Em 31 de dezembro, um caminhoneiro drogado tombou com a carreta sobre um carro matando três pessoas no Paraná Foto: Mídias sociais

Mais de 2,5 milhões de condutores das categorias C, D e E, habilitados a dirigir caminhões, ônibus e carretas, estão com o exame toxicológico vencido. Segundo dados do Ministério dos Transportes, obtidos com exclusividade pelo portal Estradas, eram 1,5 milhão em dezembro passado, e esse número atingiu os 2,5 milhões em abril.

Esse aumento de 70% em menos de cinco meses pode ser atribuído à impunidade garantida pela omissão ou conivência dos Detrans, que, em sua ampla maioria, não estão aplicando multas, tampouco suspendendo a CNH dos condutores dessas categorias pela ausência do exame toxicológico.

O que aumenta o risco dos usuários das rodovias e vias urbanas que precisam compartilhar o espaço com condutores potenciais usuários de drogas.

Os números representam cerca de 20% dos 11,5 milhões de motoristas habilitados nessas categorias. A fiscalização nas rodovias não tem capacidade para corrigir esse cenário. Inclusive, dados obtidos pelo portal indicam que, nas rodovias federais, apenas cerca de 1.000 motoristas são autuados mensalmente por não realizarem o exame.

Além de irrelevante frente à frota circulante, essas autuações resultam de ações pontuais e por amostragem. Na maioria dos estados, as polícias rodoviárias estaduais raramente aplicam esse tipo de multa. Em área urbana praticamente não existe fiscalização de motoristas profissionais. Grande parte deste contingente está dirigindo ônibus, vans e caminhões dentro das cidades

Já os Detrans têm, em seus sistemas, condições técnicas para bloquear a CNH dos condutores enquanto não apresentarem o laudo negativo para drogas. A SENATRAN, inclusive, já adotou todas as medidas necessárias para que os órgãos de trânsito possam realizar esse controle de forma automatizada.

Além dos 390 mil laudos positivos, há ainda o que especialistas chamam de “positividade escondida”, como explica Rodolfo Rizzotto, responsável pelo estudo “As Drogas e os Motoristas Profissionais”.

Ele esclarece que, em 2016 o Brasil contava com 13,2 milhões de condutores habilitados nas categorias C, D e E. Hoje, esse número caiu para 11,5 milhões, quando o esperado seria mais de 16 milhões.

“Esta é a positividade escondida. Motoristas que não comparecem para fazer o exame porque não vão passar. O exame revelou a ponta do iceberg neste setor. Não só do grau de exploração dos motoristas, que usam drogas para se manterem acordados, como também da mão de obra disponível para a logística do crime organizado. Afinal, quem usa drogas é muitas vezes cooptado pelo traficante para transportar drogas, armas, munição, escondidas na carga legalizada. A logística do crime organizado depende dessa gente.”

Estado de São Paulo quase dobrou número de motoristas com exame vencido

As regiões Sudeste e Sul são as mais negligentes quanto à fiscalização, segundo os dados. Mas os estados de São Paulo e Paraná apresentam números especialmente alarmantes. No estado de São Paulo, o número de motoristas com exame toxicológico vencido saltou de 436 mil em dezembro para 819 mil em abril — um aumento de praticamente 88% em menos de cinco meses.

O portal Estradas solicitou ao Detran de São Paulo esclarecimentos sobre os dados fornecidos pelo Ministério dos Transportes — leia-se Senatran —, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.

Também solicitamos a Secretaria de Segurança do estado como analisava tantos motoristas, potenciais usuários de drogas, sem nenhuma punição pelo Detran-SP. Até o momento da publicação desta matéria também não recebemos resposta.

A tabela publicada mostra os números referentes a 13 de dezembro de 2024, com motoristas das categorias C, D e E em situação irregular por não realizarem o exame toxicológico. Já os dados de 28 de abril revelam um aumento expressivo em menos de cinco meses. Por fim, é possível observar o crescimento absoluto e percentual em cada estado entre os dois períodos.

Sudeste13/12/202428/04/2025AumentoPercentual
ES37655611592350462,42
MG1278792239409606175,12
RJ984851716657318074,31
SP43593981922838328987,92
Total699958127599257603482,3

Fonte: Senatran e SOS Estradas – Toxicológicos vencidos entre dez 24 e abril de 25

No Paraná, os números percentuais são recordistas. Veja o quadro da região Sul.

Sul13/12/202428/04/2025AumentoPercentual
PR11282722063510780895.55%
RS730851321625907780.83%
SC789151316285271366.80%
Total26482748442521959882.92%

Fonte: Senatran e SOS Estradas – Toxicológicos vencidos entre dez 24 e abril de 25

A justificativa apresentada pelo Detran do Paraná é que não é possível processar as chamadas “multas de balcão”, previstas no artigo 165-D do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que foi regulamentado pelo Contran por meio da Resolução nº 1009/2024.

Diferentemente da multa prevista no artigo 165-B, que exige abordagem presencial, a não realização do exame toxicológico periódico permite que o Detran identifique automaticamente centenas de milhares de condutores com exame vencido, sem necessidade de fiscalização em campo.

Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas, esclarece: “Não se trata de infração leve, mas de condutor que não apresenta laudo obrigatório negativo para drogas e que dirige veículo pesado — verdadeiras armas de destruição em massa.”


Família morreu no Paraná em tombamento causado por caminhoneiro sob efeito de cocaína

No dia 31 de dezembro, uma família foi morta após ser esmagada por uma carreta bitrem que tombou sobre o carro de passeio em que estavam as três vítimas, na PR-340, no município de Ortigueira (PR). O caminhoneiro, de 41 anos, foi indiciado por três homicídios qualificados e por conduzir veículo sob efeito de substância psicoativa. (Foto em destaque na matéria)

De acordo com o inquérito, o motorista estava sob efeito de cocaína e trafegava a 75 km/h em uma curva sinalizada com limite de 40 km/h. Ainda segundo a Polícia Civil do Paraná, ele não comunicou às autoridades que havia outro veículo envolvido no sinistro. As vítimas só foram encontradas no dia seguinte, durante a remoção da carreta do local.

Outro caso semelhante ocorreu em 06 de abril de 2023, também no Paraná. Uma professora e seu filho morreram em uma colisão provocada por um caminhoneiro cujo exame toxicológico estava vencido há dois anos. O caso foi apurado com exclusividade pelo portal Estradas.com.br.

Vanessa e seu filho Pedro morreram em colisão causada por caminhoneiro com toxicológico vencido Foto: Arquivo familiar

Para Fernando Diniz, presidente da TrânsitoAmigo, entidade de apoio às vítimas do trânsito, trata-se de mais um caso dramático que reforça a necessidade de os órgãos de trânsito suspenderem a CNH daqueles que não estão com o exame toxicológico em dia.

“São vidas perdidas que poderiam ser poupadas caso as autoridades cumprissem sua obrigação. A morte dessas pessoas afeta para sempre a vida de muitas outras que não aparecem nas estatísticas, como o seu Lauro, pai da professora Vanessa e avô do Pedro, de apenas 7 anos.”

Exame vencido também nas demais regiões do país

Ao analisar as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, observa-se que a unidade da federação com maior percentual de aumento nos casos de exames toxicológicos vencidos é o Distrito Federal, com 70%. Em seguida, aparece o Amazonas, com 69% — um forte indício de que a situação é crítica até mesmo na capital da República.

Entretanto, os casos mais graves continuam concentrados nas regiões Sudeste e Sul, justamente aquelas que reúnem a maior parte dos caminhoneiros do país.

Norte13/12/202428/04/2025AumentoPercentual
AC50707642257250,73
AM1331322569925669,53
AP41476779263263,47
PA49129710732194444,67
RO2211231920980844,36
RR45176629211246,76
TO1568722072638540,7
Total1139751686845470948
Nordeste13/12/202428/04/2025AumentoPercentual
AL1237718160578346,72
BA64174943323015846,99
CE32556478501529446,98
MA25029403111528261,06
PB1717125998882751,41
PE59620825012288138,38
PI1430721216690948,29
RN1593022613668341,95
SE1270619101639550,33
Total25387037208211821246,56
Centro Oeste13/12/202428/04/2025AumentoPercentual
DF28004478551985170.89
GO68746986232987743.46
MT48961701462118543.27
MS29318398481053035.92
Total1750292564728144346.53

Fonte: Senatran e SOS Estradas – Exames toxicológicos vencidos entre dez 24 e abril de 25

Cocaína já representa 90% dos laudos positivos
Uso da droga é reflexo da exploração dos motoristas

Dados inéditos, obtidos com exclusividade pelo portal Estradas.com.br, revelam que a cocaína é a substância predominante nos exames toxicológicos positivos, representando cerca de 90% dos casos.

A análise por categoria lembrando as categorias:

  • Categoria C: motoristas habilitados a conduzir caminhões;

  • Categoria D: condutores de ônibus e veículos de transporte coletivo;

  • Categoria E: responsáveis por veículos articulados, como as carretas.

O uso da droga está diretamente relacionado às condições precárias de trabalho enfrentadas por muitos desses profissionais, que são frequentemente pressionados a cumprir longas jornadas sem descanso, recorrendo a substâncias como a cocaína para se manterem acordados — um risco grave à segurança nas estradas.

Droga predominante nos laudos positivos por categoria de CNH
Categoria CNHC %D %E %
Cocaína87,691,290,3
Opiáceos6,93,84
Anfetamina3,22,13
Maconha2,32,92,7
Fonte: Serpro  e SOS Estradas

Os resultados dos exames toxicológicos são introduzidos diretamente no sistema do Serpro pelos laboratórios credenciados. Já foram identificadas novas substâncias psicoativas, o que deve exigir uma atualização dos padrões atuais do exame.

É importante esclarecer que a maioria dos motoristas faz uso de drogas para suportar jornadas exaustivas. Essa prática é consequência direta da exploração por parte de maus transportadores e embarcadores (donos da carga), que pressionam os profissionais além dos limites humanos.

A tendência, segundo especialistas, é de que a situação piore. Isso porque há um movimento articulado no Congresso Nacional, com apoio de diversos senadores e parlamentares — inclusive da base do governo —, que tenta revogar decisões do STF. Em junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucionais os artigos que:

  • Permitiriam a condução ininterrupta por 72 horas por dois motoristas em sistema de revezamento, e

  • Consideravam como descanso legal o ato de dormir dentro do próprio veículo.

Também foi considerada inconstitucional a prática de fracionar o descanso obrigatório de 11 horas em dois períodos (por exemplo, 3 horas mais 8 horas).

Rodolfo Rizzotto, do SOS Estradas, explica o contexto atual:

“A reação dos maus embarcadores e maus transportadores, apoiados por sindicatos, é de que ninguém dorme 11 horas. Na prática, quando o caminhoneiro encerra o expediente, ele não vai dormir imediatamente. Primeiro, verifica a carga e o veículo. Depois, entra na fila do banho, prepara a janta, checa e-mails, fala com a família e, só então, após algum relaxamento, vai dormir. Pela manhã, acorda, vai ao banheiro, prepara o café, verifica novamente as condições da carga e do caminhão, e só então retoma a viagem. Portanto, ele não fica 11 horas dormindo. E menos ainda em uma cabine minúscula, com cama precária, onde dorme com um olho aberto e outro fechado por conta da insegurança que impera no país.”

Outra alegação usada contra o descanso de 11 horas é a falta de locais adequados para parar. Mas Rizzotto rebate: “Se não tem estrutura para parar 11 horas, também não teria para 8 horas. Então, ninguém poderia trabalhar no setor. Portanto, com a redução do descanso e omissão dos Detrans quanto ao toxicológico, o cenário é de aumento das tragédias envolvendo veículos pesados.”

“Caminhoneiro já foi profissão, hoje é escravidão”, diz um carreteiro

Segundo apuração do Estradas, o principal objetivo do movimento contra as 11 horas de descanso é aumentar a jornada dos motoristas para acelerar a entrega das cargas. Um caminhoneiro com 35 anos de estrada, que preferiu não se identificar, relatou:

“O nosso problema é a má remuneração, frete baixo e o tempo parado esperando para carregar e descarregar. Ninguém quer falar disso porque, quando reclama, corre o risco de não carregar mais para aquela empresa. Aí querem tirar nosso descanso de 11 horas para garantir que a carga chegue mais rápido. E tem muita gente no trecho que apela para as drogas para aguentar o tranco. Caminhoneiro já foi profissão, hoje é escravidão. Os sindicatos, que deviam nos defender, cuidam é dos interesses dos seus presidentes. São pelegos.”

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