PERIGO NA ESTRADA: Caminhão novo Scania saiu da fábrica sem placa, sem registro de Renavam e nota fiscal, e acabou envolvido em acidente com motociclista na BR-277, no Paraná. Foto: Grupo BR277

Caminhões novos e sem placa, transportados de forma perigosa por algumas montadoras, continuam colocando vidas em risco 

Um acidente (sinistro) na altura do km 111 da BR-277, no trecho do Parque do Mate,  no Paraná, envolvendo um cavalo mecânico Scania, 0km, e uma motocicleta, deixou o motociclista ferido nessa quarta-feira (25). Inicialmente, o Estradas tomou conhecimento por meio do Grupo BR-277 no Instagram, dedicado ao Paraná.

Ao identificar o caso, a reportagem entrou em contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e, apurou que o veículo 0km, além de não ter placa, não consta número do Renavam e sequer tinha nota fiscal. A única informação disponível era do chassis. Outra constatação da reportagem é que o “cavalinho” não tem cronotacógrafo em operação – equipamento obrigatório para esse tipo de veículo que permite identificar velocidade praticada, distância percorrida e tempo de condução. Quanto ao motociclista e causas do sinistro, não foi possível ainda levantar mais informações, apenas que não corria risco de morte.

O Estradas confirmou ainda que dentro do Scania tinham dois condutores devidamente habilitados. Como deveriam estar viajando desde São Bernardo (SP), onde está a fábrica da Scania, já teriam rodado aproximadamente 500 quilômetros, o que já justificaria dois motoristas e, possivelmente, viajavam em direção à fronteira com o Paraguai.

Diante disso, o Estradas manteve contato com a Scania nessa quinta-feira (26) pela manhã para confirmar se o “cavalinho”, ainda pertence à empresa e qual o seu destino de fato. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Scania respondeu aos questionamentos, no fim da tarde desta sexta-feira (27). Veja a posição da empresa:

A Scania tomou ciência do ocorrido e informa que trata-se de um caminhão da marca destinado à concessionária Scania que adquiriu o veículo, com registro no Renavam e nota fiscal emitida no dia 29 de dezembro de 2022, possuindo todos os documentos necessários para o transporte até seu destino de forma correta e legal.

Esclarece que, a partir da sua Unidade de Produção em São Bernardo do Campo/SP, são fabricados todos os produtos para entrega no Brasil e para exportação. A empresa é responsável pela entrega desses produtos e, independentemente da opção contratada, seja rodando (a mais comum) ou em prancha, preza por cumprir critérios com seus fornecedores de segurança, qualidade e cuidado com o meio ambiente, sempre em linha com as normas e legislações vigentes e em acordo com as políticas da Scania. A empresa também orienta seus fornecedores a realizar constantes treinamentos com os motoristas contratados para realizar este tipo de serviço e manter os mais altos níveis de segurança em todo o processo.

Ainda, lamenta o incidente e se solidariza com os envolvidos, reforçando que a marca preza por processos corretos, zero acidente e com segurança e qualidade como focos principais.

Nota da redação: No dia 25, não constava o Renavam do veículo. No dia 26, às 10h, essa informação foi confirmada pelo Estradas com outra fonte. Portanto, está sendo verificado novamente, mas, até prova em contrário, continua acreditando na informação obtida pela reportagem.

O Estradas também manteve contato com a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) para saber se esse tipo de transporte é legal, se tem amparo em alguma Resolução do Contran.

Segundo a Senatran, a regulamentação que trata sobre o registro e circulação de veículos é da recente Resolução 911/2022 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que prevê o seguinte: Art. 4º Os veículos novos, inclusive inacabados, nacionais ou importados, antes do registro e do licenciamento, destinados ao cliente final, para transitar em vias públicas devem portar obrigatoriamente o Documento Auxiliar de Nota Fiscal Eletrônica (DANFe) ou do documento alfandegário, conforme o caso.

Fica evidente que nem sempre as normas são respeitadas, ainda que exista um afrouxamento generalizado nas leis e fiscalização que favorece montadoras, como Scania, Volvo e Mercedes-Benz, que utilizam motoristas para levar os caminhões novos, ao invés de caminhões-prancha como fazem na Europa. O Estradas já abordou o tema e mostrou os riscos. Veja na matéria : O transporte perigoso de caminhões novos coloca vidas em risco nas estradas.

Numa outra ocasião, em 2022, a reportagem fez contato com a Scania em função de outro sinistro de trânsito com caminhão novo da empresa, no qual a caminhoneira sobreviveu ‘por milagre’, tendo apenas uma fratura.

À época, a Scania admitiu, por meio de sua assessoria, que tinha conhecimento do fato e afirmou: “A Scania teve conhecimento de um acidente sem vítimas (grifo nosso)…”. O estado do veículo, conforme foto abaixo, revela que a Scania sabia que a condutora não ficou ilesa e jamais poderia ser considerado um acidente sem vítimas.

PERNA FRATURADA: Caminhoneira fraturou uma perna ao colidir o cavalo mecânico com uma carreta, mas a montadora Scania informou que o acidente não teve vítima. Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros Voluntários de Concórdia

Outro caso revelado pelo Estradas com a Mercedes-Benz

Com a tolerância do Contran e de parte das autoridades, é cada vez mais comum ver caminhões novos, os chamados “caminhão-trator” ou “cavalos mecânicos”, ainda sem emplacamento, cronotacógrafo e, em alguns casos, sem nota fiscal, circulando por centenas e até milhares de quilômetros nas nossas estradas absolutamente irregulares e impunes. E ainda entregam para o cliente final dizendo que o veículo é 0KM.

Logo depois do caso da colisão da caminhoneira que dirigia o “cavalinho” da Scania, O Estradas recebeu vários vídeos com caminhões novos rodando nas mesmas condições, alguns em excesso de velocidade, como o caso emblemático de veículos da Mercedes-Benz, objeto da matéria: Caminhões novos da Mercedes são flagrados em excesso de velocidade na Via Anchieta (SP-150).

Neste caso, diferente da concorrente Scania, a Mercedes-Benz reconheceu o problema e disse que tomaria providências quanto ao excesso de velocidade. Entretanto, pelas informações que o Estradas obtive, a montadora alemã continua utilizando motoristas para levar caminhões novos, diferente do padrão mais seguro que adota na Europa.

Esperando uma tragédia para usar o padrão europeu

Na avaliação de Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas e fundador de entidade de vítimas de trânsito, as montadoras que usam esse sistema de transporte parece que estão esperando acontecer um sinistro com várias mortes para tomarem providências.

Infelizmente, muitas multinacionais tratam a vida dos brasileiros como de cidadãos de segunda classe. Por que não adotam aqui o mesmo padrão de segurança que utilizam nos seus países? Parece que esperam uma tragédia para mudar.

Rizzotto lembra ainda que condutores que dirigem veículos sem placa podem andar a qualquer velocidade, cometer todo tipo de infração e até matar, sem serem identificados. “Um motorista num caminhão desses pode atropelar uma pessoa e jamais será identificado. Depois basta lavar a carroceria, tirar o sangue e ficar impune. É preciso que veículos novos sejam transportados em caminhões preparados para isso, com condutor treinado e com veículos que possam ser identificados. Caso contrário, a impunidade está garantida.