A empresa Triunfo também explicitou a intenção de devolver a Concebra. Foto: Divulgação

Intolerância com os descumpridores de contratos tem sido chamada de “risco moral” nas concessões

As divergências entre os ministérios da Economia e da Infraestrutura estão travando a publicação de um decreto que permitiria a operadoras privadas de aeroportos e rodovias devolver amigavelmente suas concessões problemáticas à União.

O impasse gira em torno do direito de indenização às empresas pelos investimentos ainda não amortizados. A equipe econômica vê, na proposta de texto formulada pela área de infraestrutura, uma mensagem equivocada para investidores estrangeiros de que grupos nacionais vitoriosos em leilões com lances supostamente irresponsáveis acabam sempre beneficiados por um perdão oficial.

No entorno do ministro Paulo Guedes, essa tolerância com os descumpridores de contratos tem sido chamada de “risco moral” nas concessões. Se essa prática for mantida, alega-se, dificilmente novos investidores estrangeiros – como fundos de private equity, fundos de pensão e fundos soberanos – serão atraídos para o ousado programa de privatizações que se pretende colocar em andamento.

Decreto

Logo nas primeiras semanas do governo Jair Bolsonaro, o Ministério da Infraestrutura e o núcleo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) quiseram agilizar a edição do decreto presidencial. Uma minuta com 14 artigos estava pronta desde o ano passado. Sem o texto, não tem efeitos práticos a legislação sancionada pelo ex-presidente Michel Temer para resolver o drama de concessionárias inadimplentes com suas obrigações contratuais. A lei 13.448, de junho de 2017, buscava dar uma alternativa mais rápida para os arrastados processos de caducidade movidos pelas agências reguladoras.

Temer chegou a expor publicamente seu receio em assinar o decreto e ser acusado de favorecimento a grupos privados, como ocorreu com o Decreto dos Portos, que lhe rendeu uma denúncia na Justiça pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por alegado favorecimento à empresa Rodrimar. No fim das contas, a regulamentação da lei jamais saiu.

Pedidos

As operadoras do aeroporto internacional de Viracopos (SP) e da Via 040, rodovia que liga Brasília a Juiz de Fora (MG), já protocolaram pedidos formais de devolução dos contratos. O primeiro, administrado pela UTC e pela Triunfo, está em recuperação judicial. A segunda é controlada pela Invepar. A Triunfo também explicitou a intenção de devolver a Concebra.

Trata-se da maior concessão rodoviária do país, com 1.176 quilômetros de extensão, e cruza Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais.

Metodologia

O Ministério da Infraestrutura defende uma metodologia de cálculo das indenizações que remunere as empresas por todos os investimentos ainda não amortizados. Esses pagamentos poderiam ser feitos com recursos levantados com a relicitação dos ativos, mas considerando todo o valor efetivamente investido (valor contábil do ativo), após auditoria. Só na indenização de Viracopos e da BR-040, estima-se que os gastos superem R$ 4 bilhões.

O Ministério da Economia se opõe à ideia. Na raiz do problema, está o que a equipe econômica acredita ser o modus operandi das empreiteiras brasileiras e a prática de ganhar leilões esperando renegociar esses contratos posteriormente.

Apesar do caráter deficitário de muitas concessões, auxiliares do ministro Paulo Guedes estão convencidos de que elas já tiveram lucro como “partes relacionadas” dos contratos. Ou seja, levando seus próprios braços de construção para as obras.

Compensação

No caso de Viracopos, a Constran (da UTC) e a Triunfo foram contratadas para erguer toda a infraestrutura do novo terminal. Na BR-040, a Invepar contratou a OAS, sua sócia controladora. Com isso, acredita-se que tenham compensado os lances supostamente irresponsáveis de seus braços de investimentos: 159% de ágio no valor da outorga do aeroporto, 61% de desconto sobre a tarifa máxima de pedágio da rodovia.

A equipe de Guedes defende que o valor contábil dos ativos precisa sofrer “impairment” e refletir os investimentos recuperáveis. Para ilustrar: o valor de Viracopos não é seu terminal e sua pista, mas o fluxo de caixa em torno deles.

Relicitação

A ideia da Economia é fazer uma relicitação dos ativos até com “lances negativos”. Por exemplo: mantendo as condições contratuais existentes, com o pedágio atual e o cronograma de obras, um investidor poderia dizer que só se interessaria pela BR-040 mediante uma oferta para receber R$ 500 milhões. Nesse caso, as tarifas subiriam e/ou o prazo das obras seria diluído a fim de reequilibrar o fluxo de caixa. E a Invepar, responsável pela devolução do ativo, ficaria sem nenhuma indenização. Na prática, seria o mercado que ditaria o valor do pagamento.

Com ironia, um assessor da equipe econômica lembra o caso da usina de Belo Monte (PA), que estourou o orçamento e saiu muito acima do valor original. “Imagina se os donos da hidrelétrica forem à Aneel dizendo que querem devolvê-la e receber R$ 35 bilhões de volta. Vão rir da cara deles. Mas isso reflete um marco regulatório, o do setor elétrico, que é bem mais consolidado”, diz essa fonte. “Precisamos dar um sinal claro ao mercado de que não toleraremos comportamentos oportunistas e de que os contratos serão rigorosamente respeitados.”

Inviabilização

Para o time de Tarcísio Freitas, fortalecido pelo sucesso dos leilões de aeroportos e da Ferrovia Norte-Sul, esses aspectos podem até ser considerados, mas teme-se que inviabilizem a devolução amigável das concessões – uma saída menos traumática. A concessionária precisa continuar prestando serviços normalmente até a relicitação e evita-se uma interminável contenda judicial.

Fonte: Valor Econômico