Mais uma matéria da série:  Governo quer pegar motoristas drogados pelos cabelos!

Ao determinar a obrigação do exame toxicológico para os motoristas profissionais, o Governo pode estar atirando no que viu e acertando num alvo muito maior. Isto porque o aumento do uso de drogas por motoristas de ônibus e caminhões está ampliando e facilitando a distribuição de drogas pelas estradas. Eles começam a usar as drogas por questões pessoais ou para ficarem acordados mais tempo ao volante, e se tornam presas fáceis para os traficantes. Muitos motoristas acabam entrando no negócio das drogas.

POLÍCIA RODOVIÁRIA JÁ APREENDE MAIS MACONHA QUE A POLÍCIA FEDERAL

No primeiro momento o motorista profissional que precisa dirigir por muito mais tempo do que o suportável tem facilidade na obtenção da droga para suportar a carga de trabalho. Depois, em função das dificuldades financeiras que enfrentam, assumem dívidas e são estimulados a pagar com o transporte de pequenas quantidades de drogas. A questão é tão grave que a Polícia Rodoviária Federal apreendeu em 2013 mais de 117 toneladas apenas de maconha, somente nas rodovias federais, mais do que as 111 toneladas apreendidas pela Polícia Federal em todo o país, em outras apreensões.

O volume é ainda mais significativo considerando que a PRF registrou 2.452 ocorrências de apreensão de drogas em 2013. Média inferior a 7 por dia nos 61.000 km sob sua responsabilidade. É uma ocorrência a cada 8.700 km de rodovias federais.

Apreensão de drogas pela PRF

Nesse sentido, é fundamental entender que a tarefa original da PRF não é combater o tráfico de entorpecentes, nem o contrabando, que também passa pelas estradas e exige empenho dos patrulheiros. Entretanto, fica evidente que a quantidade que passa pelas rodovias pode ser dezenas de vezes maior do que a quantidade apreendida. É um jogo em que quem perde é a sociedade.

O EXCESSO DE JORNADA É PORTA DE ENTRADA DAS DROGAS

Segundo a auditora fiscal do trabalho, Jacqueline Carrijo, que coordena várias operações de fiscalização no Estado de Goiás, as polícias rodoviárias federal e estaduais precisam de mais estrutura e apoio, inclusive para fiscalizar a jornada de trabalho. Nas operações coordenadas por Carrijo junto com outros auditores fiscais e policiais rodoviários, é fácil constatar que a principal razão do uso da droga é sempre a mesma: excesso de jornada e pressão do horário da entrega.  “ Tem motorista que informa que a transportadora entrega a caixa de rebite no início da viagem. Em todas as operações flagramos vários motoristas com rebite e sinais de uso de drogas.”

Embora as drogas sejam encontradas em todos os tipos de veículos, como motocicletas, automóveis, caminhonetes, vans e ônibus, é nos veículos de carga que está a ponta do iceberg.

Numa pesquisa simples no Google, analisando alguns casos de apreensão de drogas no mês de agosto veiculados pela imprensa, encontramos diversas notícias relatando transporte de drogas misturadas com diversas cargas, o que torna a tarefa da polícia ainda mais complexa.

Em Corumbá  (MS) uma carreta tinha 400kg de maconha em fundos falso. Em Belo Horizonte a PRF encontrou 700 kg da mesma droga escondidas no meio de 30 toneladas de arroz. Em outra ocorrência em Goiás mais 1.116 kg de maconha estavam numa carreta com 15 toneladas de milho. Outra carreta, ligada aos mesmos traficantes, foi encontrada com 400 kg da droga em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.

Em Araçatuba, no Estado de São Paulo, o dono de uma carreta Scania foi preso depois que o veículo foi encontrado com 303 kg de cocaína. Na Dutra, num posto de combustível em Resende (RJ), tinha uma carreta estacionada com uma tonelada de drogas junto da carga de sementes.

Já em Minas Gerais um caminhoneiro e seu ajudante foram presos com R$ 600 mil em espécie. A justificativa para tanto dinheiro foi de que se tratava de sonegação fiscal, só não conseguiram explicar de qual atividade econômica. Meses antes, um caminhoneiro flagrado com drogas numa rodovia paulista, ofereceu R$ 50 mil em dinheiro para ser liberado. Naturalmente acabou preso.

É verdade que por causa do excesso de jornada muitos caminhoneiros estão dependentes das drogas,  e alguns colegas começam a vender drogas para pagar seu próprio consumo e passam, em pouco tempo passam de motoristas a traficantes.

Numa matéria produzida pela TV Record, em março deste ano, além de vários motoristas flagrados com drogas na cabine, um cegonheiro em especial foi flagrado com nada menos que 150 comprimidos dentro da carreta. Como ele alegava que usava eventualmente, não pode ser descartada a possibilidade de que já vendia para terceiros.  Inclusive várias matérias ao longo dos últimos anos já flagraram a venda feita por motoristas de ônibus e caminhão na garagens das empresas em que trabalham. (Veja a matéria acessando AQUI)

O Procurador Paulo Douglas de Almeida, do Ministério Público do Trabalho, esclareceu que muitos motoristas são flagrados em estado crítico. “Na operação que realizamos no Mato Grosso, 15% dos motoristas estavam em estado de pré-overdose, numa condição, que, segundo os médicos, já não conseguiam diferenciar na estrada uma placa de um ser humano.”

Ele enfatiza que é preciso combater o excesso de jornada e as “premiações” para quem chega antes. Enfim, as práticas que obrigam motoristas a viajarem longos percursos em excesso de velocidade, sem descanso, tornando-os presa fácil para traficantes.

Para conquistar os caminhoneiros os traficantes os abordam principalmente nos postos de rodovia e oferecem cocaína garantindo que é melhor que o rebite. “Tem gente que bate na porta quanto estamos dormindo e diz que vamos conseguir dirigir 90 horas sem dormir”, explica um caminhoneiro que não quis se identificar.  Em vários lugares caminhoneiros ligam para o traficante que vem entregar no posto. É o disk drogas nas estradas.

O mesmo caminhoneiro com quem conversamos disse que conhece colegas que já transportaram pequenas quantidades para pagar dívidas. “Tem gente que fica com olho grande e começa a entrar no negócio. Eu digo que eles vão morrer na mão do traficante e eles dão risada.”

APRENDENDO COM A MÁFIA

Uma operação da Polícia Federal no Paraná, em meados deste mês de agosto, revelou como o transporte de cargas está cada vez mais relacionado com as drogas.  Na prisão de uma quadrilha internacional ficou constatado que o grupo criminoso, residente em Umuarama, usava veículos com fundos falsos para receber maconha do Mato Grosso do Sul e cocaína que vinha de Rondônia. Os entorpecentes seriam distribuídos nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, segundo a Polícia Federal.

Durante a operação foram apreendidos 49 toneladas de maconha, 393 kg de cocaína, 125 kg de crack, 2.720 frascos de lança-perfume, mais de 8 mil comprimidos de ecstasy, quinze armas de fogo e mais de 2 mil projéteis. A polícia ainda recolheu R$ 394.724,00 em espécie e 51 veículos, sendo 26 automóveis, duas motocicletas e nada menos que 23 carretas e caminhões.

Essa frota de carretas leva a crer que o tráfico de entorpecentes pode estar usando o transporte de cargas como fachada para suas atividades criminosas, inclusive lavagem de dinheiro. E não seria nada inovador.

Na Itália, investigações da polícia e do Ministério Público detectaram o surgimento de inúmeras empresas de transporte em regiões mais pobres do país. Com crescimento rápido e frota de veículos novos, num crescimento totalmente acima da média. As investigações revelaram que muitas são empresas de fachada da Máfia.

O paralelo em relação ao caso brasileiro é  a maneira como a tudo começou.  Na avaliação de algumas autoridades italianas a entrada da Máfia no negócio aconteceu em virtude do relacionamento de pequenos traficantes com os caminhoneiros do Leste Europeu.

Muitos caminhoneiros de países que não fazem parte da União Européia começaram a buscar serviço na Itália. Passaram a aceitar trabalhar mais horas do que estabelece a lei. Para aguentar a jornada, consomem drogas e essa proximidade com os traficantes despertou o interesse da Máfia, que viu no negócio do transporte de cargas um meio de levar as drogas e lavar dinheiro.

Além disso, o consumo de drogas por caminhoneiros no Brasil também contribui para montar uma grande rede de distribuição pelo país e ampliar o mercado consumidor. Como são obrigados a parar para descansar e se alimentar, podem transportar pequenas quantidades para traficantes na região, que as distribuem nas cidades do interior. Além disso, os próprios motoristas já são uma clientela cativa.

A situação preocupa donos de postos que são obrigados a investir em segurança privada para evitar a aproximação dos traficantes, que também controlam a prostituição e muitas vezes estão envolvidos com contrabando, roubo de carga e de veículos.

Um proprietário de posto de rodovia no Mato Grosso, que também não quis se identificar, disse que a situação é ainda mais assustadora porque seus funcionários começam a usar a droga. ”Esse exame que querem fazer com os caminhoneiros para ver se usam droga posso ter que fazer com funcionários na hora de contratar. Tem gente viciada que vem procurar trabalho. Outro dia peguei um deles vendendo a droga para caminhoneiro. Quando reclamei  e disse que não podia fazer isso no meu posto, ele me disse para ficar quieto senão falava com o traficante amigo dele e mandava acabar comigo. O que eu posso fazer?”.

O exame toxicológico de larga janela e outros controles que possam contribuir para evitar o uso de drogas por motoristas profissionais são fundamentais para combater o excesso de jornada, reduzir os acidentes e também para evitar a expansão da venda de drogas no país.

O Governo precisa ficar mais atento à questão, pois as estradas são as veias da nação e elas estão ficando doentes. A droga que antes não fazia parte do mundo rural, hoje está chegando a cada recanto do Brasil. Vem pela estrada e cada vez mais de caminhão e ônibus. Os exames toxicológicos de cabelo, que detectam o uso de drogas pelo motorista até 90 dias antes da coleta,  poderão ser uma poderosa arma para desintoxicar o país.

Sem dignidade, os motoristas são presas fáceis do mundo do crime. A sociedade precisa entender que sem respeito a essa categoria profissional o Brasil está deixando crescer um tumor maligno e para extirpá-lo será cada vez mais difícil. Embora a maioria dos caminhoneiros ainda não seja usuário regular de drogas e do chamado rebite, a realidade é que esse número está aumentando a cada dia e não diminuindo.

Veja as outras matérias da série aqui. 

MAIS MATÉRIAS

Devido a repercussão do tema, o Portal Estradas resolveu abordar com mais regularidade a questão das drogas nas estradas, com artigos, matérias, entrevistas, estudos e muito mais. Todas as semanas teremos uma nova matéria. Você pode e deve participar ativamente com sugestões, alertas e também divulgando os bons exemplos. Empresas que praticam o transporte socialmente responsável, pontos de parada que investem na segurança, enfim, o que você achar importante.