ACIDENTE: O empresário Plinio Lobato, de 64 anos, morador de Aracaju, Sergipe, foi a primeira vítima fatal da deflagração anormal do airbag da Takata no Brasil. Em 20 de janeiro, o Celta ano 2014 que Lobato dirigia colidiu com outro automóvel na Orla do Atalaia, em Aracaju. Ele morreu instantes depois do acidente. Foto: Divulgação

De acordo com a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, a fabricante japonesa Takata já admitiu aumento do número de problemas no insuflador após seis anos de uso

O registro este ano das três primeiras mortes no país relacionadas ao defeito no airbag da Takata, alvo de 71 recalls apenas no Brasil, acendeu o sinal de alerta na Senacon (Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor), órgão do Ministério da Justiça. A preocupação é que o número de acidentes aumente. Isto porque, em 2021, o país vai completar sete anos de obrigatoriedade de airbags em veículos. A fabricante japonesa do acessório já admitiu aumento do número de problemas no insuflador após seis anos de uso.

No Brasil, há mais de 1,6 milhão veículos listados em recalls da Takata que ainda não atenderam à convocação para a troca do acessório, segundo dados da Senacon. Aumentar a média de atendimentos dos atuais 50% para níveis superiores a 70%, média internacional, é o objetivo da secretaria. As montadoras foram convocadas a apresentar, no dia 31, propostas que aumentem a efetividade dos recalls.

Os chamados “airbags mortais” da Takata são alvo do maior recall mundial, envolvendo cerca de cem milhões de carros, 30 mortes e mais de 300 feridos.

“Tivemos muito avanços do ano passado para cá, com a inclusão da pendência do recall no documento do carro, o uso do cadastro do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) para localizar proprietários dos veículos, mas ainda não alcançamos a nossa meta. Queremos identificar as práticas mais efetivas para torná-las padrão”, diz Leonardo Marques, coordenador-geral de Consultoria Técnica e Sanções Administrativas da Senacon.

Em paralelo, o Denatran está preparando uma pesquisa para entender se os brasileiros sabem o que é recall, se já foram notificados, se atenderam ao chamado e, quando não, o motivo. A pesquisa entra no ar em setembro no portal do órgão, que recebe cerca de 700 mil acessos mensais.

“Pedimos às montadoras que nos informem sobre o retorno do serviço que prestamos de notificação dos proprietários, qual o índice de atendimento das convocações, a eficiência da informação no documento. Esses dados permitirão aprimorar o sistema”, explica Frederico Carneiro, diretor do Denatran.

A Honda, que enviou duas notificações a 100% dos clientes registrados na base do Denatran com pendência de recall, revela um aumento de 25% no atendimento. A estimativa é que cerca de 70 mil clientes tenham trocado o insuflador do airbag, desde março, após esta campanha.

Lógica invertida

Desde 2010, a Honda já convocou 18 campanhas de recall relativas à Takata. A fabricante registrou 42 casos de rompimento anormal do airbag, sendo 16 deles com ferimentos, e confirma uma vítima fatal, número que diverge do informado pela Senacon, que contabiliza duas mortes.

Para a montadora, o projeto de lei 3.267/2019, em tramitação no Congresso, que torna a pendência do recall impedimento para o licenciamento do veículo, pode incentivar o atendimento.

Para o promotor Paulo Roberto Binicheski, presidente eleito da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, a lei inverte a lógica do recall:

“Tornar o recall efetivo é uma obrigação do fornecedor. O projeto de lei transfere o ônus para o consumidor. As montadoras poderiam arcar com a locação de veículo pelo tempo do conserto e indenizar o proprietário pelo tempo perdido. Isso seria um incentivo”.

Montadora com o maior número de carros envolvidos nos recalls da Takata no Brasil, cerca de dois milhões, a Toyota diz ter um índice de atendimento de 65%, acima da média nacional. A empresa afirma que diversificou a comunicação, usando cartas, e-mails, redes sociais e promotores para distribuir avisos de risco.

A GM, fabricante com o primeiro registro de morte no país, único da montadora no mundo, diz que, além dos meios tradicionais, notifica os proprietários por WhatsApp.

A Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não quis se manifestar antes da reunião.

Primeira morte em Aracaju

O empresário Plinio Lobato, de 64 anos, morador de Aracaju, Sergipe, foi a primeira vítima fatal da deflagração anormal do airbag da Takata no Brasil. Em 20 de janeiro, o Celta ano 2014 que Lobato dirigia colidiu com outro automóvel na Orla do Atalaia, em Aracaju. Ele morreu instantes depois do acidente.

“Meu pai dirigia o carro, meu namorado estava no banco do carona e eu, no de trás. Eu e meu namorado não sofremos um arranhão, o airbag do carona inflou normalmente. Já o airbag do meu pai ficou caído para o lado, cortado e com manchas de sangue”, conta a filha do empresário Roberta Lobato, de 29 anos.

O alerta de que os fragmentos metálicos do airbag podiam ser a causa da morte foi feito pelo legista, diz Roberta: “Ali no acidente vi que saía uma fumaça do volante, mas não imaginei que uma peça do airbag pudesse ter cortado o pescoço do meu pai. Foi o legista que nos alertou para a necessidade de investigação, porque a peça encontrada no corpo provavelmente teria saído do airbag”.

O inquérito da Polícia Civil de Sergipe, encerrado em 15 de julho, concluiu que a morte de Lobato foi, de fato, provocada pela ruptura anormal do insuflador do airbag, que lançou peças metálicas. “O laudo do Instituto de Criminalística aponta claramente a responsabilidade do fabricante do airbag” frisou a delegada Daniela Lima, responsável pela investigação.

Segundo Luciano Homem, diretor do Instituto de Criminalística de Sergipe, a morte do empresário despertou a suspeita da perícia: “O que chamou atenção foi que era um acidente relativamente simples, mas que acabou envolvendo um óbito”.

O carro de Lobato não estava na lista do recall. Apenas em 5 de agosto, após a conclusão da investigação, a General Motors anunciou o recall de cerca de 235 mil veículos, modelos Celta e Classic.

Até o momento, a família do empresário não recebeu indenização. “Após a conclusão da investigação, em meados do mês passado, recorremos à Justiça. Mas não há dinheiro que pague a vida do nosso pai. Precisamos, sim, que a Justiça seja feita. Queremos que a empresa se responsabilize. O recall é o mínimo que se pode fazer. O caso do meu pai foi só o primeiro, pode haver ainda muitas vítimas”, afirma Mariana Lobato, de 32 anos, também filha do empresário.

Em nota, a General Motors diz ter tomado conhecimento do acidente, em 15 de julho, pela imprensa, e de imediato comunicado aos órgãos competentes o início de processo de investigação. A montadora afirma, no entanto, que ainda não teve acesso ao veículo. A GM disse também que ainda não foi notificada da ação judicial.

Riscos

Ao não atender o recall, proprietário do carro se coloca em risco e também a terceiros. Um projeto de lei propõe que a pendência do recall seja impedimento para licenciamento do automóvel.

Fonte: O Globo