ABUSOS: Proprietários de caminhões arqueados colocam vidas em risco apenas por vaidade. Reprodução nas mídias sociais. Foto: Reprodução/Redes Sociais

Irregularidade pode ser vista em trechos de diversas rodovias no país, mas pouco é feito para combatê-la

Apesar de possuir regras específicas, muitos proprietários de caminhões desobedecem e burlam a Resolução Nº 479 de 20 de março de 2014 – que dita norma sobre a alteração no sistema de suspensão – ao modificarem a traseira de seus veículos deixando-as com uma elevação bem acima do permitido por lei.

Esse tipo de ‘modismo’ – que tem conquistado milhares de seguidores nas redes sociais – tem sido também um dos motivos de acidentes (sinistros) graves com mortes e feridos nas estradas do País, além de preocupar especialistas no assunto, nos últimos anos.

De acordo com a Polícia Rodoviária federal (PRF), esse tipo de alteração é perigosa, pois transforma o veículo de carga numa espécie de “guilhotina”, principalmente, em situações de colisão traseira, como foi o caso na BR-116, que matou duas pessoas em janeiro do ano passado.

DESTRUÍDO: A cabine do Mercedes-Benz, dirigido por Gerson Mattos (filho de Jetro), ficou completamente destruída. Foto: RPC

Na ocasião, um engavetamento no km 108 da rodovia, no Contorno Leste, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (PR), envolvendo dois caminhões Mercedes-Benz e duas carretas, matou um casal, sendo que uma das vítimas era filho do caminhoneiro que dirigia o caminhão Mercedes-Benz – com traseira arqueada – atingido pelo outro Mercedes-Benz – também com suspensão elevada. Ambos os veículos estavam irregulares, de acordo com o CTB.

Apesar de existir uma norma que trata do assunto, a modificação na traseira de caminhões tem limites. De acordo com a Resolução, os veículos de passageiros e de cargas, exceto veículos de duas ou três rodas e quadriciclos, usados, que sofrerem alterações no sistema de suspensão, ficam obrigados a atender aos limites e exigências previstos nesta Resolução, cabendo a cada entidade executora das modificações e ao proprietário do veículo a responsabilidade pelo atendimento às exigências em vigor.

Conforme estabelece o documento, os veículos de cargas que sofrerem alterações no sistema de suspensão ficam obrigados a atender aos limites e exigências previstos nesta resolução, cabendo a cada entidade executora das modificações e ao proprietário do veículo a responsabilidade pelo atendimento às exigências em vigor.

No caso, dos veículos com PBT até 3500 kg o sistema de suspensão poderá ser fixo ou regulável. A altura mínima permitida para circulação deve ser maior ou igual a 100 mm, medidos verticalmente do solo ao ponto mais baixo da carroceria ou chassi. O conjunto de rodas e pneus não poderá tocar em parte alguma do veículo quando submetido ao teste de esterçamento.

Segundo o coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, é preciso aprender com essas tragédias, até em Memória das Vítimas de Trânsito, e banir essa prática que coloca vidas em risco. “Infelizmente, milhares de vídeos e fotos são postados diariamente nas mídias sociais com veículos que tem essas alterações. Fica evidente que a fiscalização não está atuando como dela se espera, tanto nas rodovias federais quanto estaduais. A divulgação constante nas plataformas como YouTube, Instagram, Facebook, Tik Tok, são um estímulo a essa prática porque os “influenciadores” muitas vezes ainda ganham dinheiro e fama com isso“, frisou

Deputada, engenheiros e peritos alertam sobre os riscos

Outra defensora da preservação da vida humana é a ex-deputada federal Christiane de Souza Yared. Ela apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 822/2022, que pretendia proibir a alteração na suspensão de veículos de carga.

Segundo a parlamentar, o objetivo do texto era proibir a prática da traseira arqueada em caminhões, que tem se tornado muito comum no Brasil.

Os adeptos a essa prática dizem que deixar a traseira do caminhão arqueada aumenta a estabilidade do veículo nas curvas. Na justificativa do Projeto, a parlamentar destaca que fabricantes como a Scania e a Volvo já emitiram notas negativas sobre o assunto.

A primeira afirma que a traseira arqueada é “danoso ao veículo, pois sobrecarrega e prejudica os componentes, além de não ser seguro por erguer o centro de massa do caminhão, podendo ocasionar tombamentos com facilidade.”

O perito Rodrigo Kleinubing, especializado em sinistros de trânsito com veículos pesados, alertou para os riscos no seu artigo publicado no Estradas, intitulado: “SOBRE A MÁ PRÁTICA DE ARQUEAMENTO DE CAMINHÕES“. Dizia Kleinubing: “Portanto, esta má prática de alteração da configuração de fábrica de caminhões (de motivação unicamente estética) resulta, juntamente com os excessos de velocidade (incentivados pela drástica diminuição dos controladores de velocidade em nossas estradas), no aumento da estatística de óbitos envolvendo nossos caminhoneiros e ocupantes de outros veículos.”

O que muda com o PL da traseira arqueada se aprovado, o documento vai alterar o artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro. Dessa forma, o condutor que for pego na irregularidade receberá uma multa gravíssima (7 pontos na carteira) e o valor da penalidade (R$ 293,47) será multiplicado por 10, totalizando R$ 2,9 mil.

O valor pode ser dobrado em caso de reincidência no período te até 12 meses. Ademais, o veículo será removido para o pátio credenciado até que ele seja regularizado.

Pedido de ex-ministro para relaxar a fiscalização atendeu a infratores

Infelizmente, até o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas – atual governador de São Paulo, em setembro de 2022, pediu à PRF para ‘dar um tempo’ na fiscalização, por considerar desnecessárias e que não seriam tão importantes para a segurança, apesar de engenheiros de montadoras e peritos criminalistas, mostrarem os riscos dos caminhões arqueados. Sem contar o prejuízo que os sinistros com esses caminhões causam ao país.

Ao que parece, a PRF continua pouco rigorosa quanto a esse tipo de veículo, assim como a Polícia Rodoviária Estadual de São Paulo, estado governado pelo ministro que pediu para a fiscalização dar um tempo.

Inclusive, um dos principais divulgadores da traseira arqueada no YouTube, que também vende rifas aparentemente ilegais de veículos já nessa condição, mora atualmente no estado de São Paulo e pode ser visto semanalmente circulando nesses veículos nas rodovias estaduais. Passa em frente a postos da Polícia Rodoviária quase todos os dias.

Segundo fontes, está com a CNH suspensa, mas continua dirigindo. Posta, inclusive, vídeos mostrando imagens das abordagens policiais e faz fotos com eles embaixo da traseira, além de trafegar permanentemente em excesso de velocidade. Em dezembro passado, postou vídeo mostrando que teria o caminhão mais arqueado do Brasil.

Donos da carga sabem que estão utilizando veículo irregular

Os embarcadores (donos da carga), com a repercussão negativa da colisão do caminhoneiro na traseira arqueada do caminhão do pai, iniciaram um movimento não entregando carga aos veículos nessas condições. Até porque a fiscalização estava mais rigorosa e corriam o risco da carga ficar retida nas rodovias.

Com o relaxamento da fiscalização, após declarações do então ministro Tarcísio de Freitas, ladeado pelo então diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, os caminhoneiros adeptos a essa prática voltaram a levantar a traseira e os embarcadores voltaram a entregar a carga para esses veículos.

Curiosamente, muitos caminhoneiros com traseira arqueada alegavam que não tinham recursos, reclamavam do frete, mas, por outro lado, gastam mais de R$ 10 mil para colocar mais molas e deixar a traseira alta.

Ao mesmo tempo, caminhoneiros nas rodovias são fiscalizados e muitas vezes punidos por interpretações equivocadas das normas. Isto está ocorrendo com frequência, mais recentemente, com caminhões-cegonha. No caso da traseira arqueada, as normas são objetivas, mas a prática continua e está sendo estimulada cada vez mais nas mídias sociais. Clique aqui e veja a gravidade da situação revelada pelo Blog do Caminhoneiro.

Para combater a essa irregularidade, é preciso que as autoridades apliquem a lei e que os donos da carga não permitam entregar a mesma para veículos irregulares. Infelizmente, pelo que o Estradas tem apurado, grande parte dos donos da carga entregam a quem transporta por menos, sem importar as condições do veículo, situação da CNH do motorista, exame toxicológico em dia, cronotacógrafo em dia.

Para Rodolfo Rizzotto, o transporte rodoviário socialmente responsável começa pelo dono da carga.”Recentemente tivemos uma tragédia que matou uma professora e seu filho, causada por um caminhoneiro que estava carregado com veículo em péssimas condições, que foram decisivas para a tragédia e ainda com sua habilitação com exame toxicológico vencido. Ele foi indiciado por homicídio mas a tragédia começou no dono da carga que carregou num veículo que colocava vidas em risco e que poderia ser parado na estrada e com motorista irregular. Tudo por ganância do embarcador, transportador e caminhonieiro. Mas na prática, os únicos condenado serão o motorista, pelo código penal, e  a família das vítimas pela dor eterna“.

Veja nos links abaixo, algumas matérias envolvendo ocorrências com esse tipo de infração:

Polícia flagra caminhão com suspensão adulterada na BR-153, no Tocantins

Traseira arqueada de caminhão do pai contribui para morte do filho e da nora na BR-116, no PR

Polícia flagra caminhão com suspensão adulterada na BR-153, no Tocantins

Pesquisa revela que mais de 50% dos caminhões de carga perecível estão irregulares

Ministro Tarcísio quer relaxar fiscalização dos caminhoneiros e pode colocar vidas em risco