Motorista admite uso de drogas, assina TCO e a PRF é obrigada a liberar para continuar a viagem Foto: Divulgação/PRF-BA

Em pleno domingo de carnaval, a PRF da Bahia, numa fiscalização de rotina com três equipes diferentes, flagrou três caminhoneiros dirigindo mais horas do que a lei permite e com porte de drogas.

Todos admitiram o uso, sendo que um deles, abordado por volta das 12h em Paulo Afonso, no km 2 da BR-110, tinha maconha, anfetamina e cocaína. Nas três ocorrências, a PRF lavrou Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e encaminhou o documento ao Juizado Especial Criminal.

Conforme determina a lei, a droga foi recolhida, mas os condutores puderam voltar para a estrada, dirigindo o mesmo veículo, após cumprirem o descanso obrigatório. A PRF, assim como outros agentes de trânsito, nada podem fazer já devido aos limites legais da legislação em vigor. Os condutores responderão pelo artigo 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) que não os impede de dirigir.

A única autuação, no caso de  admitirem o uso de drogas, seria o exame toxicológico vencido. Neste caso, seriam autuados em R$1.467,35. O exame periódico vencido também enseja na chamada multa de balcão no mesmo valor. Como até agora sequer foi regulamentada, a impunidade persiste nos dois casos. Devido ao adiamento da fiscalização e da multa de balcão.

Determinado no dia 26 de janeiro pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, por meio do seu secretário nacional de Trânsito, Adrualdo de Lima Catão, o qual justificou o adiamento com a seguinte frase: “Para não prejudicar os motoristas de boa-fé, decidimos oferecer mais esse período de regularização…”

No caso dos três condutores citados, se estiverem com o exame toxicológico vencido, o que não foi possível saber, não podem ser autuados devido a mais um adiamento da fiscalização do exame toxicológico periódico. Inclusive o que portava cocaína, maconha e rebite.

Portanto, o governo abriu mão mais uma vez do único instrumento que possui de controle do uso de drogas por motoristas profissionais. Os sucessivos adiamentos podem ser interpretados como busca de uma alternativa para não punir ninguém.

Caminhoneiro autuado por uso de drogas matou 4 pessoas na Dutra (BR-116/SP)

No dia 15 de janeiro, no início da Via Dutra (BR-116), em São Paulo (SP), um caminhoneiro provocou a morte de três pessoas da mesma família ao esmagar o veículo em que  elas estavam.

A vítima que sobreviveu, perdeu o filho, enteado e pai no local. Poucos dias depois, faleceu a esposa. O motorista da carreta foi autuado por excesso de jornada e uso de drogas, conforme o Estradas.com.br comprovou. Ele alegou ter dormido ao volante e inclusive cochilou na delegacia.

Caminhoneiro com 263 comprimidos de rebite foi liberado para seguir viagem

Em outro caso ocorrido na BR-101, na Bahia, em setembro do ano passado, a PRF flagrou outro caminhoneiro com 263 comprimidos de “rebite”. O motorista alegou que era para uso próprio, apesar da quantidade de 263 comprimidos.

Naturalmente, a PRF seguiu o que a legislação determina, recolheu a droga mas foi obrigada a deixar o caminhoneiro pegar a estrada novamente. Questionada sobre a situação inacreditável, principalmente pela quantidade e alegação de que seria tudo para uso próprio, a PRF respondeu em nota:

“Não cabe à Polícia Rodoviária Federal determinar se a quantidade de ilícito encontrado em eventual abordagem ou fiscalização é para consumo próprio ou finalidade diversa. Por sua natureza de polícia administrativa, no momento da fiscalização, cabe à PRF identificar o ilícito e, nos seus registros, apontar a quantidade encontrada, além de outras informações referentes à situação, com posterior encaminhamento da ocorrência à polícia judiciária (polícias civil e federal).”

Caminhoneiro alcoolizado e usando cocaína mata cinco da mesma família

No final de novembro passado, outro caminhoneiro portando cocaína e comprovadamente alcoolizado matou cinco pessoas de uma mesma família na PA-411, sendo 4 carbonizadas, ao colidir na traseira do carro, quando este reduziu a velocidade numa lombada física.

Justiça solta caminhoneiro que matou 5 pessoas da mesma família na PA-411
REVOLTA: Justiça solta caminhoneiro que matou 5 pessoas da mesma família na PA-411, dirigia embriagado e drogado Foto: Reprodução/Redes Sociais

Outra aberração das rodovias brasileiras que tem causado muitas mortes como essa. O caminhoneiro já tinha sido flagrado dirigindo alcoolizado no passado mas continuava com a habilitação. Ele foi solto pode decisão judicial, revoltando a população onde viviam as vítimas no Pará.

Professora e seu filho morrem em colisão com motorista com exame vencido

Em 6 de abril do ano passado (2023), a professora Vanessa (37) e seu filho Pedro (7) morreram quando um caminhoneiro, com veículo totalmente irregular e vários problemas de manutenção, colidiu com vários veículos e só parou no carro dela.

Também com exclusividade, o Estradas.com.br apurou que o veículo sequer poderia estar circulando e que o motorista estava com o exame toxicológico vencido e dirigia nesta condição por dois anos, graças a garantia de impunidade.

Assim como hoje, a fiscalização do exame estava proibida por Medida Provisória 1153 publicada em 29 de dezembro de 2022, pelo então presidente Jair Bolsonaro. A situação continua a mesma, já que no atual governo do presidente Lula, também está proibida a fiscalização por adiamento do ministro dos Transportes, Renan Filho.

Pelo que foi aprovado no Congresso, a fiscalização deveria iniciar em dezembro de 2023, foi adiada para 28 de janeiro de 2024 e no dia 26 de janeiro postergada para maio de 2024.

A justificativa do secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, conforme mencionamos no início desta matéria, indica que a tendência é sempre beneficiar quem não cumpre a lei. Relembrando, na ocasião, ele afirmou: “Para não prejudicar os motoristas de boa-fé, decidimos oferecer mais esse período de regularização….”

Fica evidente que as autoridades do governo, tanto deste quanto do anterior, não compreenderam que a maioria dos motoristas profissionais que usam drogas o faz para se manter acordada. Portanto, sofrem com a exploração tanto dos donos da carga quanto das empresas.

Ao mesmo tempo, competem de forma desleal com aqueles que trabalham corretamente e não aceitam colocar sua vida e a de terceiros em risco. Estes, sim, agem de boa-fé, cumprindo os prazos e a legislação vigente.

O adiamento da fiscalização do exame ainda provoca mortes e beneficia o crime organizado. Postergam a fiscalização, mas contribuem para mais mortes. Neste sentido, as autoridades assumem em parte responsabilidade das mortes que ocorrerem pela falta de fiscalização e punição.

Caminhoneiro drogado que matou esposa de motociclista estava com a CNH válida 12 meses depois

A falta de controle sobre o uso de drogas por motoristas em geral, quanto mais profissionais, ficou evidente num caso na BR-101 em Santa Catarina. Um caminhoneiro sob efeito de cocaína arrastou um motociclista por 32 quilômetros.

Autuado por uso de drogas e preso, caminhoneiro matou mas continuava com a CNH válida 1 anos depois

Na colisão em que a moto ficou presa no para-choque da carreta, a esposa do motociclista caiu e faleceu. O Estradas.com.br apurou com exclusividade na ocasião que, apesar de preso, autuado por dirigir sob efeito de drogas, além de outras infrações, passado 1 ano do crime, o caminhoneiro continuava com a CNH válida.

O Detran-RS, onde ele obteve a CNH, não tinha suspendido a mesma e sequer recurso ele tinha condições de apresentar, porque estava na prisão. Caso tivesse obtido um habeas corpus, o caminhoneiro poderia assumir o volante de outra carreta e seguir dirigindo normalmente. Felizmente, em júri popular, ele foi condenado a 14 anos de prisão.

Motoristas de ônibus também dirigem com exame vencido

Em junho de 2023, o Estradas.com.br divulgou inúmeros casos de irregularidades praticadas por empresas de ônibus, intitulada: ANTT e Artesp toleram viagens que colocam em risco a segurança dos passageiros.

Na ocasião, foi possível apurar que mesmo motoristas de empresas conhecidas nacionalmente dirigiam com exame toxicológico vencido. Um deles foi autuado no dia 20 de novembro de 2022, no km 439 da BR-116, no trecho paulista, por conduzir veículo em rota federal com exame toxicológico vencido.

A multa de R$1.467,35 foi paga com desconto e saiu por R$1.173,88. Naquela ocasião, era possível autuar pela falta do exame. Entretanto, 39 dias depois, Medida Provisória do então presidente adiava a fiscalização e punição para junho de 2025. Felizmente, essa medida foi derrubada pelo Congresso com nova legislação. Apesar disso, o atual governo também passou a adiar a fiscalização com protelações, como já mencionado.

SOS Estradas apresenta solução para o problema

Ao identificar situações absurdas como as relatadas nesta matéria, o SOS Estradas – Programa de Segurança nas Estradas do portal vai levar ao Congresso algumas sugestões que podem ser transformadas em lei e evitar que situações absurdas como essas persistam.

A primeira medida simples é que nenhum condutor, não importa o tipo de veículo, possa continuar dirigindo quando forem encontradas drogas no interior do mesmo. Ele deverá apresentar um motorista habilitado para seguir viagem. Impedindo assim que, como ocorre hoje, apenas assine um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), assuma o compromisso de se apresentar à Justiça quando convocado e possa seguir viagem dirigindo normalmente.

“Estamos desmoralizando os agentes de trânsito com a atual interpretação da norma e colocando vidas em risco. Hoje em dia, o PRF, por exemplo, aborda um caminhoneiro com centenas de comprimidos de ‘rebite’, pinos de cocaína e maconha e ele alega ser para uso próprio, assina o TCO e depois pode assumir o volante de uma carreta e pegar a estrada como se nada tivesse acontecido. Existem ainda motoristas que trabalham transportando cargas e passageiros que são traficantes. Fazem uso da droga mas também vendem. Portanto, são duplamente perigosos. Por isso encontramos por vezes motoristas profissionais com centenas de comprimidos de rebite ou pinos de cocaína”, esclarece Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas.

Ele enfatiza ainda que esse princípio deve ser aplicado ao condutor de qualquer espécie de veículo, seja uma moto, carro, ônibus ou caminhão. E que não é preciso nenhum teste com “drogômetro” ou equivalente. Está com drogas ou é traficante ou dirige sob efeito.

Outra sugestão é que motorista com exame toxicológico vencido ou laudo positivo no sistema também não possa seguir dirigindo e precise apresentar um condutor habilitado para fazê-lo. Essa medida tende a desestimular os donos da carga, no caso dos caminhoneiros, ou dos ônibus, de permitir que motorista com toxicológico vencido possa transportar carga ou pessoas.

Rizzotto acrescenta que “hoje, quem explora o motorista exigindo dele jornadas absurdas, que muitas vezes estimulam o uso de drogas para suportarem muitas horas acordados, não sofrem nenhum tipo de prejuízo porque o condutor só precisa assinar o TCO e seguir em frente. Com a carga parada na pista ou com os passageiros no ônibus, ele terá que encontrar uma solução e sofrerá as consequências.”

O SOS Estradas defende ainda que o condutor que assumir o volante deverá conduzir até o destino informado ao agente de trânsito. Caso ele dirija uma pequena distância e entregue o volante ao condutor que dirigia com drogas ou exame vencido, ele será penalizado.