A Lei Federal que tornou crime dirigir embriagado completa três anos amanhã com um dado para comemorar – pelo menos no Paraná. O número de acidentes e de mortes no trânsito caiu de 2007 (ano anterior a entrada em vigor da Lei Seca) para cá. Em Curitiba, segundo o Batalhão de Polícia de Trânsito da Capital (BPTran), houve queda de 26% nas colisões, mesmo com crescimento de 19% na frota. Nas rodovias federais do estado, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a diminuição também se aproximou dos 20% na conta de acidentes por mil quilômetros – não é possível usar os números absolutos em razão de um crescimento de quatro vezes na malha da PRF. No período, a frota estadual cresceu 36%.

O número de mortes também caiu consideravelmente: em 2007 eram 292 mortes por ano a cada mil quilômetros de estradas; em 2010, a média foi de 171. Ainda assim, o trânsito é responsável por 35 mil óbitos anuais no Brasil e uma nova tendência começa a ameaçar a eficácia da lei: cada vez mais, condutores invocam a Constituição para recusar o teste do bafômetro. A carta magna do país prevê o direito individual de não gerar provas contra si. Apenas no Paraná e no Rio Grande do Sul, o motorista que dirige embriagado sofre punição administrativa pela atitude, perdendo o direito de conduzir veículos por até 12 meses.

A esperança das autoridades e envolvidos com trânsito é tornar os motoristas mais conscientes a ponto de abandonarem a mistura álcool e direção. “Trata-se de uma mudança cultural, um processo de educação como ocorreu com o cinto de segurança. No início, as pessoas insistiam em não usar o cinto, o que não acontece hoje em dia”, pondera o inspetor Gilson Luiz Cortiano, superintendente da PRF no Paraná. A atenção de cada motorista, segundo Cortiano, deve levar em conta o fato de que uma ocorrência pode causar danos não só ao motorista alcoolizado, como a inocentes.

E é justamente a falta de consciência que leva os motoristas a invocar o direito individual sobre o coletivo, na avaliação do vice-presidente da Associação Brasileira de Medi­cina de Tráfego, José Montal. “Co­mo a lei ficou submetida à discussão jurídica, sua eficácia foi inibida. O comportamento afeta o di­­reito coletivo de ter segurança no trânsito”, afirma. Montal argumenta que chegou a tratar a legislação como a “lei que salva vidas”, mas isso ficou para trás. “O Rio de Janeiro talvez seja o estado que le­­ve mais a sério a lei, diminuindo em 30% as mortes. No resto do país, houve queda média de 7%”, diz.

Celebridades caem no bafômetro

A cidade do Rio de Janeiro é exemplo de aplicação da Lei Seca. Com uma ação ininterrupta desde 19 de junho de 2008, quando a lei entrou em vigor, a operação contrária à mistura álcool e direção já abordou 499 mil condutores, com 86,8 mil multados, 22,7 mil rebocados e 37,3 mil condutores perdendo a habilitação. Ao todo, os agentes realizaram 468 mil testes do bafômetro, sendo que 4,4 mil motoristas sofreram sanções administrativas e 1,6 mil punidos criminalmente.

Na Cidade Maravilhosa nem as celebridades flagradas dirigindo alcoolizadas escapam do rigor da lei. Exemplos são o ex-senador Aécio Neves (PSDB), o jogador de futebol Adriano “Imperador”, os atores Eri Johnson, Priscila Fantin, Bruno Gagliasso e Danielle Winits e os cantores Toni Garrido e Sandra de Sá.
Países apostam em legislação mais rígida

Tornar a legislação mais rígida para motoristas novatos, profissionais e motociclistas é uma possibilidade para aprimorar a Lei Seca no Brasil. Vários países já adotam limites menores ou a proibição da ingestão de álcool para quem trabalha com o trânsito, é iniciante ou usa veículos menos protegidos. No entanto, o maior rigor não é visto com bons olhos pelo presidente da Comissão de Trânsito da OAB-PR, Marcelo Araújo. “É difícil de aplicar a diferença de tratamento em uma lei com público muito grande sujeito a ela”, afirma.

Embora uma pesquisa do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira e do Centro de Prevenção de De­­pendências (CPD) de Recife tenha indicado que pessoas entre 40 e 60 anos foram flagradas com mais frequência sob efeito de álcool do que jovens dos 20 aos 29 anos, deveria existir maior preocupação com os novatos na avaliação do vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABMT), José Montal. Segundo ele, o próprio Código de Trânsito prevê essa diferença ao colocar a permissão (o primeiro ano de Carteira de Habilitação) como um estágio probatório.

O diretor do Centro de Pes­­quisa em Drogas e Álcool da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Flávio Pe­­chans­ki, não vê necessidade de uma discriminação na lei. Ele pede apenas que a aplicação aconteça com mais frequência. “Devemos aceitar blitzes randômicas, onde a polícia tenha o poder de averiguar o grau de intoxicação tanto de álcool como de drogas de qualquer motorista”, diz.

A opinião é semelhante à do diretor do Centro de Pesquisa em Drogas e Álcool da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Flávio Pechanski. “A lei pegou por uns poucos meses, pois havia a real percepção de que as punições aconteceriam. A polícia estava nas ruas, em blitzes com bafômetros. A partir daí, as pessoas começaram a invocar erroneamente a Constituição”, diz. Contudo, pode-se dizer que os motoristas parados em blitzes e que se recusam a fazer o teste do bafômetro ao menos são punidos administrativamente.

Os casos dos Detrans do Paraná e do Rio Grande do Sul estão se tornando regra no país. Ou seja, o condutor passa incólume da punição penal, mas recebe uma punição que não é considerada branda pelo presidente da Comissão de Trân­sito da OAB, seção Paraná, Marcelo Araújo. “Há a autuação pela recusa e a possibilidade grande de perder o direito de dirigir por até 12 meses. Na esfera criminal, contudo, há uma tendência natural de que o processo fique prejudicado.”

De acordo com Pechanski, à exceção do Rio de Janeiro, a maior parte dos estados trata a Lei Seca como uma espécie de campanha de conscientização, o que torna sua aceitação mais complexa. “A percepção da punição vai diminuir as estatísticas que acontecem a partir da bebida e direção. Isso só é conseguido com fiscalização sistemática e não apenas com as campanhas”, diz.

Manter o número de mortes em baixa é desafio para o futuro

Embora a queda no número de acidentes seja representativa, o desafio é fazer com que a Lei Seca mantenha o número de mortos em baixa. Em Curi­tiba, de 2007 até 2009, a baixa dos acidentes refletiu na ocorrência de óbitos. Foram 91 em 2007; 98 em 2008; 72 em 2009 (a única queda). Mas no ano passado, o número voltou a crescer, chegando a 91 novamente. Nas rodovias federais, a queda foi mais expressiva: 41%. Em 2007, eram 292 mortes por ano a cada mil quilômetros de estradas. Em 2010, a média caiu para 171.

Índice

Conforme o superintendente da Polícia Rodoviária Federal no Paraná, Gilson Luiz Cortiano, o índice se deve à redução dos acidentes graves. “Diminuindo o número de pessoas alcoolizadas nas rodovias, há consequente queda das ocorrências mais violentas”, explica. Ainda assim, o trânsito é responsável por 35 mil óbitos anuais no país – apenas Índia, China, Estados Unidos e Rússia superam esses números. A preocupação com esses dados levou o governo federal a aderir ao Plano de Ação da Década de Segurança no Trânsito (2011-2020), lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em maio.

Prioridade

Além da condução de carros sob efeito de álcool, outros quatro aspectos devem receber prioridade do governo: motociclistas; jovens condutores (faixa etária entre 18 e 21 anos); abuso de velocidade; e, por fim, os pedestres.