
Ao passar pela avaliação médica, muitos motoristas não reagem bem quando são reprovados. Em alguns casos, tentam subornar e até ameaçam profissionais das clínicas
O médico do tráfego, Alysson Coimbra, realizava atendimentos de rotina, nessa segunda-feira (10) em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG). Como de hábito, ele saiu do consultório para buscar o próximo motorista na sala de espera, aproveitando para observar comportamentos incompatíveis com as informações fornecidas na ficha de atendimento.
Naquele momento, ele percebeu que um senhor, candidato a renovar a sua CNH, preencheu a ficha com dados incompatíveis com seu comportamento. Ele negou, na entrevista escrita, possuir doenças ou utilizar medicação, mas a experiência do médico indicava vários sinais em contrário.
Educadamente, o dr. Coimbra explicou que seria necessária uma avaliação psiquiátrica para renovar a CNH. O motorista ficou contrariado e tentou suborná-lo e, neste momento, o médico começou a gravar a conversa. Ao final, em clima de tensão, o motorista ameaçou o médico, dizendo que mandaria seus sobrinhos “capinarem ele” e mencionou a organização criminosa PCC.
Segundo o dr. Coimbra, não é a primeira vez que isso ocorre, e outros colegas já passaram por situação semelhante. No caso dessa segunda-feira (10), ele registrou o ocorrido na Polícia Civil. Durante a pandemia ocorreu outro caso, após a solicitação de um laudo psiquiátrico para um portador de esquizofrenia.
Como atua o médico do tráfego
Alysson Coimbra é médico do tráfego e coordenador nacional da Mobilização de Médicos e Psicólogos Especialistas em Tráfego. Ele explicou sobre a atuação do médico de tráfego:
“A medicina do tráfego começa muito antes de dentro do consultório. Já na sala de espera, é possível fazer inúmeras avaliações do condutor através da ectoscopia, que é a impressão visual sobre a pessoa. Quando a ficha de atendimento é encaminhada para o médico, informações preliminares são fundamentais, como a forma da grafia, padrão de escrita e até dados sobre a alfabetização. Quando o paciente é convocado para a perícia, o exame começa oficialmente com a ectoscopia dos aspectos físicos principais, marcha, coordenação e apresentação facial, fornecendo inúmeras informações antes mesmo de a avaliação inicial começar.”
Ele detalhou o caso do condutor que tentou suborná-lo:
“No caso específico desse condutor, a primeira impressão da ficha de avaliação já mostrava traços possivelmente relacionados a problemas de coordenação motora, comuns em síndromes cerebelares, problemas neurológicos, dependências químicas e alcoólicas. Ao convocá-lo para a sala pericial, a dificuldade motora era evidente, com marcha arrastada e incoordenação dos membros. Além disso, o documento de identificação era uma CNH antiga e expirada há muito tempo, sugerindo possíveis problemas de saúde ou apreensão de documentos anteriores. Ficou claro que o condutor omitia informações cruciais para sua segurança e a de outros no trânsito.”
Outro caso grave ocorreu no Triângulo Mineiro
Em 6 de junho, um condutor, após a segunda reprovação na avaliação psicológica, teve um acesso de fúria e destruiu o espaço destinado à captura de fotos, biometria e assinatura, danificando equipamentos e sendo contido por outros usuários.
O dr. Coimbra alerta que nas clínicas há muitos profissionais do sexo feminino, e essas intimidações estão se tornando mais frequentes. Nem sempre é possível controlar a situação.
Para o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, é fundamental que as autoridades tomem providências e entendam a importância de qualificar e proteger quem atende os motoristas. “Neste caso, o dr. Coimbra foi muito habilidoso e seguiu rigidamente o protocolo. No entanto, a situação revela que muitos motoristas estão dirigindo sem condições psicológicas adequadas e deveriam estar em tratamento. Além disso, é preciso punir exemplarmente quem coloca em risco a segurança dos profissionais das clínicas.”
O doutor Alysson Coimbra ainda acrescenta: “O trânsito foi o espaço coletivo mais afetado nesse pós-pandemia, e não podemos negligenciar o impacto dos problemas da saúde mental e psicológica como agentes potencializadores dos sinistros e mortes evitáveis no trânsito.”
Neste sentido, o Estradas.com.br alerta que, conforme a Senatran reconheceu, mais de 3 milhões de condutores das categorias C, D e E, não fizeram o exame toxicológico. O uso de drogas é uma das principais causas de doenças graves que afetam a capacidade de dirigir com segurança. Infelizmente, alguns Detrans estão tentando não multar motoristas que não cumprem obrigação legal para controle de uso de drogas.
Rizzotto destaca que essa situação é extremamente grave e aponta indícios de prevaricação, os quais precisam ser acompanhados de perto pelo Ministério Público. “Quando um motorista não apresenta o laudo obrigatório e negativo para drogas, e o o responsável pelo Detran não aplica as punições previstas em lei, ele deve explicações à sociedade e assume a responsabilidade no caso de uma tragédia.”
“Distúrbios psiquiátricos não diagnosticados ou tratados são uma das principais portas de entrada para o consumo de drogas nas estradas e rodovias do país. Uma política de sucesso deve incluir obrigatoriamente a avaliação psicológica para esses condutores”, finaliza Coimbra.
O Estradas.com.br já identificou o condutor e acompanhará o caso na Polícia Civil da cidade.
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