Falhas na aplicação da Lei Seca no Brasil reveladas em relatório do Governo
A PRF não possui equipamentos nem efetivo suficiente para realizar a fiscalização regular de motoristas alcoolizados Foto: Divulgação/PRF

O governo federal divulgou, no encerramento da Semana Nacional do Trânsito, o relatório intitulado “Lei Seca no Brasil – Panorama dos Últimos 15 Anos”. No entanto, o documento levanta questões preocupantes ao omitir detalhes cruciais sobre quem, de fato, foi penalizado pela lei.

O estudo elaborado pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) do Ministério dos Transportes (MT) revela que, nos últimos 15 anos de vigência da Lei Seca, o Brasil registrou uma média alarmante de apenas oito infrações por hora por dirigir sob o efeito de álcool, conforme os dados do sistema nacional de infrações de trânsito.

O relatório aponta 1.015.570 infrações do Art.165 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) por dirigir sob efeito de álcool, uma média de 186 por dia, equivalendo a menos de 8 infrações por hora.

Esse número é alarmante, especialmente ao considerar que são 8 infrações por hora em todo o território nacional, um país com 214 milhões de habitantes, dos quais quase 80 milhões são habilitados para dirigir.

Faltam informações sobre o total de motoristas que tiveram a CNH suspensa

É ainda mais preocupante que o documento não forneça informações sobre quantos condutores foram efetivamente penalizados, seja com multas ou com a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Esta omissão é inexplicável e levanta dúvidas sobre a eficácia da aplicação da Lei Seca no país.

Além disso, o relatório destaca que as infrações relacionadas à recusa de fazer o teste de alcoolemia (Art. 165-A) também são significativamente altas, com mais de 1,5 milhão de registros de infração no Registro Nacional de Infrações de Trânsito (Renainf).

Isso indica que há muitos casos de pessoas que se recusam a fazer o teste, demonstrando uma tendência preocupante de desrespeito à lei.

A situação é agravada pelo fato de que muitos condutores estão dispostos a correr o risco de serem multados e terem suas CNHs suspensas, sugerindo uma falta de dissuasão eficaz por parte da lei.

Apesar de o relatório apresentar dados estatísticos sobre a faixa etária e o sexo dos condutores envolvidos, a falta de informações sobre as penalidades efetivas mina a credibilidade da Lei Seca no Brasil.

Dois em cada três motoristas recusam fazer o teste

Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), responsável por praticamente 1/3 de todas as autuações de condutores alcoolizados no país, revelam que praticamente dois de cada três motoristas abordados recusam a fazer o teste.

Em 2019 a PRF flagrou 18.467 condutores dirigindo sob efeito de álcool e  36.327 se recusaram a fazer o teste, apesar da previsão de multa mais alta e suspensão de 12 meses da CNH.

No total foram 54.794 condutores, o que representa média de 150 por dia. Este número representa 1 flagrado pela PRF nessas condições (testado ou sob recusa) para 466 km de rodovias por dia.

Considerando que a PRF cuida de 70 mil quilômetros pavimentados pode ser considerado um número absolutamente inexpressivo, em que pese o esforço da corporação. Inclusive revela a necessidade de mais recursos para esse trabalho.

Exame Toxicológico: ferramenta mais eficiente que a Lei Seca

De acordo com o relatório divulgado pelo governo, aproximadamente 95% dos condutores flagrados nas operações da Lei Seca estavam dirigindo automóveis (78,73%) ou motocicletas (16,74%). Motoristas de veículos de carga representavam 3,8%, enquanto ônibus e veículos similares compunham apenas 0,3% dos casos.

Em 2019, o total de condutores flagrados nas operações da Lei Seca e habilitados nas categorias C (caminhões), D (ônibus) e E (carretas) foi de 296 para a categoria D e 2.894 para as categorias C e E combinadas.

Ao compararmos esses números com os motoristas das mesmas categorias que foram detectados positivos para drogas através do exame toxicológico de larga janela, obrigatório para essas categorias, encontramos 23.753 casos para a categoria D, o que representa 80 vezes mais do que os casos de alcoolemia. Para as categorias C e E, houve 15.820 casos de drogas, o equivalente a 5,5 vezes mais do que os casos de álcool.

É crucial notar que, no caso do exame toxicológico, os motoristas arcam com os custos do exame e podem escolher um dia conveniente para fazer o teste no laboratório. Além disso, o exame abrange substâncias ilícitas.

Em contraste, os motoristas alcoolizados são flagrados de surpresa, o que aumenta a probabilidade de testarem positivo nas operações da Lei Seca.

Esses dados destacam a eficácia do exame toxicológico como uma ferramenta mais robusta para detectar o uso de substâncias psicoativas por condutores, em comparação com a abordagem da Lei Seca, sugerindo a necessidade de reavaliação das estratégias de fiscalização e aplicação da lei no país.

Leia mais sobre o tema em:

Exame toxicológico revoluciona o controle dos motoristas que dirigem sob efeito de substâncias psicoativas

Exame toxicológico pode ter evitado que 3,6 milhões de usuários de drogas renovassem a CNH