
No dia 5 de abril, véspera da Sexta-Feira Santa, a professora Vanessa Kubaski Maciel e seu filho Pedro estavam na estrada viajando para curtir o feriado. Em poucos segundos tudo acabou quando uma carreta, em alta velocidade, colidiu com 18 veículos e sentenciou mãe e filho à morte.
Para entender o que aconteceu fomos atrás de informações. Descobrimos rapidamente que o veículo estava com freios em condições precárias. Mas a Polícia Rodoviária Federal também identificou outros problemas.
Dentre eles, precariedade na sinalização, falta de placas, péssimas condições de manutenção, pneus com ferragens aparente e cronotacógrafo vencido. Este último equipamento é considerado a caixa preta do transporte rodoviário de cargas e passageiros. Suas informações permitem identificar velocidade praticada no trajeto, tempo de direção contínua, distância percorrida. Informações essenciais para a perícia.
Mas todas essas deficiências do veículo geram multas apenas para o dono da carreta. No caso, os irresponsáveis proprietários da transportadora Rodoposser. Empresa cheia de irregularidades, pelo que soubemos depois.
Curiosamente, a CNH do caminhoneiro estava em dia. Portanto, não podia ser multado. Afinal, o veículo poderia ser a principal causa da tragédia. Mas nossa experiência indicava que havia mais por descobrir. Poucos dias depois, soubemos que o motorista estava com o exame toxicológico periódico vencido há mais de dois anos. O quadro começava a ficar claro.
O dono da carga que não pensa na preservação da vida, sempre encontra uma transportadora compatível com seus interesses irreveláveis e esta condutores irresponsáveis. Qualquer caminhoneiro sabe quando os pneus estão precários e o veículo está irregular.
Portanto, o dono da carga, transportador e o próprio motorista estavam cientes de tudo. Assim como os responsáveis pela Rodoposser sabiam que entregavam carreta para motorista com exame toxicológico vencido. Por que será?
Em primeiro lugar porque esse é o perfil de gente que este tipo de empresa utiliza. Além disso, sabiam que o motorista estava protegido pela MP 1153/22, publicada em 30 de dezembro de 2022, que entrou em vigor no mesmo dia.
Dizia a MP 1153 :
Art. 1º O disposto no art. 165-B da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro será aplicado a partir de 1º de julho de 2025.
O que está por trás desse texto? Resposta: a impunidade.
A MP 1153/22 determinou o adiamento da multa de R$ 1.467,35 e suspensão da CNH por 90 dias apenas para 01 de julho de 2025. Isso impediu que o assassino da professora e de seu filho fosse sequer multado pela PRF. No dia seguinte estava solto e provavelmente dirigindo carreta.
Nesta semana a MP 1153 foi votada na Câmara, mais precisamente na quinta-feira (27). Na véspera tudo indicava que a impunidade seria mantida pelos parlamentares. Inclusive o deputado relator da matéria tinha apresentado seu voto em um texto que mantinha a situação absurda do adiamento da penalidade para julho de 2025.
Incrédulos com a medida injustificável, que só beneficia traficantes e o crime organizado, várias entidades levaram ao relator da MP 1153 dados e informações sobre a gravidade do mencionado artigo 1º.
Mas, somente palavras e números pouco significam nessas horas decisivas. Entretanto, o caso da professora Vanessa e o pequeno Pedro permitiu que vários parlamentares fossem sensibilizados, pedissem a correção do texto e finalmente convenceram o relator a fazê-lo.
Vidas perdidas são mais eloquentes que qualquer orador. Somente a força da tragédia foi capaz de virar esse jogo em prol da preservação da vida de outras pessoas.
Por isso, consideramos que a professora e seu filho pagaram com a vida pela impunidade mas mostram a força das pessoas de bem, dos anjos que agora estão em outra estrada.
Também foi o caso da pequena Alice com 1 mês de vida, seus pais e avós que morreram no dia 12 de outubro de 2019, Dia da Criança e da Padroeira, no retão de Resende (RJ) na Dutra (BR-116), atingidos por um caminhoneiro que invadiu a contramão de rodovia de pista dupla.
No laudo toxicológico do caminhoneiro o índice de cocaína encontrada era quase 10 vezes o limite máximo tolerado no exame toxicológico.
Lembramos também de Sandra Pereira, que estava na garupa da motocicleta do seu esposa Anderson e foi morta por um carreteiro alucinado. Ele ainda arrastou a moto por mais de 30 quilômetros, com o esposo da vítima pendurado no caminhão. A imagem correu mundo.
Estas vítimas também não podem ser esquecidas, porque a dor da suas famílias permanece. Entretanto, a dramática história recente de Vanessa e o pequeno Pedro, foram decisivas para mudar uma lei totalmente equivocada.
Infelizmente, pagaram com suas vidas, uma dívida que não era sua. Apesar disso, sua história vai evitar muitas outras vítimas e tragédias que a sociedade chama de forma equivocada de acidentes.
A eles, Vanessa e Pedro, e outras tantas vítimas que sofrem as consequências de motoristas que usam drogas, queremos deixar nosso eterno agradecimento. Em nome de todos que atuam em prol da segurança viária e todas as vítimas e seus familiares que ficaram no caminho.
Precisamos aprender com esses crimes de trânsito, em respeito a essas pessoas e seus familiares. O seu Lauro, pai da Vanessa e avô orgulhoso do Pedro, não aparece nas estatísticas mas está mutilado. A dor das famílias que perderam entes queridos são eternas cicatrizes que se abrem regularmente.
Esperamos que o Senado mantenha o texto e não vete este artigo. Não podemos tratar vítimas como estatísticas. É nosso dever não deixar que tantas mortes aconteçam em vão. A professora Vanessa nos deixou uma lição de vida e de morte. É fechar os olhos para esta aula.
Por enquanto, a sociedade brasileira foi reprovada na prova do trânsito seguro. Ao final do balanço do feriado do Trabalhador, pelo menos 150 pessoas vão morrer no somatório das rodovias federais e estaduais.
A professora Vanessa seguramente está decepcionada conosco. Para mudar de fato somente combatendo a impunidade e aplicando as leis com rigor. Com isso daremos oportunidade a outras crianças de chegar a vida adulta. Chance que o pequeno Pedro e a recém nascida Alice não tiveram porque fracassamos como nação e seres humanos.