Transporte rodoviário de passageiros está fora de controle e acidentes aumentam
Colisão entre dois ônibus na BR-262 no Mato Grosso do Sul. Foto: Reprodução/Redes Sociais

A omissão das autoridades aumenta os riscos de viajar de ônibus

Motoristas dormindo no bagageiro, drogas e contrabando escondidos em fundos falsos de ônibus, colisões e capotamentos típicos de fadiga dos motoristas, veículos em péssimas condições de manutenção, empresas de grande porte desrespeitando esquemas operacionais, transporte clandestino fora de controle com decisões do Judiciário e ANTT desmontando a fiscalização são apenas alguns dos fatos que revelam o caos do transporte rodoviário de passageiros.

Aumento dos acidentes

Os sinistros (acidentes) envolvendo ônibus sempre representaram uma grande preocupação do portal Estradas.com.br. No entanto, a situação está fugindo do controle, como é possível perceber no noticiário recente. Em apenas três sinistros nas rodovias na quinta e sexta-feira passadas, foram 5 mortos na pista e 53 feridos.

Em dois desses casos, estava envolvida a empresa Novo Horizonte, uma das maiores do setor. Nesse sábado (24), outro tombamento com um ônibus da Guanabara, verdadeiro conglomerado dos transportes, deixou mais 11 feridos.

Fadiga dos motoristas é uma das principais causas das tragédias

Há 20 anos, no estudo “Morte no Trânsito – Uma Tragédia Rodoviária”, já identificávamos que a fadiga dos condutores era a principal causa dos sinistros envolvendo ônibus e caminhões, respondendo por quase 50% dos casos. Nos levantamentos realizados ao longo desses anos pelo SOS Estradas, o cansaço esteve sempre entre as principais causas das tragédias.

Submetidos a longas jornadas e pressionados para fazer muitas viagens, principalmente em períodos de muita demanda, muitos motoristas de ônibus acabam envolvidos em casos fatais. Em vários deles, quem paga com a vida é o motorista que cochila ao volante e colide na traseira de uma carreta ou perde o controle do veículo, tombando ou colidindo frontalmente com outros veículos.

Um exemplo dessa realidade foi flagrado pela PRF no dia 31 de janeiro deste ano, na BR-153, em Goiás. Um motorista de ônibus foi encontrado dormindo no bagageiro enquanto o colega dirigia. A viagem era clandestina, do Maranhão a Santa Catarina, e havia outro ônibus irregular acompanhando o grupo.

O procurador do Ministério Público do Trabalho, Paulo Douglas Almeida de Moraes, lembra que, do ponto de vista da legislação trabalhista, o Supremo Federal considerou inconstitucional que dois motoristas revezem ao volante em viagens de longa distância, quanto mais dentro do bagageiro.

“Essa situação viola o bom senso, a decisão do Supremo e implica em responsabilidades. Ainda que o empregador não tenha autorizado esse tipo de procedimento, ele deve fiscalizar e não pode permitir de modo algum que um trabalhador possa ser conduzido nessas condições. Cabe averiguação e punições.”

Poucos dias depois, outro veículo que fazia também a rota Maranhão-Santa Catarina perdeu o freio na BR-116, entre São Paulo (SP) e Curitiba (PR), e, por sorte, conseguiu escapar da morte entrando em uma área de escape da rodovia. Indício de falta de manutenção no sistema de freios. Além do excesso de jornada, o motorista ainda convive com os riscos de dirigir veículos precários por milhares de quilômetros.

Além de indicar algo estranho no ar, afinal, que rotas são essas que saem do interior do Maranhão para o interior de Santa Catarina, em deslocamentos de quase 4.000 km e mais de 50 horas de viagem, sem contar as paradas?

Outra saída de pista em área de escape ocorreu na BR-242, na Bahia, quando um ônibus da Emtram, conhecida pelo histórico de sinistros, ficou sem freios. Por sorte ninguém saiu ferido, mas o veículo havia sido autuado em mais de R$ 18 mil, por excesso de peso aplicados pelo DNIT, responsável pelo trecho.

ANTT não informa os acidentes sequer nos anuários estatísticos

Preocupados com vários sinistros graves noticiados pelo Estradas.com.br, além dos apurados com veículos de comunicação do interior, solicitamos à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) informações sobre o número de acidentes registrados em 2023, bem como o total de mortos e feridos.

Além disso, pedimos que informassem quantas empresas foram autuadas por não informar esses dados, já que a legislação prevê essa obrigação para as rotas interestaduais e internacionais que são fiscalizadas pela Agência. As respostas não vieram, o que já esperávamos e já ocorreu em solicitações semelhantes. Indício de que não tem essa informação ou não querem revelar a real situação.

Enquanto no passado esse número era disponibilizado on-line no site da Agência, há vários anos isso não ocorre. Nem mesmo os Anuários da ANTT, dedicados ao transporte de passageiros, informam qualquer número.

É como se as tragédias fossem colocadas embaixo do tapete, junto com os corpos. Não há praticamente nenhuma divulgação pública de participação da Agência na apuração de sinistros causados por negligência das empresas ou imprudência e imperícia dos motoristas.

Na ARTESP, responsável pelo transporte rodoviário intermunicipal do estado de São Paulo,  também não são disponibilizados publicamente informações sobre sinistros e vítimas.

Representantes dos funcionários das agências reguladoras já denunciavam o desmonte da fiscalização da ANTT e o fechamento de várias salas em rodoviárias importantes.

O portal teve acesso a denúncias formalizadas, inclusive contra o Superintendente de Fiscalização de Passageiros, Felipe Ricardo da Costa Freitas. Funcionários acusam o responsável pelo setor de assédio moral, de privilegiar determinados grupos empresariais e até de beneficiar funcionários mais próximos com viagens que proporcionam diárias.

Segundo essas fontes, Felipe é protegido do diretor-geral da Agência, Rafael Vitale Rodrigues, que é acusado de omitir na sabatina do Senado que foi condenado por atropelamento que matou ciclista em Presidente Prudente (SP). Além disso, segundo veiculado pelo site Antagonista, a Polícia Federal instaurou inquérito contra ele pelos crimes de corrupção passiva e prevaricação.

Em apenas 30 dias, foram 25 sinistros, 48 mortos e 267 feridos

Entre 5 de janeiro e 3 de fevereiro, o Estradas.com.br encontrou 25 sinistros de ônibus, com 48 mortos e 267 feridos. Destes, 14 eram coletivos que operavam em rotas de responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), alguns deles comprovadamente clandestinos. E outros 16, ocorreram em rodovias federais, sob responsabilidade da PRF.

Dos 25 sinistros, em sete ocasiões, os ônibus colidiram com a traseira de outros veículos. Já em outros sete casos, ocorreu o tombamento ou capotamento do coletivo, indicando que não havia envolvimento de nenhum outro veículo. A fadiga é suspeita como a principal causa nas colisões traseiras e nos tombamentos.

Há casos emblemáticos, como a colisão de um ônibus com a traseira de um caminhão-tanque, num trecho da Rodovia dos Bandeirantes (SP-348), em São Paulo (SP), onde existem cinco faixas em cada sentido, além de acostamento. O motorista, em plena madrugada e com pouquíssimo movimento na rodovia, colidiu na traseira do caminhão na faixa mais lenta.

Outro exemplo de indício de fadiga ocorreu com um ônibus da Viação Cometa, na Rodovia Fernão Dias (BR-381), em trecho de pista dupla, em que o condutor invadiu o acostamento e colidiu com a proteção da pista, vindo a tombar. Felizmente, sem vítimas graves.

Na mesma rodovia, outro ônibus da Gontijo colidiu no acostamento com um ônibus de empresa de turismo, causando a morte de 4 pessoas e deixando 16 feridos.

Pressão de horário e o perigo de dois motoristas

Há indícios de pressão de horário, predominantemente nos deslocamentos com distâncias maiores, onde empresas, principalmente as de turismo, usam dois motoristas nas rotas. É importante lembrar aos próprios passageiros que veículo em movimento não é local de descanso de jornada de motorista profissional.

Um exemplo recente, onde esses fatores – fadiga e pressão de horário – podem ter contribuído para uma tragédia, ocorreu com um ônibus da Eucatur no dia 2 de fevereiro, na BR-163/MS. Na ocasião, os dois motoristas do ônibus morreram (um deles dois dias após o sinistro), quando o que dirigia forçou uma ultrapassagem e colidiu com dois caminhões.

Cinco dia antes, outro ônibus da Eucatur, desta vez no Rio Grande do Sul – também com dois motoristas -, colidiu com uma carreta. Na ocasião, a filha do caminhoneiro morreu e ele ficou em estado grave. Mas o problema da empresa não é só fadiga ou imprudência. Duas semanas antes da morte desses dois motoristas, um motorista da Eucatur foi preso dirigindo embriagado.

Neste pequeno período mencionado, foram registradas ainda oito colisões de ônibus com automóveis. Embora não sejam laudos periciais, os relatos de envolvidos indicavam que três seriam de responsabilidade dos condutores de veículos leves, três dos motoristas dos coletivos e outras duas sem informações.

Em três colisões, o ônibus invadiu a contramão, seja em ultrapassagem ou perda de controle, e colidiu com caminhão. Num deles, o motorista do coletivo tentou transferir a responsabilidade para a condutora do automóvel. Neste caso, era uma policial que morreu juntamente com o esposo, a filha, de 5anos, e o avô da menina. Entretanto, o Estradas.com.br apurou com exclusividade que o veículo estava irregular e tinha multas até por evasão de pedágio.

Sinistros com grande empresas e mortes dos seus motoristas

O que mais impressiona é a proporção de colisões com indício de fadiga de veículos de grandes empresas como Gontijo, Penha, Útil, Cometa, Eucatur e Guanabara, entre outras.

Ainda que a frota dessas empresas seja grande, há claros indícios de que a situação é grave porque são muitos motoristas que morrem em colisão traseira. Na Régis Bittencourt (BR-116), um motorista da Penha perdeu a vida de madrugada ao colidir na traseira de um caminhão, em trecho de pista dupla.

Duas semanas antes do Natal de 2023, um motorista da Garcia morreu ao colidir, à noite, na traseira de uma carreta, em rodovia paranaense. Sem sindicatos atuantes, esses profissionais não têm coragem de denunciar as más condições de trabalho.

Quando o transporte é clandestino ou feito por meio de aplicativos, a situação é de total descontrole. Quando divulgamos a matéria sobre o motorista dormindo no bagageiro, vários condutores postaram comentários criticando a matéria, dizendo que era motorista raiz e inclusive que era melhor dormir no bagageiro de veículo em movimento do que no volante. Praticamente defendem o trabalho análogo ao de escravo. Até motoristas justificam isso. Vejamos alguns deles:

Valdecir Doratte
Sempre perseguindo motorista, quando não é a polícia e a imprensa enchendo o saco…..

Natanael Nato Florentino
É melhor dormir no bagageiro empregado do quê em um hotel desempregado…..

Vania Lima
A única coisa anormal, é a perseguição de vocês sobre esses profissionais do volante, que sofrem para levar o pão pra família deles…..

Viagens com dois motoristas revelam a falta de fiscalização dos órgãos do trabalho. Faltam equipes especializadas em praticamente todo o país e apoio das autoridades.

Algumas empresas operam com base em liminares concedidas pela Justiça, inclusive agregam ônibus de proprietários distintos para operarem a viagem “autorizada”.

Muitos estão em péssimas condições de manutenção, como atestam fiscalizações recentes da PRF, inclusive com relação às condições de freios e pneus, sem contar o tempo de direção dos motoristas.

Também não existe controle nas viagens vendidas por empresas de aplicativos. Há casos como a Buser, que divulgou várias vezes os ônibus rosas dando a nítida impressão de que os veículos eram seus e as viagens seguras, mas quando os sinistros ocorriam dizia que era apenas uma aplicativo.

No dia 4 de dezembro, um motorista dirigindo um ônibus, pintado totalmente com as cores da Buser, colidiu na traseira de um caminhão e morreu na BR-116/SP. Imediatamente, a plataforma se apressou em informar que a empresa não estava mais credenciada pelo aplicativo.

Em outra saída de pista com tombamento de madrugada, ocorrida em outubro de 2023 na BR-040/MG, a Buser negou que a viagem não era regular, como a ANTT afirmou. Alegou que era uma perseguição política já judicializada.

Neste caso, chamou atenção que a Buser foi a porta-voz da empresa envolvida no sinistro que deixou 1 morto e 39 feridos, ao mesmo tempo que dizia ser apenas um aplicativo e não tinha envolvimento direto no transporte. Nesse caso, foram encontradas 16 multas do veículo por excesso de velocidade.

Na avaliação do coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, seria importante que a imprensa também questionasse os magistrados que concedem liminares nas viagens que depois resultam em tragédias. “É fundamental mostrar as consequências de autorizar viagens sem nenhum controle sobre as condições de segurança, que ainda estimulam a concorrência desleal“, afirma Rizzotto.

Ele lembra ainda que o noticiário normalmente fica restrito ao acidente e raramente um veículo de comunicação acompanha o processo, inclusive a possível responsabilização das autoridades.

Diz Rizzotto: “A notícia são as mortes. Depois disso, no máximo acompanham o drama das famílias nos enterros. Por falta de pessoal ou interesse, fica para terceiro plano a apuração das responsabilidades. É importante lembrar que muitas vezes o motorista é também uma vítima, seja da empresa que o explora, como da autoridade que não cumpre seu papel de fiscalização.”

Situação não mudou após matérias que apontavam numeros irregularidades

Há casos, como relatamos na matéria “Empresas de ônibus voltam a operar viagens que colocam vidas em risco para lucrarem mais”, em que viagens foram autorizadas pela ANTT, mas o ônibus foi retido na rodovia porque estava com equipamento obrigatório, como o tacógrafo, com a certificação vencida há meses.

Na mencionada reportagem, foi apurado casos até de motoristas com exame toxicológico vencido, autuados pela PRF, quando essa fiscalização era válida (atualmente está suspensa).

Naturalmente, a ANTT e demais órgãos responsáveis pelo transporte rodoviário de passageiros não acompanham as perícias nem a conclusão dos inquéritos sobre as causas das tragédias. Informação que seria essencial para saber de que forma o poder concedente pode, dentro de suas atribuições, contribuir para evitar os sinistros e aprimorar a fiscalização.

Postos de fiscalização que só existem no mundo virtual da ANTT

Verificamos a lista que aparece no site da ANTT dos locais onde supostamente existiria fiscalização. A diferença entre a teoria e a realidade que o usuário irá encontrar é reveladora de como a segurança do transporte é tratada.

Separamos apenas os casos dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Dos sete indicados no site da Agência, localizados no estado do Rio de Janeiro, cinco estão fechados. Dois operam em horário comercial, de segunda a sexta.

Inclusive no terminal rodoviário Novo Rio, na cidade do Rio de Janeiro. Para ter uma noção, somente entre os dias 22 de dezembro de 2023 e 2 de janeiro de 2024 passaram pela rodoviária carioca 20 mil ônibus e quase 700 mil passageiros. Movimento que seguramente justifica a sala da fiscalização disponível 24h para os usuários.

Já nos terminais rodoviários da capital paulista: Tietê, Barra Funda e Jabaquara, mais de 700 mil passageiros circularam apenas no feriado de fim do ano. Apesar disso, somente existe fiscalização da ANTT em horário comercial no Terminal do Tietê.

Veja situação real dos pontos indicados pela ANTT que na pratica estão sendo fechados desde 2022.

RIO DE JANEIRO

1- Posto de Fiscalização no Terminal Rodoviário de Angra dos Reis/RJ (FECHADO)

2-Posto de Fiscalização no Terminal Rodoviário de Barra Mansa/RJ (FECHADO)

3- Posto de Fiscalização no Terminal Rodoviário de Campos dos Goytacazes/RJ
Segunda a Sexta de 08:00 às 17:00 (EM FUNCIONAMENTO)

4- Posto de Fiscalização no Terminal Rodoviário de Niterói/RJ (FECHADO)

5Posto de Fiscalização no Terminal Rodoviário de Petrópolis/RJ (FECHADO)

6- Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário Novo Rio  – RJ
(EM FUNCIONAMENTO SOMENTE EM HORÁRIO COMERCIAL DE SEGUNDA A SEXTA)

7- Posto de Fiscalização no Terminal Rodoviário de Volta Redonda/RJ (FECHADO)

SÃO PAULO

1- Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário de Campinas/SP
Segunda a Sexta 8h00 às 20h00 (FECHADO)

2-Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário de Ourinhos/SP
Segunda a Sexta 8h00 às 17h00 (FECHADO)

3- Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário de Presidente Prudente/SP
Segunda a Sexta 7h30 às 16h30 (FECHADO)

4- Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário de Ribeirão Preto/SP
Segunda a Sexta 8h00 às 17h00 (EM FUNCIONAMENTO PARCIAL – AUSÊNCIA DE FISCAL)

5- Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário de São José dos Campos/SP
Segunda a Sexta 7h00 às 17h00 (ESTAVA FECHADO ATÉ JULHO DE 2023 E FOI REABERTO AO PÚBLICO)

6- Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário de São José do Rio Preto/SP
Segunda a Sexta 8h00 às 17h00 (EM FUNCIONAMENTO PARCIAL – LOCAL PRECÁRIO E AUSÊNCIA DE FISCAL)

7- Sala de Atendimento no Terminal da Barra Funda São Paulo/SP
Segunda a Sexta 7h00 às 16h00 (FECHADO)

8- Posto de Fiscalização/Atendimento no Terminal Rodoviário do Tietê- São Paulo/SP
(EM FUNCIONAMENTO SOMENTE EM HORÁRIO COMERCIAL DE SEGUNDA A SEXTA)

A situação é assim nacionalmente. Entre São Paulo e Curitiba (PR), somente tem fiscalização presencial nas rodoviárias do Tietê e na de Curitiba, e, normalmente em horário comercial. Na rodovia não há fiscalização presencial, e as balanças operam de forma remota.

SUFIS – Superitendência de Fiscalização, divulgou recentemente em um pedido de informação que tem um efetivo de 176 fiscais em atividades de teletrabalho. Todos esses 176 fiscais estão vinculados às atividades remotas definidas por Brasília.

Atividades de teletrabalho envolvem auditorias de situações cadastrais, avaliação de emissão de licenças de viagem e aplicação de multas por excesso de peso e evasão de pedágios. Já o efetivo na pista é de aproximadamente 80 pessoas.

Como tudo é decidido em Brasília e os fiscais não estão perto da realidade da estrada, a possibilidade de privilegiar algumas empresas e rotas em detrimento de outras aumenta.

O poder estaria concentrado no Superintendente da Fiscalização de Passageiros e Cargas e várias denúncias, que precisam ser confirmadas, indicam que não existe a transparência desejada na administração do transporte de passageiros na Agência.

O que fica evidente é que foi dada prioridade ao fechamento de postos e grande parte do efetivo que estava distribuída nestes locais estão em home office, executando tarefas burocráticas, enquanto a fiscalização presencial foi reduzida e restringida a poucas rodoviárias.

Sendo que o trabalho a distância, segundo os próprios fiscais, são focados na produção de multas. É dessa forma que é medida a produtividade. Mas multas nas empresas por não comunicar os sinistros, a ANTT não informa.

Operação de viagens irregulares na rota Rio-SP é tolerada pela ANTT

Por diversas vezes, o portal Estradas.com.br alertou sobre os riscos de viagens sem paradas. Um caso emblemático é a operação da linha Rio-São Paulo pela Viação 1001, grupo que controla várias empresas, entre elas, a Expresso do Sul, Cometa, Rápido Ribeirão, Catarinense e Macaense, além da própria 1001.

Apesar de não existir autorização ou esquema operacional que permita a operação de viagens “Vai Direto” nesta rota, a empresa anuncia em seu site, há anos, que opera normalmente estas viagens, como nesta imagem extraída neste domingo (25), às 13h59.

Operação Vai Direto sem autorização
 Operação da Vai Direto coloca vidas em risco mas ANTT nada faz. Foto: Reprodução

O mesmo serviço é oferecido pela Catarinense, do mesmo grupo, na rota Curitiba (PR) – Florianópolis (SC), inclusive propagando que o passageiro pode economizar até 1 hora na viagem, mesmo sabendo que as paradas representam entre 20 minutos (lanche) ou 40 minutos (jantar). “Se o seu negócio é ganhar tempo, vai adorar o VAI DIRETO: viaje de Florianópolis para Curitiba e vice-versa e economize ATÉ 1 HORA!”

Superintendente da ANTT defende o uso do cinto ao mesmo tempo que tolera irregularidade que impede seu uso ao longo de toda viagem

O superintendente de Fiscalização de Serviços de Transporte Rodoviário de Cargas e Passageiros da ANTT, Felipe Ricardo da Costa Freitas, num evento de transmissão on-line pelo Canal ANTT, intitulado “Rodovias pela Vida”, em que explicava a operação “Vai de Cinto” para passageiros de ônibus, declarou: “O cinto consegue reduzir em até 50% dos óbitos em caso de acidente…”

Apesar disso, Felipe Freitas não coíbe as viagens “Vai Direto”, em que os passageiros são obrigados a ficarem mais de 6 horas sem sair do ônibus e, por razões fisiológicas e de saúde, levantar para usar o toilete do veículo em movimento.

Portanto, ele defende o uso do cinto, mas, ao mesmo tempo, obriga passageiros a correrem riscos andando num veículo em deslocamento a mais de 80 km/h. Basta uma freada para provocar uma queda que pode ser fatal, sem contar os riscos para pessoas mais frágeis, como gestantes, idosos e deficientes físicos. Com o agravante de que as condições de higiene ficam insustentáveis nesses banheiros de ônibus em movimento.

O coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, recorda que, quando levantaram essa questão, o mencionado executivo da ANTT explicava as dificuldades de fiscalizar e as normas que deveriam ser seguidas. “No caso da linha Rio-São Paulo, a justificativa beira ao ridículo. Basta olhar o site da empresa que oferece viagem não autorizada e, como não existe esquema operacional que permita essa viagem ‘Vai Direto’, é necessário apenas checar o cronotacógrafo na chegada do ônibus na rodoviária e confirmar se o esquema operacional está sendo cumprido.

O fato de essa irregularidade ocorrer há anos, numa rota tão importante, dá uma dimensão do que pode estar ocorrendo em outras rotas menos visadas, mas importantes para as empresas. Naturalmente, a fiscalização depende da decisão de quem comanda. Por que não o faz?

Concorrência desleal e tolerância com irregularidades prejudicam as empresas sérias. Algumas delas acabam cedendo em princípios básicos de segurança e se igualam aos clandestinos.

Crime organizado infiltrado no transporte rodoviário de passageiros

Há muitos anos, que notícias sobre passageiros envolvidos transportando drogas, contrabando, armas em viagens interestaduais são veiculadas no portal Estradas.com.br e outros veículos de comunicação.

Embora esses casos e as quantidades encontradas tenham aumentado substancialmente nos últimos anos, há outros registros ainda mais preocupantes. Em alguns casos, os motoristas estão diretamente envolvidos, transportando contrabando ou até mesmo quantidades milionárias de drogas.

Em 7 de novembro de 2023, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 493,7 quilos de cocaína, na BR-262, em Miranda (MS). Dois motoristas admitiram a responsabilidade. A carga era avaliada em quase R$ 60 milhões. Os envolvidos disseram que o proprietário da empresa nada sabia. Entretanto, o Estradas.com.br apurou que o dono aparecia em vários processos na Justiça por envolvimento com tráfico.

Apenas 15 dias depois outro ônibus apreendido no Distrito Federal encontraram 124 smartphones, tablets, roupas e perfumes. O que mais chamou atenção é que o veículo não tinha passageiros, apenas dois motoristas. Estradas descobriu que a Viação Cetro, nome fantasia da empresa JS Turismo Ltda., envolvida neste caso, estava inabilitada para o transporte de passageiros dois dias antes da apreensão do contrabando.

A punição duraria ainda mais 92 dias. Entretanto, o superintendente de Fiscalização de Serviços de Transporte Rodoviário de Cargas e Passageiros da ANTT, voltou atrás da decisão e suspendeu a Portaria 52, que proibia a operação da empresa, publicando no Diário Oficial a Portaria 56/23 da SUFIS. Portanto, a empresa estava regularizada no dia da viagem que foi abortada pela PRF.

Em outro caso registrado em maio do ano passado, um condutor de um ônibus escolar foi preso na BR-158, em Paranaíba (MT), após ser flagrado com 2,7 toneladas de maconha dentro do veículo, sem documentos e sem portar a CNH.

Em muitos casos, o crime organizado tem se aproveitado dos motoristas usuários de drogas para aliciar esses condutores e até proprietários de pequenas empresas para transportarem drogas, armas, munição e contrabando escondidos nos veículos.

A situação é assustadora, pois cerca de 60% dos laudos positivos do exame toxicológico são de motoristas da categoria D (vans e ônibus). Em 70% dos casos, o laudo positivo indica como droga predominante a cocaína. Como a fiscalização do exame está suspensa, é possível que mais motoristas estejam fazendo uso de drogas e, com isso, sejam assediados com mais facilidade pelos traficantes.

Segundo informações de policiais, há casos em que se encontra um ônibus partindo do Mato Grosso do Sul, cheio de bolivianos, que somente pagam pela passagem ao chegar em São Paulo. No ônibus, existem fundos falsos onde são escondidas drogas e contrabando.

Os passageiros não estão cientes do que ocorre e são usados como disfarce para a viagem. O motorista é remunerado com as passagens que os bolivianos pagam ao chegar ao destino.

É preciso que as autoridades cumpram seu papel e fiquem atentas ao que está ocorrendo no transporte rodoviário de passageiros. Esta matéria é apenas a ponta do iceberg do que está submerso, mas atuante no país.

4 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pela matéria que toca na ferida.
    Pena que não produzirá o efeito necessário, pois tentem averiguar quem são os donos das GRANDES empresas de ônibus e quem são os seus “padrinhos”.
    Infelizmente é um sistema que o preço dele se paga com vidas, de profissionais que são mal remunerados, acharcados por seus patrões a fazerem além do que é previsto. E quem sai em defesa dos mesmos? Ninguém, pois é lucrativo.
    O povo que tem que acordar e não financiar esta
    Balbúrdia que virou o transporte de passageiros no nosso país. Cobrar das autoridades competentes, não fomentar o mercado paralelo ( clandestino), e denunciar às condições em que se encontra o profissional, às condições do veículo, às empresas que não cumprem o que está previsto, pressionar o poder público para se manifestar contra esta carneficina promovida por desleixo, descaso, imprudência, imperícia entre tantos adjetivos que poderíamos usar pra definir o LAMENTÁVEL.

  2. Vcs podia se informar melhor antes de publicar esse tanto de baboseira. A própria matéria de vcs é conflitante no conteúdo. Se de alguma forma não podem ajudar fiquem calados.
    Outra coisa, uma coisa é falar dos acidentes, outra é enumerar as viagens ocorridas sem os msm. Mas isso não da ibope neh !??

    • Quem deveria informar melhor são os órgãos responsáveis pelo transporte rodoviário de passageiros. Por que omitem os acidentes (sinistros)? Naturalmente sua opinião é de alguém que trabalha no setor e se sentiu atingido. Como portal ligado as entidades de vítimas de trãnsito, nosso foco é a preservação da vida. O seu é defender outros interesses. Quem criticar seja objetivo e mostre onde erramos. E esta é apenas a primeira de uma série. O volume de informações que temos, as denúncias e documentos que recebemos, revelam uma situação ainda mais grave. Provavelmente você ficará ainda mais contrariado.

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