O SOS Estradas e a TrânsitoAmigo, entidade de vítimas de trânsito, dão continuidade às campanhas mensais em prol da segurança viária, em parceria com seus parceiros da FENAPRF e ABCAM, dentre outros. Desta vez, o foco é o excesso de velocidade.
Segundo o Anuário Estatístico da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 2021, foram registrados 6.741 acidentes (sinistros) nas rodovias federais que tiveram como principal causa o excesso de velocidade. Ocasionando 675 mortes e 7.857 feridos.
Quanto maior a velocidade na hora do sinistro, maior a letalidade. Entre o momento que percebe o risco e inicia a frenagem, o condutor já percorreu vários metros. Em média, dirigindo um automóvel, o motorista a 80km/h percorre 15 metros até iniciar a frenagem que deve consumir mais 38 metros até a parada completa do carro. No total, serão 53 metros. Isto com reação em tempo normal, boas condições do pavimento, veículo e climáticas.
Já a 96 km/h a soma do tempo de reação e frenagem atinge pelo menos 73 metros. O equivalente ao comprimento de 18 carros parados na rodovia. No caso de estar conduzindo a 112km/h serão necessários pelo menos 96 metros para frear totalmente o veículo; o equivalente a 24 carros. No caso de a situação de risco ser uma carreta tombada na pista é simplesmente a diferença entre a vida e a morte.
O limite de velocidade não é uma meta a ser atingida, mas uma indicação do máximo que deve ser praticado no trecho. Entre 2011 e 2020, somente nas rodovias federais, período da primeira Década de Segurança Viária estabelecida pela ONU, foram 59.883 sinistros com feridos e 7.401 com mortes, em que a principal causa foi a velocidade excessiva.
Esse número mais que dobra, considerando as rodovias estaduais que, somadas, representam mais de duas vezes o total das rodovias federais pavimentadas. Infelizmente, o controle de velocidade nas rodovias federais tem diminuído desde 2019, e, não por coincidência, a média mensal de mortos aumentou, conforme já identificou o SOS Estradas desde meados de 2019.
Nos últimos meses daquele ano, a média mensal de mortos aumentou 15%. Depois de sete anos de queda contínua, nem a redução brutal de tráfego durante a pandemia conseguiu reduzir os abusos e as mortes.
Como se não bastasse, a Resolução 798/20 do Contran estabeleceu uma série de condições que praticamente inviabilizaram a fiscalização com radares portáteis. O único equipamento que realmente permite surpreender os infratores. Com isso, os crimes de trânsito, com rachas nas rodovias, e motoristas que chegam a andar a 300km/h nas estradas, proliferaram nas rodovias federais e, posteriormente, estaduais.
Atualmente, nas rodovias federais menos de 10% da malha rodoviária é fiscalizada com esses equipamentos, o que praticamente garante a impunidade nos 90% restantes. Já que, com os aplicativos, é possível saber onde tem fiscalização.
Na maioria dos estados brasileiros, sequer é possível usar o radar portátil, já que os órgãos estaduais e as polícias rodoviárias não conseguem cumprir as condições da Resolução 798/20.
Entre 2011 e 2020, a PRF emitiu 24 milhões de autos de infração relativos ao excesso de velocidade em cerca de 70 mil quilômetros de rodovias federais por 10 anos. Para quem acredita ser número elevado, significa que, em dez anos, foram aplicadas menos multas por esse tipo de infração do que o total de veículos que trafega a cada seis meses, somente nos 402 quilômetros da rodovia Presidente Dutra (BR-116).
Impunidade remunerada pelo YouTube
A impunidade tem estimulado principalmente jovens a filmarem rachas e dirigirem registrando velocidades que, em alguns casos, chegam a 300km/h. As imagens são veiculadas nas redes sociais e canais do YouTube, garantindo a alguns deles receita mensal de dezenas de milhares de reais e até ultrapassam os R$ 100.000,00 mensais
São vídeos de motociclistas a caminhoneiros, passando por proprietários de veículos preparados para andar em velocidades absurdas. Há poucas semanas, num racha na rodovia do Bandeirantes (SP-348), em São Paulo, dois youtubers conhecidos praticavam racha a 200km/h, quando um deles colidiu com a traseira do carro de uma família, com duas crianças no banco de trás. Por milagre, não houve feridos, apenas danos materiais.
Um desses condutores, conhecido nacionalmente e objeto de várias matérias de denúncia nos principais veículos de comunicação, postou vídeo há poucos dias, onde filmou outro racha na BR-060, na altura de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
O racha entre o Gol e o Honda VTI do criminoso inicia no km 344 da rodovia, onde o limite de velocidade no trecho é de 80km/h. A velocidade atingida pelos dois veículos no racha é superior a 230km/h, já que são veículos “envenenados”.
O número de seguidores do youtuber potencial assassino: 1 milhão. Ele tem renda mensal estimada de pelo menos R$ 100 mil, com as imagens dos seus crimes e infrações de trânsito, que geram dinheiro de publicidade, principalmente pelo canal do YouTube.
Em seis anos de canal no YouTube, o mencionado potencial assassino conseguiu 257 milhões de visualizações, até o dia 18 de setembro. Início da Semana Nacional do Trânsito (SNT).
Apenas este youtuber tem cerca de 8 vezes o número de inscritos no canal da Polícia Rodoviária Federal, que está há 10 anos no ar e quase 460 vezes mais visualizações que a PRF. São 560 mil visualizações ao longo de quase 10 anos dos vídeos da PRF, basicamente educativos, contra 257 milhões gerados em apenas 6 anos com literalmente milhares de infrações e crimes de trânsito pelo criminoso contumaz.
Portanto, não existe campanha educativa da Semana Nacional do Trânsito ou do Maio Amarelo que consiga fazer frente ao processo de deseducação gerado pela impunidade desses potenciais assassinos do trânsito, que se multiplica nas mídias sociais.
O antídoto para essa impunidade foi o PL 130/20 da deputada federal Chrystiane Yared, que previa punir os infratores e criminosos de trânsito com as imagens que eles mesmos divulgassem.
O projeto foi aprovado na Câmara e no Senado, mas vetado pelo presidente da República. Os vetos foram mantidos pela união de dois grupos políticos supostamente antagônicos: o Partido dos Trabalhadores (PT) e os deputados da base do governo. A conclusão é simples: o que a impunidade uniu, os partidos não separam.