospitais em São Luis, acarretando custo altíssimo para o erário público. Vejo falta de compromisso com os verdadeiros valores sociais tais como a preservação da vida e da saúde em detrimento do desgaste da imagem do político.

 
7) Qual a reação o senhor espera da sociedade local e quais os desdobramentos possíveis no Estado?

 
R. Espero muita relutância e inconformismo em Cururupu pois o mau costume de desrespeito a legislação de trânsito é tão arraigado que o cidadão chega ao ponto de acreditar que ilegalidades geram direitos adquiridos, daí a ideia de um período de conscientização para, ao depois, tomar as medidas repressivas, é preciso primeiro educar para depois se exigir, ou, se preferir, separar o joio do trigo. Já enfrentei tal situação aqui quando disciplinei o funcionamento das casas de shows e bares, sofrendo inclusive ameaças de morte, não obstante, a firmeza na realização da medida reduziu drasticamente a ocorrência de crimes na comarca e trouxe de volta o sossego inerente ao período do repouso noturno. Já no Estado não sei precisar os desdobramentos na medida em que terei de esperar a reação política e jurídica das pessoas inclusive junto ao Tribunal de Justiça.